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Mostrando postagens de 2013

Kant e Reginaldo Rossi

Jaldes Meneses Reginaldo Rossi é um homem de sorte: teve a ventura de morrer no século XXI, no último mês deste belo ano de 2013. Tivesse o infortúnio de morrer naquele acidente de automóvel ocorrido em 1995, por coincidência que felizmente não houve, teria ido embora da mesma maneira trágica de Chico Science – este indo numa madrugada do pré-carnaval de Olinda. Teria sido certamente enterrado numa vala comum, acompanhado da gente popular de Recife e do Nordeste, sem dúvida, mas jamais teria mais de trinta segundos de notícia em rede nacional. Muito distante, portanto, da comoção bonita e sincera que se vê hoje. Há verdade em todos os necrológios que li a respeito de Reginaldo Rossi. Mas também há algo de falso e dirigido, no sentido intentam-se a uma ascensão de novos ritmos, gostos e caminhos na música popular, no mesmo instante em que o bloco histórico da MPB definidamente se exauriu e, por outro lado, a música no Brasil continua sendo este inesgotável manancial de talento e so

O Fim de Fernanda Torres

Jaldes Meneses Li no fôlego de uma noite de verão, deitado na varanda do apartamento o romance-novela de estréia da atriz Fernanda Torres – “Fim” (Companhia das Letras, 2013). Já admirava a surpreendente cronista pela escrita elétrica, agora me aparece na brisa noturna uma escritora já antevista na crônica, de frases curtas depuradas de adversativas, em pleno domínio das técnicas narrativas, com destaque, como afirma corretamente o poeta Antonio Cicero na orelha do livro, para as magistrais instâncias de fluxo de consciência. Um estilo denso e enxuto, como se fosse um Marcel Proust lipoaspirado por Rubem Fonseca.    O romance narra as peripécias de cinco amigos – Álvaro, Sílvio, Ciro, Neto, Ribeiro – que se encontraram travestidos num carnaval carioca décadas atrás e ficaram, resumindo numa frase banal, amigos para sempre, uma camaradagem como só os homens formam, no estilo mafioso, neste caso, sem crime, de “Os bons companheiros” de Martin Scorsese . Menos que um clássico “romanc

Calendário 2014

Jaldes Meneses Parece que no mesmo ritmo em que a cidade se ilumina e as pessoas se confraternizam a política começa a sair de cena. Realmente, fecha-se o ciclo de acontecimentos relevantes deste formidável ano de 2013 e já é possível prever as perspectivas que se apresentam para o calendário do ano vindouro. Gramsci, um autor de minha predileção, já dizia que, embora sob o risco de errar, é fundamental prever em política, uma atividade fundamentalmente prática, por isso de conteúdo estratégico, que ele resumia na frase “só prevê quem opera”. Todos os que fazem política preveem em tempo integral. O grande evento de 2013 foram as revoltas de junho. Elas puseram a nu o caos urbano em que se transformou a vida nas cidades brasileiras, esclarecendo que de longe o problema-resumo nacional é a reforma urbana. O pano de fundo deste caos é o modelo de desenvolvimento, assentado no automóvel e na superexploração do trabalho dos mais pobres. O recente acidente que aconteceu nas obras do Es

As Paixões do Mensalão

Jaldes Meneses [1] Nunca fui viúva de José Dirceu nem fã de Joaquim Barbosa. Jamais me animei em participar dos dois partidos organizados em torno da defesa ou acusação no processo do mensalão, seja como escriba intelectual no estilo de um Wanderley Guilherme dos Santos (denunciador exagerado da perspectiva iminente de “um golpe da mídia”) ou de um Reinaldo Azevedo (criador no neologismo “petralha”, do petista que tenta justificar o roubo de recursos públicos para fins políticos). As redes sociais estão repletas dessas pessoas, reiterando em ação todos os mecanismos, descritos por Marx, da ideologia como estado bruto de “falsa consciência”. As pessoas se comportam nos debates (de que o ruído das redes sociais é pródigo) a partir de convicções profundas e sinceras, no mais das vezes filiadas emocionalmente ao passado, atadas de maneira acrítica aos tempos idos, das passeatas contra a ditadura que contamos a nossos filhos e netos. O principal patrimônio do PT não se resume a sua

Dialética da Dependência

Jaldes Meneses A “Dialética da dependência”, ensaio escrito e publicado no exílio mexicano por Rui Mauro Marini, distante de Minas Gerais, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, onde adquiriu a sua formação intelectual com Guerreiro Ramos (sociólogo nacionalista do ISEB, cassado em 1964) e nos quadros da POLOP (organização de esquerda criada em 1962, crítica ao programa do PCB), completa 40 anos. Posso estar falando aramaico ao leitor de jornal, mas no mundo inteiro o acontecimento vem sendo objeto de vários seminários, com especialistas se debruçando avidamente no legado de Rui Mauro, especialmente as teses do subimperialismo brasileiro na América Latina, que retornaram aos esquemas interpretativos das ciências sociais buscando dar conta a expansão do capital privado e estatal brasileiro nos países vizinhos. De alguma maneira, Rui Mauro previu corretamente as tendências expansivas do capitalismo brasileiro rumo a seus vizinhos, num tempo em que

As dinâmicas de junho

Jaldes Meneses Qualquer grande acontecimento social, político ou religioso gera no mesmo movimento interpretações contraditórias. Foi assim que em torno de legado de Maomé se formou a tradição dos sunitas e xiitas e de Lênin os stalinistas e trotskistas. Não poderia ser diferente no caso das mobilizações sociais que varreram o Brasil em junho. Esses acontecimentos já se transformaram, mais que movimentos importantes como o Fora Collor ou as Diretas-Já, de análise mais simples, em um enigma interpretativo a várias escolas do pensamento. Finalmente, tivemos no Brasil um acontecimento, digamos assim, contemporâneo, ao estilo do maio de 68 francês, uma explosão de sociedade civil que até hoje desafia o entendimento. Do mesmo jeito, nos anos futuros teremos uma guerra interpretativa versando o que efetivamente estamos fazendo hoje nas ruas brasileiras, produzindo o melhor e o pior da teoria social. Afora os intelectuais, esses profissionais da ideologia, mais uma porção de gente não e

Eduardo e Marina

Jaldes Meneses             Não se fala em outra coisa no arraial da política. O ex-presidente Lula disse que levou um murro no estomago. O governador Tarso Genro, por sua vez, formulou a melhor síntese. Para o governador gaúcho, caso aconteça nas eleições presidenciais do próximo ano uma polarização inédita entre o candidato do PSB – que tanto pode ser Eduardo ou Marina, isso ainda será decidido de fato no devido tempo no primeiro semestre de 2014 – e a presidente Dilma, do PT, em vez do debate de campanha girar em torno do legado da “era” Lula ou da “herança maldita” de FHC, necessariamente será sobre o futuro do Brasil. Afinal, tanto Marina como Eduardo vieram da costela do PT e do lulismo histórico , e sobre eles dificilmente cairão as acusações rotineiras assacados contra o PSDB, de ser um partido que entregou o Brasil na bacia das almas das privatizações das estatais.             No Brasil posterior às jornadas de junho tudo pode acontecer. Dou um doce de coco a quem preve

Aos 100 anos do nascimento de Vinicius de Moraes

                                                                                                                               Jaldes Meneses Entre as muitas histórias que se pode contar de Vinicius de Moraes (1913-1980) – um dos maiores poetas modernistas brasileiros do século XX, cujo centenário de nascimento o Brasil comemora no dia 19 de outubro –, começo com uma que reúne em único ato política e poesia. O folclore do poeta é vastíssimo, de modo que procurarei me abster de temas como a bebida, os amores e o modo de viver da zona sul carioca. Muitas vezes, o folclore lança brumas, obscurece a recepção da obra daquele que é sem favor um dos sete principais poetas modernos brasileiros do século XX, quase ou no mesmo nível de Drummond, Cabral, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Murilo Mendes. Ao que parece, o poeta recebeu a notícia de cassação do Itamaraty, em visita à casa de sua mãe no Brasil, na esteira da edição do AI-5. Em seguida, em 1969, certamente

Dom José/Dom Zumbi

Jaldes Meneses Dom José Maria Pires é um personagem de epopéia em carne e osso. Pensava nestes termos no instante em que participava da solenidade de entrega do Título de Professor Honoris Causa da UFPB, a minha Universidade, a Dom José Maria Pires, ex-Arcebispo da Paraíba entre 1966 e 1996. Porém, nada de uma epopéia remota ou distante – uma Ítaca cantada por Homero ou um mar oceano de Camões. Mas, isto sim, um personagem afirmativo de “nossa” epopéia, aquela que se desenrolou rente a nós, seus contemporâneos, jovens ou velhos, no preciso momento em que vivíamos as nossas atividades cotidianas, tantas vezes exercitávamos nossos rituais de acordar, trabalhar e estudar que nem prestávamos a devida atenção à verdadeira epopéia vivida na Paraíba nos tempos sombrios de resistência à ditadura militar. Embora Dom José também seja conhecido como “Dom Pelé”, nome digno de epopéia é Dom Zumbi. Dom Zumbi mantém-se rixo e forte como um Olmo aos 94 anos. Leu o seu belo discurso de agrade

Eduardo Campos

Jaldes Meneses             Para mim está claro como água límpida de riacho: Eduardo Campos será candidato à presidente da República em 2014 e tem na algibeira um projeto amadurecido de projeção por pelo menos oito anos. Ele sabe muito bem que haverá segundo turno. Ora, se houve segundo turno em 2010, e um surpreendente José Serra – menos por méritos pessoais e mais pela polarização ideológica brasileira – obteve inexplicáveis (entenda-se tanto voto diante de uma tão amadorística e dividida campanha!) e expressivos 44 milhões de votos, imaginem em 2014, quando, apesar de não se confirmarem as prédicas catastrofistas tucanas de falência econômica dos países emergentes, por outro lado, a economia estará longe de sorrir um ciclo virtuoso nos moldes de 2010. Viram o fiasco do leilão das estradas e do petróleo? Ainda pior, diante da promessa de mobilizações durante o período da Copa do Mundo, que mesmo que não repitam as mobilizações de junho – neste caso em 2014 –, deverão continuar

Flores Raras

Jaldes Reis de Meneses [1]               Através do intimista e elegante filme Flores Raras, o cinema irregular e repleto de altos e baixos de Bruno Barreto deu-nos à luz ao melhor filme de sua longa carreira. É verdade Barreto já foi um dia, ainda nos tempos da Embrafilme, um cineasta que provou do gosto popular, principalmente quando consorciado à literatura apimentada da segunda fase romanesca de Jorge Amado e ao corpo brasileiro de uma jovem Sonia Braga, no formidável Dona Flor e Seus Dois Maridos, atingindo píncaros de bilheteria. Por outro lado, quando inventou de enveredar pelo thriller político,brindou-nos com o sofrível Que é isso, Companheiro? Começo a constatar, examinando em retrospectiva o conjunto da obra, que o melhor cinema de Barreto se move por uma embocadura intimista, em vez do cinema popular ou o thriller político. Isto desde a sua estréia aos 18 anos, quando se lançou com ares de menino prodígio, filmando o também tocante Tati, a Garota (adaptação de um con

40 anos sem Salvador Allende

Jaldes Reis de Meneses             Completamos no mesmo dia do ataque às Torres Gêmeas, bem como da data mais prosaica do nascimento do filósofo marxista Theodor Adorno, 11 de setembro, a data do golpe militar no Chile, culminando com o suicídio, em segundo andar de Palácio, do presidente eleito constitucionalmente, Salvador Allende, que morreu como um touro que preferiu não ser fustigado pelos algozes. Mais que recapitular passo a passo o processo chileno da Unidade Popular (1970-73) – para o qual existe farta literatura a respeito –, gostaria de insistir que a experiência chilena está mais viva que nunca. Diz respeito direto e incidente aos nossos dias, no qual várias distintas experiências de governos de esquerda dominam a América Latina, que alguns dividem entre esquerda “soft” (Dilma no Brasil e Mujica no Uruguai) e “hard” (os bolivarianos Maduro na Venezuela, Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia). Soft ou hard, as experiências mais conciliadoras ou radicais possuem u

Getúlio Vargas

Jaldes Meneses Passou quase em brancas nuvens os 59 anos do suicídio no dia 24 de agosto do ex-presidente Getúlio Vargas. Se não fosse o lançamento neste mês do segundo volume da extraordinária biografia de Lira Neto (Getúlio, volume II, Companhia das Letras, 2013), e afora uma nota ou outra quase desaparecida num pé de página de jornal ou canto escondido de portal de internet, o silêncio seria quase absoluto. É sabido que no próximo ano, quando será completa a data redonda dos 60 anos, com Tony Ramos interpretando o próprio Getúlio no cinema, a lembrança aumentará os decibéis de volume. No entanto, mais por operação de marketing do que por espontaneidade popular. Tanto ostracismo é incrível, isso por que, caramba, é impossível entender a história do Brasil no século passado – especialmente a política e a economia do capitalismo brasileiro – sem passar demoradamente pelo cotejo da saga contraditória do retrato do velho Gegê e seu charuto astuto. Pode-se considerar que o trauma do a

Mídia Ninja

Jaldes Meneses [1]             Poucas vezes vi um enxovalhamento moral tão rápido na imprensa como o que passou o tal de Pablo Capilé e seus consortes do movimento “Fora do Eixo”, responsável pela cobertura ao vivo das passeatas de junho na internet através da “Mídia Ninja”, que passou de príncipe a sapo em questão de segundos. É preciso saber separar o joio do trigo. Quando aconteceu o quebra-quebra do Leblon, acompanhei madrugada adentro pela internet os imagens tremidas do Mídia Ninja. De imediato, comparei o cobertura livre que via às da Guerra do Iraque e do 11 de Setembro pela televisão, quando as imagens espetaculares foram filtradas, através do trabalho dos correspondentes de guerra e dos canais a cabo, em comum acordo com os interesses do Departamento de Estado Americano. Na cobertura anárquica do Mídia Ninja, ao contrário, não se vê a presença do Estado, por mais que se queira implicar com os editais públicos ganhos pelo Capilé e seu pessoal. Incomodada com a liberda

Dos Black Blocs à Mídia Ninja

Jaldes Reis de Meneses O leitor de literatura de esquerda no começo dos oitenta, especialmente a literatura autonomista (Cornelius Castoriadis, Toni Negri, Raniero Panzieri, entre os estrangeiros, e Éder Sader, Marilena Chauí e Marco Aurélio Garcia, entre os nativos) tinha uma resposta chavão na ponta da língua para explicar as greves do ABC e a fundação do PT: vivíamos um “momento instituinte”, uma daquelas raras oportunidades históricas em que uma brecha se abre e, mais que novas organizações, uma nova maneira de fazer política é inventada. O espectro dos fabulosos anos oitenta brasileiros novamente volta a assombrar: vivemos realmente um “momento instituinte”?    Faço um pequeno corte de depoimento pessoal. Estive a 15 dias em um estimulante debate, na condição de convidado como um dos expositores (junto com o Professor Ângelo Emílio e um participante do Movimento Passe Livre, de cujas falas aprendi), promovido pela ANPUH-Paraíba (a Associação dos profissionais de História), a

Enquanto seu lobo não vem

Sobre as jornadas de junho Jaldes Meneses      Nunca vou esquecer-me de junho de 2013. Fui a muitas passeatas, caminhadas e reuniões deste mês colorido e fabuloso. Estive no chão do assalto como se procurasse beijar a uma flor escondida. Vi ao meu lado, conversando comigo, o flaneur de Walter Benjamin (seu nome verdadeiro é Baudelaire em 1848, todos nós sabemos) e o gauche na vida de Drummond. Quanto ao jovem circunspecto, munido de uma cartolina e uma frase inteligente, não tive dúvidas: chama-se Guy Debord. Havia, numa encruzilhada da avenida, também um comício. Já sei: escutei palavras bonitas do novo Lênin do PSTU, quem sabe rumo à estação Finlândia?     Adiantei-me ao ritmo da passeata. Uma moça parecida a uma Lolita postava uma mensagem com foto no Facebook a amigos brasileiros em curso de férias em Londres. Nada pensei. Preferi ficar mudo e apreciar a beleza. Isto é a felicidade, pois Vinicius está fazendo 100 anos.     Voltei ao pelotão de trás. Os vândalos esta