Postagens

Mostrando postagens de março, 2011

O “espírito” de 1964

Jaldes Reis de Meneses Toda história da cultura é também uma história da barbárie (Walter Benjamin) Como abordar o golpe militar de 31 de março (ou primeiro de abril) de 1964, 47 anos passados? Em sua bela biografia de Napoleão, publicada logo após o fim da Restauração francesa (a sequência de 15 anos de último retorno da dinastia dos Bourbons, na qual ficou evidente a quimera do projeto conservador de retorno do antigo regime), Stendhal faz uma observação decisiva a quem pretenda escrever a história de seu próprio tempo: o escriba vai se meter em exumar os companheiros de geração, as promessas que se dissiparam e os fracassos que ficaram feito cicatrizes, mas principalmente as viragens. O romancista anota que os homens que foram no passado os antigos radicais jacobinos são os mesmos moderados que conduziam naqueles dias os negócios de Estado. Arguto, Stendhal percebe um remoto sentimento de cumplicidade, de ele mesmo ele mesmo participa. No sentido stendhalniano, a geração que resis

Brasil e Estados Unidos (notas à margem provocadas pela visita de Obama ao Brasil)

Jaldes Reis de Meneses Pode-se afirmar que a longe relação dos Brasil com os Estados Unidos começa mesmo antes de nossa independência política, na simpatia que os inconfidentes mineiros demostraram em relação ao processo de independência norte-americano, visto com um exemplo a ser seguido. Do lado dos Estados Unidos, a recíproca era verdadeira: a insurreição de Minas Gerais repercutiu no congresso americano. Ainda mais: do ponto de vista do pensamento intelectual brasileiro, vale ressaltar que há uma linhagem, que tem seu ponto de começo mais elaborado em Joaquim Nabuco, mas extrapola, depois, por exemplo, para Sérgio Buarque. Embora pensadores distintos, os dois preconizaram em algum momento da carreira o chamado americanismo como uma via de atualização da modernidade no Brasil, como ultrapassagem do rito patrimonialista e ibérico. Mesmo no caso de Gilberto Freyre, cuja obra se exime da crítica frontal ao patrimonialismo, há muita simpatia para com os Estados Unidos, especialmente o

O primeiro minuto

Escrevi o pequeno texto abaixo na semana subsequente ao carnaval, mas ainda não havia me animado, por puro desleixo, a postá-lo. Pode ter alguma utilidade no balanço dos primeiros dias do governo de Ricardo Coutinho . Jaldes Reis de Meneses Avaliar o resultado de um jogo de futebol ou de uma maratona no primeiro minuto é uma tarefa das mais temerárias. Todavia, como a atividade política consciente requer o tempo inteiro balanço e previsão, sempre se pode dizer alguma coisa de útil do desempenho do governo Ricardo Coutinho. Deve-se perceber que o governador foi eleito cercado de enorme expectativa, a partir de uma aliança plural (indo do DEM ao MST)– que juntou adversários e surpreendeu aliados –, mas com um claro objetivo político: renovar a política paraibana. O resultado eleitoral teve duas consequências, ainda mal avaliadas: 1) Definitivamente, encerrou o ciclo de polaridade entre os grupos de Maranhão e Cunha Lima. Acabou-se esse tempo. Doravante, a polaridade haverá de

Oito de março, o dia triunfal de Fernando Pessoa

Jaldes Reis de Meneses No começo do ano de 1935, próximo da data de desaparecer precocemente, encantar-se e virar estrela, com apenas um livro publicado (Mensagem), o poeta lusitano Fernando Pessoa escreveu uma famosa carta ao crítico literário Adolfo Casais Monteiro, na qual relata os acontecimentos do dia 08 de março, numa longínqua tarde de 1914, o “dia triunfal” de sua vida. O “dia triunfal” deu-se à maneira de um “estalo de Vieira”: em um dia aparentemente banal, de repente a partir de um transe inspirado do poeta, vieram à vida no território livre da linguagem, alojados na pisque, os três heterônimos mais célebres de sua imensa coleção de 72 heterônimos de Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Comemora-se no mundo inteiro e é feriado nacional na Irlanda, o dia 16 de junho – o Bloomsday – alusivo às horas de Odisséia do personagem de James Joyce em Ulisses, Leopold Bloom , pelas ruas de Dublin. Porém, ao contrário de Joyce, até hoje, o “dia triunfal” de Fernan

Reforma política, qual reforma política?

Jaldes Reis de Meneses De Dilma Rousseff (presidente) a Aécio Neves (hipotético candidato de oposição), de Itamar Franco a José Sarney (senadores e ex-presidentes), de Inácio Arruda (PCdoB) a Ronaldo Caiado (DEM) e Humberto Costa (PT) – políticos de projetos estratégicos distintos –, parece haver um surpreendente consenso: é preciso realizar uma reforma política no Brasil. A reforma política não é um jogo de soma zero. Logo o aparente consenso se dissipa quando surgem as perguntas de conteúdo: de qual reforma política está se tratando? Aprovadas medidas como o voto distrital (puro ou misto), lista aberta ou fechada e financiamento público de campanha, entre outras cotadas, quais serão afinal os ganhadores e os perdedores? Política, antes de tudo, é relação de forças, ensinavam os realistas, desde Maquiavel, Hegel e Gramsci, em polêmica aberta contra as quimeras do pensamento contratualista. Noutros termos: antecede o momento das regras, do consenso ético-político, o momento