Colômbia: 100 anos de solidão política


Jaldes Meneses
Hoje amanhecemos todos com um sorriso nos lábios. A esquerda ganha pela primeira uma eleição nacional na Colômbia e de vez a América Latina mergulha em uma nova “onda rosa” (a primeira começou com a vitória de Hugo Chavéz na Venezuela em 1988 e terminou com a queda de Dilma no Brasil em 2016). Em condições normais de temperatura e pressão, a nova e reluzente bola da vez será a vitória de Lula sobre Bolsonaro, em outubro vindouro. A vitória na Colômbia ajuda no clima de otimismo brasileiro.
Quem contempla a Colômbia defronta-se com uma história complexa. Um enigma a ser decifrado. Acaso a Colômbia fosse um recanto longínquo, nós, brasileiros, poderíamos nos abster de decifrar o enigma. Há um padrão de violência social e política na Colômbia, que até foi inibido nesta eleição – o reconhecimento do novo governo pela presidente Iván Duque e o candidato neofascista, até certo ponto são pontos fora da curva –, e de formação de forças paramilitares permanentes, que começou a se consolidar no governo Bolsonaro, que gerou naquele país um Estado ao mesmo tempo de forma liberal e conteúdo policial. A ascensão uribismo (os governos de Álvaro Uribe e sucessores até esse lamentável Iván Duque), desde a década de 1990, a aliança carnal com os Estados Unidos na “guerra contra as drogas”, a constituição de 1991, consolidou de vez um capitalismo mafioso e, aí sim, oligárquico barra pesada. Com algum atraso, o Brasil está percorrendo um caminho parecido no nosso acelerado processo de “desindustrialização”.
Olhar a Colômbia ajuda a olhar bem fundo nos olhos da tragédia brasileira. Em um grande romance de Gabriel Garcia Márquez, “O Amor em Tempos de Cólera”, entre alegorias e descrições exuberantes, é narrado o amor eterno Florentino Ariza por Fermina Daza. Mas, no livro, um problema crônico avulta tão cerrado quanto a natureza, decantando duas verdades histórico-políticas: 1) A história da Colômbia sempre foi um processo permanente de guerras civis e seu séquito de tragédias (deslocamento de populações e 10 milhões de refugiados numa diáspora que se espalha pelo mundo). Em certa passagem do livro, um tio muito rico de Florentino, olha para o sobrinho, em uma das guerras entre liberais e conservadores no século XIX, e diz a seguinte frase: “fazemos as duas coisas, guerreamos e tocamos nossa vida cotidiana”; 2) paradoxalmente, a institucionalidade política colombiana – o revezamento entre os dois partidos no poder, o conservador e o liberal –, demonstrou uma incrível durabilidade de mais de um século, que o uribismo transformou definitivamente em um capitalismo mafioso, regiamente apoiado pelo Departamento de Estado e por dólares manchados de sangue.

Daí vem o ensinamento que as instituições liberais na Colômbia se reproduziram sempre sem absorver todas as forças políticas existentes na arena política institucional. A esquerda sempre foi um patinho feio a ser esconjurado. Agora, Gustavo Petro (o “revolucionário moderado”) e Francia Márquez (primeira mulher negra vice), com um programa de “Green New Deal”, venceram as eleições presidenciais, num país que não teve sequer um movimento de modernização e desenvolvimentismo conservador à lá 1930 no Brasil. É como se a Colômbia fosse um “república velha” brasileira de longa duração: ausente de golpes militares duradouros – aconteceram quarteladas de curta duração, como a Rojas Pinilla (1953-1957), seguidos de pactos políticos controlados pelos de sempre (1958). A história é longa e oxalá tenham êxito na missão.
(Escrito em 30 minutos, sem revisão)


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