O massacre de Oslo: guerra intercivilização

Jaldes Reis de Meneses

Em 1993, em elíptico artigo escrito para a revista Foreign Affairs, o cientista político americano Samuel Huntington (Harvard University), falecido há poucos anos (2008), mais uma vez, proclamava um golpe de mestre. Digo mais uma vez, porque Huntington já havia sido premonitório ao menos em duas outras ocasiões de sua carreira acadêmica.

Em 1965, em estada no Brasil, contrariando os otimistas panglossianos de plantão, ele diria que o golpe militar teria uma longa vida e que estavam enganadas as idílicas teorias do desenvolvimento – não apenas as da CEPAL, mas inclusive as desposadas pelo mainstream das universidades americanas – que consorciavam um determinismo ingênuo entre economia capitalista e democracia. Para Huntington, sociedades como o Brasil e o México eram “pretorianas” (a alusão histórica era à guarda pessoal do imperador romano antigo), ou seja, avessas à democracia liberal, estavam condenadas a seguir uma via autoritária de desenvolvimento. Foi o que aconteceu, certo ou errado. Na verdade, o capitalismo só se consolidou no Brasil depois da árida passagem de um regime pretoriano.

Logo em seguida ao episódio latino americano, Huntington orientou a ação estratégica dos Estados capitalistas contra os resultados sociais dos movimentos de 1968. O diagnóstico era simples: embora não tivessem feito a revolução, nem conquistado o poder político, no entanto, as sociedades civis no ocidente introjetaram uma cultura de reivindicações e exigências impossíveis de serem atendidas pela máquina do Estado. As necessidades humanas são incomensuráveis e o Estado jamais atenderá o “excesso de demandas” crescentes de jovens, operários, mulheres e aposentados. Naquela oportunidade, portanto, tratava-se de desmontar os serviços de Bem-Estar Social e “blindar” o Estado, desencarregá-lo, e transferir para novas organizações sociais o trabalho com as reivindicações. Abria-se o período neoliberal.

Huntington seria um profeta ou sua ciência social superior às dos adversários ideológicos? Nada disso. Ele acertou no âmbito de um pensamento parcial, a serviço das estratégias do Estado. Nem o Brasil necessariamente teria de passar pela ditadura militar para desenvolver o capitalismo, nem o Estado de Bem-Estar Social passaria de antemão por um processo de desmanche. A história é sempre aberta, e as alternativas vigentes convivem lado a lado com as alternativas. Por isso, Walter Benjamin, em bela frase, afirmava que é preciso “escovar à contrapelo” a história dos vencedores e desencavar as alternativas que foram soterradas.

De todo modo, os prognósticos de Huntington estavam recheados de prestígio pelos acertos do passado quando ele lançou, no vácuo do desaparecimento da União Soviética e o fim da guerra fria, a tese do “choque de civilizações” entre o ocidente cristão e o oriente médio islâmico. Adiante, quando dos ataques às Torres Gêmeas, a ação da AL-Qaeda só parecia confirmar ao senso comum o que já estava escrito anteriormente.

Pois bem, precisou o mundo ser contemporâneo dos processos de democratização do oriente árabe-islâmico (principalmente o Egito e a Tunísia), para percebermos que ali também há uma sociedade civil parecida com as das chamadas sociedades ocidentais. Dessa maneira, os protestos árabes estão desmoralizando por dentro as teses deterministas da impossibilidade de modernidade e democracia nas sociedades cuja religião dominante é o islamismo.

Vou além. Um método analítico que busque a verdade deve juntar as revoluções democráticas do mundo árabe ao terrível ato homicida do jovem norueguês Anders Behring Breivik. Felizmente, não é todo dia que um autonomeado “fundamentalista cristão” explode um prédio em Oslo e dizima e extermina uma reunião política de jovens do partido trabalhista no poder.

Porém, se não é todo dia, em vez da fácil explicação psicológica e individualizante de que se trata de um psicopata (sem dúvida), deve por a lupa no fato de que o móvel da ação de Anders é uma ideologia, de viés ocidental e autonomeada cristã, que prega a morte de islâmicos, marxistas e homossexuais. Deveriamos indagar como a ideologia retroalimenta a paranóia, e vice-versa. Parafraseando Samuel Huntington, talvez ao inverso de “choque de civilizações” encontramo-nos no limiar, aqui e no oriente médio, de um “choque intercivilização”. Tanto no Islã como no ocidente, vive-se um embate de forças entre tendências emancipacionistas e fundamentalistas. Na verdade, este choque já fora pressagiado desde que o americano Timothy McVeigh matou 168 pessoas em Oklahoma (EUA, 1995). Em 2001, o ataque às Torres Gêmeas, em vez de desvendar o “deserto do real”, como queria o filósofo esloveno Slavoj Zizek, embaçou ainda mais o nosso horizonte. Sempre é difícil olhar nos olhos tragédia.

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