Viagem Redonda hasta cuándo? O regime político da autocracia burguesa e as “teorias do autoritarismo”

Jaldes Meneses

Para Florestan existe uma forte associação racional entre o desenvolvimento capitalista dependente e subdesenvolvido brasileiro e a configuração de regimes políticos de natureza autocrática. O que se realizou na periferia, ao contrário da visão preconizada pela vertente da revolução democrático-burguesa de feição clássica, “é uma forte dissociação pragmática entre desenvolvimento capitalista e democracia (...) [e] uma forte associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia. Assim, o que ‘é bom’ para intensificar ou acelerar o desenvolvimento capitalista entre em conflito, nas orientações de valor menos que nos comportamentos concretos das classes possuidoras e burguesas, com qualquer evolução democrática da ordem social” (Fernandes, 1987, p. 292).

O processo de revolução burguesa, antes de tudo, é um processo eminentemente político, mas de fundas raízes sócio-antropológicas. Por isso, a categoria política fundamental da interpretação do Brasil contemporâneo fornecida pelo nosso autor chama-se autocracia burguesa e não, por exemplo, modernização conservadora ou capitalismo tardio atrasado, expressões mais adequadas a modelos sociais de tipo estratólatra e econômico. De começo, observo a importantíssima questão que o conceito de autocracia burguesa coagula, após saturar o conceito de pesquisa empírica da realidade, na elaboração sistemática de uma espécie de “fenomenologia” social da dominação civil (por isso, na pesquisa sobre os negros em São Paulo, a constatação do racismo estrutural e o engodo da “democracia racial” podem ser considerados importantes pontos arquimédicos da prática autocrática), que de exercício pleno do binômio dominação-consenso em um Estado burguês ampliado, típicos do uso corrente, e às vezes vulgarizado, do conceito gramsciano de hegemonia.

Conquanto inexista, a depender da conjuntura, um regime de autocracia burguesa destituído de virtuais momentos de acendradas tendências bonapartistas, a instauração de um regime de autocracia burguesa no Brasil vai muito além do bonapartismo tout court. Para mim, até certo ponto plausível, a ideia de um longo bonapartismo brasileiro (que mais parece eterno) é equivocada. Suspende e ata permanentemente a riqueza sócio-política da luta de classes brasileira numa aliança entre o aparelho de Estado e o personagem histórico providencial. Assim procedendo, escamoteia a supremacia burguesa no processo. Para Florestan, a autocracia burguesa constitui uma racionalidade histórica articulada e globalizante, que vem a ser uma organização de alto a baixo, e no sentido inverso, de baixo até o alto, do polo burguês, saturando todas as estrias e fímbrias sociais de uma operação defensiva permanente (o constante recurso às medidas preventivas de contrarrevolução). A autocracia burguesa, desse modo, está sempre em sentinela uma prontidão de contrarrevolução preventiva contra a expressividade de forças populares ou jacobinas. Acerca da peculiaridade de um regime tão estranho, Florestan (Fernandes, 1987, p. 365-366) não achava crível - no que tinha razão - uma guinada da autocracia burguesa brasileira sob os militares ao seu ponto máximo, ou seja, o fascismo tradicional, organizador de massas.

No último parágrafo de sua Magnum Opus, assim prevê o nosso autor as possibilidades de evolução da ditadura: “no contexto histórico de relações e conflitos de classes que está emergindo, tanto o Estado autocrático poderá servir de pião para o advento de um autêntico capitalismo de Estado, stricto sensu, quanto o represamento sistemático das pressões e das tensões antiburguesas poderá precipitar a desagregação revolucionária da ordem e a eclosão do socialismo. Em um caso, como no outro, o modelo autocrático-burguês de transformação capitalista estará condenado a uma duração relativamente curta” (Fernandes, 1987, p. 336).

Na perspectiva de 1974 já estava bem assente que a ditadura resvalou de qualquer quinada guinada em direção a um fascismo tradicional. Embora o regime contivesse escarados elementos da violência fascista, especialmente no que tange à eleição da eliminação do “inimigo interno”, à doutrina de segurança nacional e à organização de um aparelho policial permanente, era alérgico à organização de massas. No entanto, o regime autocrático-burguês, na encruzilhada do governo Geisel, mesmo após a realização da “transformação capitalista” (ou seja, a realização da RBB) poderia buscar uma institucionalização pela via de aprofundamento e perpetuação de uma nova modalidade de capitalismo de Estado. Na mesma época, Caio Prado Jr. enxergava a possibilidade de vigência de um “capitalismo burocrático”, que chegou a “sobrepujar em influência política outro setor burguês que (...) batizei de ‘burguesia ortodoxa” (Prado Jr, 1987, p. 252).  Vale observar que, à época, além de Florestan e Caio Prado Jr., a seu modo, muitos setores liberais também entreviam esse tipo de possibilidade de evolução da ditadura. Se tanta gente diferente converge para um diagnóstico semelhante – embora as terapias recomendadas possam ser antagônicas – havia algo de verdadeiro na questão.

A preço de hoje, sabe-se que o socialismo faltou o encontro, mas qual o destino do modelo autocrático-burguês de transformação capitalista? Teve vida curta? Foi superado na constituinte? Na época, a consolidação da RBB na forma de um capitalismo de Estado mais ameno que a ditadura aberta era uma alternativa de projeção factível? Caso tenha sido uma tentativa do núcleo duro geiselista, a paranoia da burguesia brasileira logo acabou com a brincadeira e cantou no xadrez o xeque-mate de seu veto de classe. A burguesia com certeza sancionou a proposta de uma transição controlada, mas desde que desembocasse em um regime liberal nas instituições e na economia política. Trabalhou duro para afastar do cenário, como escreveu José Luís Fiori, “sonhos prussianos” (Fiori, 1995, p. 57).

O encaminhamento do veto burguês operou em duas pinças: a erosão a olhos vistos da base político-empresarial do governo e o estímulo à crítica de setores intelectuais liberais, muitos dos quais recém-chegados, advindos da oposição política situada à esquerda. Aqui podem ser localizadas as protoformas do neoliberalismo brasileiro.

Esmiuçar a questão do veto burguês ao projeto da liderança geiselista é um dos enigmas repetidos da história brasileira contemporânea (em circunstâncias fáticas diferentes, neste caso de regime de legalidade democrática liberal, esse veto repetiu-se recentemente no impeachment golpista de Dilma Rousseff). Permite situar a nossa modalidade de regeneração do modelo autocrático-burguês, empreendida por uma burguesia dependente, pois desse processo ficou suficientemente translúcida a lição que a ela não acalentava - ou no máximo acalentava a uma parte residual da classe -, sonhos independentistas e miragens autonomistas. E olha que o momento era propício, pois a economia estava completando internamente o circuito da segunda revolução industrial, a capacidade de planejamento do Estado e das universidades eram admirados internacionalmente – época em que os chineses, começando a viver o processo das “quatro modernizações” (indústria, agricultura, ciência e tecnologia e segurança) e superando o período da revolução cultural, vinham em missão entender as soluções perspicazes do planejamento e da economia política brasileira.

Em outra clave, o mesmo veto burguês permite lançar luzes sobre a natureza e a dinâmica à época do Estado desenvolvimentista-conservador brasileiro: conquanto mola mestra do processo industrializador, esse Estado (mesmo no período de vigência da autocracia burguesa) esteve sempre amarrado aos limites impostos de seu pacto fundacional, mantenedor da estrutura agrária de poder e do protagonismo tecnológico e financeiro do capital estrangeiro. O Estado brasileiro tem com certeza a burguesia autóctone na condição de líder. Coube ao Estado, dado as condições geopolíticas da guerra fria e da divisão internacional do trabalho, conduzir um processo de desenvolvimento. Mas a burguesia sempre trabalhou contra voluntarismos demiúrgicos.[1] 

O impasse do que Florestan chamou de modelo autocrático-burguês de transformação capitalista, por óbvio, abriu uma evidente época de crise da ditadura. Em processos de crise, a problemática da mudança ou recomposição do bloco de poder ganha importância medular. E, no cerne mesmo desses processos, o problema das ideias em disputa, advindas dos intelectuais orgânicos das diversas classes ou mesmo intelectuais tradicionais, assume papel decisivo.

Representar o fim da ditadura a partir da categoria do autoritarismo virou um senso comum ilustrado do mainstream da sociologia, da ciência política e da história até hoje, até para definir o governo Bolsonaro. Nas andanças pelos Estados Unidos, Canadá e Europa, Florestan ficava escandalizado com as tinturas embelezadoras da ditadura brasileira, exaradas pela ciência política institucionalista – “a maioria das sociedades norte-americanas, canadenses, europeia, estava muito encantada com a ditadura, porque ela aparentemente mantinha a democracia com eleições, parlamento funcionando, etc., e estava unida aos civis ‘mais responsáveis’ na defesa da ordem e da expansão do capitalismo no Brasil” (Fernandes, 1991, p. 11). Perceba-se, assim, o fundo político-ideológico apaziguador da teoria. Segundo essa interpretação, grosso modo, a ditadura não era ditadura, mas um “regime autoritário” de arraigadas “raízes” em solo pátrio. Tal interpretaçãono plano da elaboração da estratégia política, acarretou fixar de antemão os limites da ultrapassagem do período militar do processo que ficou conhecido como transição democrática (1974-1988). É permitido conquistar o regime político liberal, mas sem mexer nas arqueologias do aparelho burocrático, militar, judiciário e dos meios de comunicação. 

A reconstrução do poder político pós-ditadura, informado por uma concepção liberal, só podia se apresentar rebaixada. Tudo foi reduzido à retirada organizada dos fardados dos aparelhos burocracia civil e à entrega “sem sangue” do poder político-institucional. Com isso, o Brasil passou a ser – se cabe uma definição - uma democracia liberal de país dependente. No tocante à descontração do poder econômico do Estado, a prospecção dos arautos da teoria do autoritarismo preconizava uma Reforma do Estado cujo desiderato era a transferência para o setor privado das atividades econômicas e dos serviços públicos. Nesta articulação teórica interna da teoria do autoritarismo, a crítica à burguesia de Estado é uma peça ideológica importante na efetuação do diagnóstico e na interpelação política à ação.

Pois bem, Florestan submeteu a teoria do autoritarismo a uma crítica visceral em seus cursos na PUC-SP em 1979, cujas anotações serviram para a redação do importantíssimo livro Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo” (Fernandes, 2019). A origem do conceito de autoritarismo hodierno vem das formulações do sociólogo espanhol Juan Linz (1980) sobre os processos de “transição e consolidação da democracia”, especialmente nos países da América Latina e do sul da Europa (Linz, 1980; Linz, 2015; Linz&Stepan, 1999). Florestan é cortante como uma faca cabralina. Para ele, “o conceito de autoritarismo é um conceito logicamente ambíguo e plurívoco (Max Weber o chamaria de ‘amorfo’). O que ele tem de pior é uma espécie de perversão lógica, pois está vinculado ao ataque liberal aos ‘abusos de poder’ do Estado e à crítica neokantiana da ‘exorbitância da autoridade’”. Adiante, Fernandes (03) revela do segredo de polichinelo do conceito de autoritarismo, a que chamamos a atenção do leitor, pela importância do que será dito: “não se busca o desmascaramento do Estado burguês, mas a denúncia de sua versão tirânica mais completa” (Fernandes, 1979, p. 3).

Em 1975, FHC publicou o livro Autoritarismo e Democratização (1975). Entre outras ideias, lá esta presente uma crítica da burguesia de Estado, porta-estandarte do vírus do autoritarismo, além de esboço de uma estratégia de saída da ditadura em crise. Escreve ele: “diminuída a burguesia local de sua força acumuladora e machucada a burguesia internacionalizada pela crise mundial, a nova resposta apologética encontra molas para o élan desenvolvimentista na Empresa Estatal e na Tecnologia Autóctone”, assim o problema político posto era o de desnudar “as forças sociais subjacentes ao estilo de desenvolvimento que ora defrontamos e aquelas que a ele poderiam fornecer alternativas. Neste sentido, e com as limitações conceituais que ocorrem sempre que se trata de caracterizar processos emergentes, tive que utilizar a contragosto adjetivação variável e pouco clara: desenvolvimento dependente-associado; burguesia de Estado; regime autoritário, democratização substantiva etc.” (Cardoso, 1974, p. 15).


O conceito e a interpelação política não serviam aos objetivos de uma oposição popular autônoma, que visasse romper a dependência imperialista e alcançar uma democracia substantiva: ao criminalizar a burguesia de Estado pelas mazelas da ditadura de tipo autocrático-burguesa, se livrava a cara da burguesia em geral, internacional e brasileira, como responsáveis pelos atos perpetrados. Para Cardoso, em verdadeira limpeza da cena do crime, o modelo da autocracia burguesa era de interesse exclusivo da fração de classe por ele denominada de burguesia de Estado.

Assim escreveu FHC, descriminalizando a presença da burguesia internacional no bloco histórico da ditadura: “eu penso que os regimes desse tipo [autoritários], nas sociedades dependentes, encontram sua raison d’étre menos nos interesses políticos das corporações internacionais (que preferem formas de controle estatais mais permeáveis a seus interesses privatistas) do que nos interesses sociais e políticos dos estamentos burocráticos que controlam o Estado (civis e militares) e que se organizam cada vez mais no sentido de controlar o setor estatal do aparelho produtivo. A esse eixo se aliam alguns setores empresariais locais, mas de forma caudatária” (Cardoso, 1975, p. 40).


Em franca oposição ao projeto Geisel, e dentro do mesmo raciocínio, escreve o mesmo autor, “por acaso esta ‘burguesia de Estado’ não seria uma camada social capaz de alentar esperanças, agora sim, de um estatismo expansionista? Que oportunidades reais (dada a dependência estrutural básica da economia) terá um grupo deste tipo para ganhar a hegemonia no bloco de poder e, a despeito da forma de reorganização dos mercados e da ordem política que poderia interessar à burguesia internacionalizada, impor uma visão de Estado capaz de levar à expansão das esferas de influência política e econômica? Será que a base social real do autoritarismo vigente repousa nessa ‘burguesia de Estado’ e nos eixos de poder (civil e militar) que formam ao seu lado?” (Cardoso, 1975, p. 41).


A partir da digressão contra a eventual possibilidade de guinada prussiana do modelo autocrático-burguês, enceta-se uma proposta estratégica de frente ampla de todos os setores burgueses, de classe média e populares, visando o isolamento da burguesia de Estado – que era apenas uma miragem no horizonte, que sequer existia organicamente de fato -, tendo por base a reorganização do Estado em bases liberais. O que, aliás, acabou acontecendo.  


Um aspecto curioso do conceito de burguesia de Estado é que, embora axial na articulação interna da démarche teórico-político-estratégica de FHC, trata-se, como ele mesmo reconhece, de um conceito lasso. A lassidão do conceito estão está evidenciada na seguinte passagem de Autoritarismo e Democratização (Cardoso, 1975: 17-18): “(...) procuro demonstrar (embora com a reserva de que não disponho de pesquisas conclusivas) que se está formando uma camada de dirigentes de empresas que não é burocrática em sentido estrito. Ou seja, cujos âmbitos de decisão ultrapassam o quadro interno da empresa e cuja política (e isto é decisivo) talvez permita a emergência de uma solidariedade de grupo e decorra de uma ideologia (o expansionismo estatal) que define objetivos relativamente autônomos, para esse setor de classe (...) Quero sublinhar por consequência que se formou um setor de classe no conjunto dos interesses ‘burgueses’ - ou seja, capitalistas - que passou a disputar a hegemonia no bloco de poder formando pelas classes dominantes” (Cardoso, 1979, p. 17-18).


No caso do conceito de burguesia de Estado, como bem assinala Carlos Nelson Coutinho (1984), o problema central desse conceito reside na incompreensão que ele exala sobre as transformações do Estado no capitalismo tardio, ou seja, sobre o papel coordenador desempenhado pelo Estado nos processos de reprodução do capital e da força de trabalho e na distribuição das margens de lucro aos diversos setores da economia, monopólicos e não-monopólicos. Assinala o autor que o papel do Estado na reprodução do capital na época do capitalismo monopolista de Estado “não deve ser visto como simples manifestação ou resultado de um projeto teleológico da burocracia estatal ou de determinadas frações da burguesia (diga-se: de uma suposta ‘burguesia de Estado’). Trata-se de um processo determinado objetivamente pelo grau de amadurecimento e pelas contradições específicas do desenvolvimento capitalista no Brasil. Isso significa que o papel determinante do Estado na reprodução do capital social global continuará a se dar em nosso país, independente das lamentações (mais ou menos oportunistas) de alguns setores econômicos anacrônicos ou transitoriamente insatisfeitos” (Coutinho, 1984, p. 173-174).


Uma frase de FHC ficou muito famosa, “o Brasil não é um país subdesenvolvido, mas injusto”. A frase foi relembrada em célebre artigo de Francisco Weffort (1994), publicado na Folha de S. Paulo no dia da eleição presidencial brasileira de 1994 (4/10/1994), que sagrou FHC vitorioso. Trata-se de um falso antagonismo, mas útil para sancionar a vigência de uma democracia liberal sob a vigência encapuzada de uma autocracia burguesa e ofuscar os fundamentos da injustiça e da desigualdade intrínsecos à formação econômico-social brasileira.


Florestan se notabilizou à época por ser uma saudável voz dissonante do coro dos contentes. Basta reler seus escritos sobre a transição democrática, especialmente os processos da Nova República e da Assembleia Constituinte, da qual tomou parte. Jamais abdicou de fazer a crítica sistemática da “miséria” (nos termos que Marx glosou a vida alemã “miserável”, ou seja, limitada) brasileira.


Enfim, qual democracia? Problematizando a questão democrática da transição brasileira (o ângulo por onde pode ser visto a questão do par sociedade civil/democracia substantiva), escreveu Florestan: “os que simplificam o problema da democracia e o colocam ilusoriamente como uma ‘exigência da sociedade civil’ ficariam espantados se pudessem ver claramente qual é o tipo de democracia que os setores estratégicos das classes dominantes, nacionais e estrangeiros, gostariam de estabelecer através da supremacia burguesa (isto é, por meio de sua capacidade de dominação de classe no seio da sociedade civil) e qual é a relação desse tipo de democracia com a ditadura existente. A ditadura deixou de ser prioritária para esses setores, mas não perdeu o caráter de uma necessidade inelutável, ao mesmo tempo econômica, social e política. O ideal, para eles, seria que ela se mantivesse, renovando-se e crescendo, de modo a gerar uma democracia de participação ampliada estável, esterilizada e controlada pelo tope das classes dominantes (ou seja, por suas elites no poder). O melhor dos mundos possíveis passa, portanto, para tais setores, pela ditadura, porém segundo uma lógica burguesa de capitalismo dependente internacionalizado: ao destruir-se, a ditadura daria luz não ao seu avesso ou ao seu contrário, mas a uma forma política em que a autocracia burguesa fosse compatibilizada institucionalmente com a representação política, o regime de partidos e a rotina eleitoral. Como no passado (...) haveria uma permanente fixação ditatorial ativa, operando por dentro e através do Estado burguês, pela qual as elites dominantes contariam com recursos suficientes para impedir a instabilização da ordem e os convulsionamentos políticos” (Fernandes, 1982, p. 99).



[1] Sempre um tático arguto, FHC foi muito perspicaz no estudo que dedicou ao comportamento empresarial, Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1972). Ele percebeu que os empresários estão sempre de olho nas possibilidades de uma aliança corporativa com o Estado, o que não deve ser confundido com adesão ou compromisso integral e duradouro ao projeto político do governo. Os governos e regimes passam, mas a burguesia fica. Nos governos Lula e Dilma, por exemplo, a presença de grandes empresários da indústria ou do agronegócio nos ministérios, na verdade, significou essa representação corporativa, e não um efetivo e muito menos orgânico pacto de colaboração de classes. Em momento de crescimento econômico, frações dessa burguesia até podem apoiar governos moderados de esquerda, mas logo apresentarão seu veto e a paranoia contra insurgente a qualquer inflexão desenvolvimentista de fortalecimento da autonomia do Estado.     

 

  

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