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Mostrando postagens de maio, 2008

Jefferson Peres e Marina Silva: a morte da ética

Jaldes Reis de Meneses. Professor dos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social (UFPB). Lamentei o falecimento do senador Jefferson Peres e o pedido de demissão da Ministra Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente. O senador morreu na hora errada, vai embora para sempre no momento de descrédito institucional generalizado do mundo político brasileiro, enquanto a ex-ministra (uma demissão de enorme repercussão internacional) deixa o ministério queimando, feito as labaredas de fogo tostando árvores na floresta amazônica. Jefferson não volta mais e Marina exibe o porte de uma guerreira disposta ao bom combate. No reino da política institucional brasileira, quase todos carregam na boca um suspeito sorriso satisfeito. Ninguém se indigna mais com nada. Há pouco debate sobre o verdadeiro conteúdo de nossa corrupção – o combate principal de Jefferson Peres –, bem como sobre as tendências de futuro do modelo de desenvolvimento brasileiro – o tema por excelência de Marina Silva.

À Longo Prazo, o Ovo da Serpente

Pesquisas em células-tronco embrionárias (o problema axial da vida e das relações entre Estado laico e confissão religiosa privada), estatuto da igualdade racial (as cotas universitárias e a constitucionalização do conceito de raça) e demarcação das terras indígenas (na verdade, o debate sobre o processo moderno de nação): de repente todas as grandes questões, os debates realmente decisivos, estão migrando das casas parlamentares e batendo às portas do poder judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal. Poucos estão atentos às graves conseqüências do processo. Pelo que leio apenas o atual presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, aventou a uma explicação. Na opinião de Gilmar Mendes, o fato é normal, corriqueiro; segundo ele, em todas as modernas democracias, em algum momento da evolução do chamado Estado Democrático de Direito, os interesses individuais e de grupo, a disputa de valores pela hegemonia política, ética, e moral, em certo momento, abarrotaram o judiciário de

Mensagem na Garrafa

Ainda no terreno do "futurismo" que me assolou nos três últimos dias: o blog é uma linguagem nova, diferente da carta, do artigo em jornal, do livro de poesia e do romance. Pode ser o diário (de longe a forma mais usada, por enquanto e não se sabe se para sempre) de uma pessoa adulta, um adolescente, um intelectual, ou o borrão do poeta, entre outras serventias. O blog é uma forma por excelência inconclusa, o que não impede de ser o veículo de idéias brilhantes, em teste, versos inconclusos, tortos, em busca de compartilhar uma experiência lírica (principalmente lírica, pois é difícil a épica em tempo pós-modernos, como bem sabe quem lida com literatura). A mim parece que alguns blog pessoais vão ficar, quem sabe daqui a uns três séculos, algum antiquário de bits vai descobrir um Cervantes do século XXI começou fazendo anotações em um blog. Mas o destino é incerto: comparo a inundação de sites e informações em nossos computadores ao incêndio permanente de uma nova Biblioteca

Matrix e Blindness

Antes de “Blindness”, na série de filmes “Matrix” (produzido pelos irmãos Wachowski, baseado no romance de ficção científica de Philip K. Dick) já tínhamos em evidência a temática da distopia de um mundo aterrador, no cinema contemporâneo, da mesma maneira que na cultura de massas. No caso de "Matrix", um real, duro e inóspito mundo dividido, compreensível a poucos membros de uma vanguarda libertadora, e outro virtual e ilusório, falso com ilusão de realidade, composto de uma massa escravizada, com o agravante de que o estado de submissão encontra-se imanente à própria consciência individual, cujas cadeias internas impedem o acesso ao real. A pior e mais compacta das experiências de escravidão porque desborda do plano da relação social (guerreiro e escravo, senhor e servo, burguês e operário) e penetra integralmente no terreno da psique, criando uma situação na qual o plano da autonomia individual esfumou-se, tornou-se inefável. Ou seja, no limite, estamos diante da manufatur

Matrix e Blindness

nAntes de “Blindness”, na série de filmes “Matrix” (produzido pelos irmãos Wachowski, baseado no romance de ficção científica de Philip K. Dick) já tinhamos em evidência a temática dos mundos paralelos. Um real, duro e inóspito, compreensível a poucos membros de uma vanguarda libertadora, e outro virtual e ilusório, composto de uma massa escravizadada, com o agravante de que o estado de submissão encontra-se imanente à própria consciência individual, cujas cadeias internas impedem o acesso ao real. A pior e mais compacta das experiências de escravidão porque desborda do plano da relação social (guerreiro e escravo, senhor e servo, burguês e operário) e penetra no terreno da psiquê, criando uma situação na qual o plano da autonomia individual esfumou-se, tornou-se inefável. Ou seja, no limite, estamos diante da manufatura de uma dominação quase perfeita. Tendo a ver uma diferença central em “Blindness” e “Matrix”. Em Blindess, o enrredo diz respeito à disseminação de uma peste da qual é

Blindness

Evidentemente, as reflexões sobre a cegueira no post anterior (no fundo, o velho tema da alienação em Marx, Hegel e Feuerbach), bem como o poema, me vieram por associação da leitura do noticiário a propósito da exibição do novo filme de Fernando Meirelles (Blindness) em Cannes, baseado no livro de José Saramago sobre uma estranha epidemia de cegueira como alegoria dos tempos pós-modernos. Artimanhas do inconsciente. Creio que seja um grande filme, espero ávido por vê-lo, embora ainda se possa desconfiar de Meirelles: um diretor de cinema que foi de A a Z do extraordinário “Cidade de Deus” (o mais importante filme brasileiro desde “Terra em Transe”) até o sofrível “O jardineiro Fiel” (The Constant Gardener). (Jaldes Reis de Meneses).

"Passeio pelo escuro, eu presto muita atenção no que meu irmão ouve"

Há um verso de uma canção de Adriana Calcanhoto, “Esquadros”, de que gosto muito: “passeio pelo escuro, eu presto muita atenção no que meu irmão ouve”. Fiz menção em um artigo passado sobre as comemorações de 1968 a propósito do fenômeno contemporâneo de uma repetição, uma reiteração, um eco que nos deixa surdos, mudos e cegos. Automatizamos nossos sentidos, mecanizamos as sensações. Nada de novo, pois, de alguma maneira, o trabalho braçal desde sempre logrou êxito precisamente na instrumentação de nossa capacidade manual. O problema atual é que a propriedade do automatismo de nosso aparelho psico-físico, se alastrou como uma praga, uma maldição, por todas as esferas sociais, desde a produção material ao mundo das idéias. Lêem-se poemas de maneira igual: procurando a reiteração de sentimentos datados de antes, um emocionalismo romântico basbaque. A sensação do poema afasta a surpresa, pede apenas a confirmação. Autênticos ensaios sobre a cegueira. Em tempos de escuridão, a bússola pode

Poema Bobo

Jaldes Reis de Meneses No dia em que fui mais feliz Estive calmo e contemplativo, Cão satisfeito com o osso. As pessoas falavam comigo: As escutava pura e simplesmente Para dentro sem aviso de retorno.

Maio/1968

Publico a seguir um elucidativo artigo do filósofo catalão – sem chauvinismos, mais exato que dizer espanhol – Francisco Fernández Buey sobre os acontecimentos de maio de 1968, um dos temas do momento e sobre o qual, quanto mais se escreve e comemora, menos se busca compreender. Os processos humanos são curiosos: com as celebrações de 68 em curso, comemoramos como se fosse para esquecer e escoimar uma lembrança incômoda. Quanto mais festejamos menos sabemos o que comemoramos. A festa pela festa. Tenho somente uma pequena discordância com o artigo de Buey: ele me parece querer marcar peremptoriamente uma linha firme, bem marcada, entre o que chama de “individualismo contemporâneo”, associado ao consumo de massas, e o programa emancipacionista gestado pela nova esquerda. Para mim, os pontos do contacto entre o individualismo emergente da nova esquerda e a sociedade de consumo, despercebidos à primeira vista, são, da perspectiva de 2008, flagrantes. Sequer chego a falar uma novidade: de a

Tudo que vejo

Jaldes Reis de Meneses O poema que vi não consigo escrever. Posso até descrevê-lo em imagens perfeitas. Mas não é mais a mesma coisa. Por isso, penso nas flores, Na morte pousada em um ramo de árvore Feito um pássaro que nunca vi. Como descrever este pássaro manso Senão como um aluvião de miragens insólitas, Como peças de roupas que se despregam, Um avião derrapando na pista, um amor perdido, Um cego que vê? Tudo que vejo sem entender. Tudo que entra e ao mesmo tempo não sai. Mansa e rasa, cascalho sem profundidade, A coisa sequer sai de mim e já se foi solta, Mas para aonde, para aonde?