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Mostrando postagens de 2010

Complexo do Alemão: subo e nunca chego ao céu

Jaldes Reis de Meneses. Professor do Programa de Pós-Graduação em História (UFPB). São Carlos, Morro, Borel/Subo e nunca chego ao céu. (Sérgio Sampaio, in Cruel, de preferência na voz de Luiz Melodia acompanhado pelos meninos da Escola de Música da rocinha: http://www.youtube.com/watch?v=thtieD7Aeo8 e a cuja beleza dedico, modestamente, este artigo) À bem da verdade, logo de começo o mais relevante, desmentindo uma mentira, de tanto repetida, tornada enganoso senso comum: o Estado brasileiro sempre esteve presente nas favelas, principalmente as do Rio de Janeiro (quando nada, importante reduto de massa eleitoral). Como assim? Quem não está na favela somos nós os milhões que acompanhamos os acontecimentos através da TV a cabo. Dilma Rousseff e Sérgio Cabral, por exemplo, subiram o morro e fizeram comícios eleitorais no indigitado complexo do Alemão. As obras do PAC estavam a pleno vapor na favela, basta ver a adiantada construção de um autêntico teleférico de inspiração colombiana, mei

Francisco de Oliveira, Doutor Honoris Causa da UFPB

Jaldes Reis de Meneses Artigo postado no portal www.wscom.com.br Na próxima segunda-feira (22/11), às 19:00 horas, no Auditório do CCSA, em Sessão presidida pelo Reitor Rômulo Polari, o professor Francisco de Oliveira, 76 anos, vem de São Paulo, onde reside desde os anos setenta, receber o merecido título de Doutor Honoris Causa da UFPB. Chico, como é carinhosamente chamado em sala de aula e seminários universitários, talvez seja o último sobrevivente de uma geração, mais que de intelectuais, de heróis: com pouco mais de vinte anos, recém-graduado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco e funcionário do quadro técnico do Banco do Nordeste, foi chamado por Celso Furtado, sem apadrinhamento político de qualquer espécie, a assumir a Vice-Presidência da SUDENE. Na verdade, mais que Vice-Presidente, Chico de Oliveira compartilhou com Celso uma espécie de direção política do período mais importante da história do nordeste brasileiro. Fez história muito cedo, estava com Miguel A

Ricardo Coutinho: novo bloco histórico ou circulação das elites no poder?

Jaldes Reis de Meneses Guardadas as devidas proporções, a vitória de Ricardo Coutinho ao cargo de governador da Paraíba produziu uma corrente de expectativas e esperanças comparável a primeira vitória de Lula à presidência do Brasil em 2002 (ou mesmo de Barack Obama nos Estados Unidos em 2008). Raramente, mesmo que seja tão somente um raio em céu azul, um diáfano feixe de ilusão, o nosso povo dá-se ao prazer de sorrir de felicidade “da” e “com” a política. Indubitavelmente, a vitória de Ricardo Coutinho é um desses casos. Como explicar uma vitória que a muitos, menos ao próprio candidato, parecia uma missão quase impossível? A pergunta conduz a um dos problemas mais complexos do pensamento político: a questão da previsão. A propósito das ciladas de quem se arisca a prever em política, Gramsci escreveu uma atraente frase: só prevê quem age ou opera, ou seja, a melhor previsão é feita por quem vive o processo político de dentro, situado no próprio olho do furacão. Em política, prever, di

Guerras Cambiais

Jaldes Reis de Meneses Artigo também postado no portal www.wscom.com.br Logo em seguida o período da guerra sucessória brasileira e o bizarro desfile de padres integristas e pastores pentecostais – meras bolinhas zoológicas de papel –, espetáculo de burrice que começa a ficar enfadonho, uma nova guerra fatal se avizinha: a guerra cambial. Quem deu a senha, em polêmica intervenção na reunião preparatória do G20 foi o nosso ministro da Fazenda Guido Mantega, dando notícia da incapacidade de arbítrio do fluxo de moeda da parte das principais nações do globo. Foi um tento retórico e tanto: a expressão do Ministro acabou no comunicado preparatório à reunião do G20, que deve ocorrer na Coreia do Sul (Seul), daqui a alguns dias. Realmente, a situação é crítica: o espectro da crise de 2008, para ser estancado, requer uma desvalorização do dólar, abrindo as portas para uma reanimação das exportações industriais americanas, da União Européia e de países emergentes como o Brasil. Talvez no circui

A greve francesa

Jaldes Reis de Meneses Artigo também publicado no portal www.wscom.com.br Há um belo soneto do grande poeta francês Charles Baudelaire que começa assim: “a rua em torno era um frenético alarido” (“A uma passante”). Paris, Lyon, Marseille, junho, 1789; fevereiro, 1848; maio, 1968; outubro, 2010: tão longe, tão perto. Sem dúvida, o alarido das multidões nas ruas vem a ser, junto com o vinho e os queijos, uma moderna tradição francesa. A explicação estrutural do fenômeno de protestar nas ruas e erguer barricadas deita raízes no próprio processo da revolução francesa de 1789: na radicalização do processo jacobino (1792), os franceses fizeram uma reforma agrária radical, fatiando os antigos feudos em pequenas propriedades camponesas. Dessa maneira, a acumulação primitiva de capitais no campo foi relativamente lenta, tendo em vista o acelerado processo inglês. Ou seja: a transferência de renda e capital do campo para a cidade se deu de modo constante, mas num ritmo equilibrado, tanto que até

Reflexões na Reta Final de Campanha

Artigo também postado no portal www.wscom.com.br Jaldes Reis de Meneses Desde o começo do ano, em conversa com amigos e em debates nas minhas aulas de Teoria Política, ao contrário dos que julgavam que as eleições gerais de 2010 seria um espetáculo desinteressante e rotineiro, eu pensava o inverso simétrico: as eleições seriam das mais interessantes e animadas a quem se posta como observador, uma luta renhida, muitas vezes sem quartel, envolvendo, na cena principal, os dois principais grupos em disputa pelo poder político brasileiro, o PT e o PSDB, além de uma extensa série de interesses a tomar partido nos rumos da disputa. Esses interesses não são apenas os clássicos de uma disputa na sociedade capitalista, cujo cerne é o conflito entre a grande burguesia e os trabalhadores sindicalizados. Ou seja: a contenda entre a renda do capital e os rendimentos do trabalho, mediada pelo Estado. Na Europa (França, Grécia, Espanha, etc.) os efeitos da crise econômica de 2008 puseram na ordem do d

Marina Silva: Événement e Carisma

Jaldes Reis de Meneses Artigo também postado no portal www.wscom.com.br Ninguém espera e acontece como milagre. Em política, felizmente (os crédulos diriam “graças a Deus”), existe o conceito extraordinário, mas algo fugidio, do acontecimento (a língua francesa possui a palavra apropriada: Événement). Ou seja, distinto do simples evento, Événement tem o significado da surpresa que ninguém espera e, muitas vezes, tem a força de alterar a série histórica rotineira, enfadonha, de um processo que não se renova. O Événement em letra maiúscula, portanto, sinaliza a mudança de rumos. Não se trata de uma formulação teórica isenta de conseqüências. Neste sentido, discordo de certa filosofia irracionalista contemporânea – Alain Badiou e Slavoj Zizek – que exageram a potência do Événement e religiosamente acreditam que somente o ato puro, gozoso, inaugural, desprovido de valor ético a priori, pode redimir o homem de sua condição animal e produzir valores. O irracionalismo abre em teoria política

1930: oitenta anos

Jaldes Menezes Artigo também postado no portal www.wscom.com.br No mês vindouro, outubro, completará 80 anos o acontecimento histórico em que o estancieiro Getúlio Vargas, dirigindo as tropas do Sul, depois de render os soldados de São Paulo na batalha que não houve (Itararé), em lance de suprema iconoclastia, amarrou o seu cavalo, mais o de alguns comandados, no Obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, então capital da república. Quase ninguém se recorda mais de 1930, processo esquadrinhado, estudado de diversos ângulos, desde as elites até dos de baixo, visto e revisto na historiografia brasileira. 1930: um assunto morto e enterrado. Será mesmo? Nos termos de Gramsci, sem dúvida o Bloco Histórico de 1930 morreu, não existe mais. Seu falecimento deu-se mais ou menos em meados da década de 1980 – no intermezzo do fim da ditadura e do começo do que o jornalista Jânio de Freitas chamou, à época, de transição transada. O sinal mais evidente do funeral foi a quebra do Estado que

É a hegemonia, estúpido!

Jaldes Reis de Meneses Artigo também postado no portal www.wscom.com.br A verdade eleitoral é simples, descomplicada mesmo. Algumas análises se mostraram corretas – entre as quais, espero, a minha – a propósito da tendência de vitória do governo nas eleições de 2010, com o tempo foram se generalizando quase como senso comum à análise política. De que verdade está se falando? Da seguinte: Para a grande massa do eleitorado predomina a percepção de que em geral a vida tem melhorado. Existe, é certo, em contraponto, um perigoso aumento da criminalidade, a educação e a saúde precisam avançar, etc., mas o governo federal tem conseguido passar incólume às eventuais críticas – principalmente quando o assunto é segurança pública. Predomina a visão de que o país vive em um período extraordinário de sua história (alguém se lembra do “nunca antes neste país?”), de desenvolvimento econômico e elevação do prestígio internacional, assentado socialmente no aumento real do salário mínimo, no crédito c

Estratégia do PSDB visa os Estados

Jaldes Reis de Meneses Artigo publicado, em versão resumida, no portal www.wscom.com.br Antes de ir ao ponto, devo fazer uma declaração de princípio. Abrir de ilegalmente o sigilo fiscal de qualquer cidadão trata-se de uma gravíssima violação das liberdades individuais, delito merecedor das mais duras sansões e, caso comprovado o interesse político, passível até de cassação de candidaturas. Ou não estamos a viver um momento de repúdio e limpeza às práticas delituosas no terreno da política partidária, de acordo com os preceitos da campanha “ficha limpa”? Entretanto, há que reconhecer: embora estampado desde junho nas páginas dos jornais e circulando nas correntes e portais de internet, a antiga (tudo que é sólido desmancha no ar nos meios eletrônicos) notícia da quebra do sigilo fiscal, nos porões da arapongagem aloprada, de alguns dirigentes do PSDB, ganhou um simbolismo novo quando do envolvimento da própria filha do candidato José Serra. Era o mote que faltava, a tábua

Constituinte exclusiva

Artigo também publicado no portal www.wscom.com.br Jaldes Reis de Meneses Um dos grandes jornais brasileiros, a Folha de S. Paulo , publicou na edição de domingo (29/08) um inflamado editorial (Perigosa fantasia) com o objetivo de enterrar, já no nascedouro, a proposta de convocação de uma assembleia constituinte exclusiva com pauta determinada, ou seja, modificar os capítulos atinentes às ordens política e tributária. De maneira discreta, a proposta de constituinte exclusiva, aprovada formalmente no Congresso do PT, surgiu de fato no debate político em declarações públicas de Lula e Dilma Rousseff, ainda no ano passado; recentemente, recebeu a adesão inicial de personalidades de peso, como o presidente da OAB, e vários candidatos, desde Marina Silva (PV) e seu vice, Guilherme Leal. José Serra (PSDB) pronunciou-se contrário, mas até um correligionário local, Cássio Cunha Lima, em entrevista à TV Cabo Branco, pronunciou-se favoravelmente. O subtexto do aludido editorial não poderia

Fatura liquidada

Jaldes Reis de Meneses Artigo também postado no portal www.wscom.com.br À maneira de um mestre de obra feita, é muito fácil, tanto que até fico um tanto envergonhado de predizer o óbvio ululante, ou seja, constatar uma acachapante vitória eleitoral dos partidos da coligação governista nas eleições gerais de 03 de outubro. Sem dúvida, o PT e o PMDB, mas também o PSB, e em menor escala, o PCdoB, conquistarão importantes espaços institucionais, ao passo que assistiremos o definhamento do DEM (a eventual vitória no Rio Grande do Norte pode ser a exceção que confirma a regra) e uma derrota do PSBD em redutos históricos, a exemplo de Minas Gerais. Todo mundo está vendo isso, não serei eu a ver diferente. Não acredito em milagres. Melhor que predizer o óbvio, é indagar a propósito do resultado político, vale dizer, constatar que está em vias de desaparecer o equilíbrio político havido nos últimos tempos entre governo e oposição, especialmente entre as coligações pelo PT (

Florestan Fernandes, clássico da interpretação do Brasil

Artigo também postado no portal wwww.wscom.com.br Jaldes Reis de Meneses Há quinze anos, em um cinzento mês de agosto acobertado de garoa paulista e na época do apogeu do primeiro governo Fernando Henrique, antigo assistente de ensino do velho professor, morreu Florestan Fernandes, um dos principais intelectuais brasileiros do século XX. As homenagens foram escassas, abaixo do merecimento do grande e fecundo autor. Professor universitário e militante de esquerda, não se pode dizer que Florestan Fernandes seja um autor esquecido. Unanimemente lembrado na galeria de uma geração de pensadores do tope de Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré, Darcy Ribeiro, Antônio Cândido e Celso Furtado - autores que lograram formular interpretações originais do Brasil -, Fernandes legou ao pensamento social brasileiro uma vasta e densa obra de mais de trinta títulos, da qual certamente o mais importante é a obra-prima Revolução Burguesa no Brasil, escrita entre 1965 e 1974, no

Teses da era Lula

Jaldes Menezes Artigo também postado no portal www.wscom.com.br É impressionante como um consenso político relativamente disseminado, o de que o período de oito anos do governo Lula (alguns chamam até, dando impostação histórica, de “era Lula”) produziu importantes modificações no Brasil, por outro lado, ainda não conseguiu lograr interpretações consistentes e à altura das transformações. Faltam a teoria e o conceito da “era Lula”. Os argumentos se repetem à esquerda e à direita, na academia e no jornalismo, entre os da situação e da oposição. Talvez haja duas exceções mais salientes de contribuição ao debate, discrepantes da geléia geral de mediocridade da análise política contemporânea: Chico de Oliveira e André Singer. Ressalto que são opiniões divergentes, por isso vale à pena passá-las em revista. Em primeiro lugar, há de se levar em consideração as teses de oposição de Chico de Oliveira, um velho decifrador dessa esfinge chamada Brasil, com as formulações polêmicas da uma “hegemo

O Irã e a democracia

Artigo também postado no portal www.wscom.com.br Jaldes Reis de Meneses As notícias que me chegam hoje (03/08) através dos portais dão conta de que o governo iraniano reagiu negativamente à proposta feita pelo presidente Lula, em um discurso em Curitiba, de o Brasil conceder asilo a Sakineh Mohammadi Ashtianim. Trata-se do rumoroso caso, de repercussão internacional, de uma mulher julgada em processo jurídico legal na província de Azerbaijão Ocidental (na verdade, condenada pela sharia islâmica, que opera os cordéis da pseudo legalidade processual) por cometer “crime” de adultério, conseqüentemente condenada a limine à pena de morte por apedrejamento, talvez substituída, na ideia de recurso de clemência a Teerã, pela alternativa (menos dolorosa?) do enforcamento. Ainda que Lula não tenha feito a proposta exibindo os melhores argumentos disponíveis na doutrina dos direitos humanos – ele falou em “carinho e amizade” por Ahmadinejad e, pior, se propôs a intervir para livrar o amigo do

Choque de civilizações

Escrevi o artigo abaixo ainda durante o caso das chamada "frotilha" de ajuda humanitária de ajuda às populações palestinas ilhadas pelo exército de Israel na Faixa de Gaza, no qual foi presa a cineasta brasileira Iara Lee. Resultado: enviei o artigo ao wscom, mas não postei aqui por puro esquecimento. Revendo arquivos velhos, achei que ainda é tempo de postar aqui no blog. Jaldes Reis de Meneses Algumas teses, embora não sejam verdadeiras, têm um valor sinistro de premonição. São de tal maneira polêmicas e estão impregnadas a um difuso “espírito do tempo” que logo após lançadas se espalham como rastilho de pólvora. Outras teses, no entanto, são sensatas, mas cativam a poucos espíritos, condenadas a vegetar no frágil mundo das soluções racionais desprovidas de uma alta voltagem de adrenalina e emoção. Umas dessas idéias racionais e sensatas que fracassaram foram os protocolos de paz do chamado “acordo de Oslo (1193)”, conjunto de tratativas formuladas entre o Estado