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Mostrando postagens de fevereiro, 2012

O vôo da coruja

Jaldes Reis de Meneses Em definitivo não se realizou no século XXI o anseio kantiano de paz perpétua no mundo, uma sociedade civil cosmopolita composta de sujeitos iguais, complementado por uma nova entidade universal soberana (talvez um Estado, mas sem exército permanente, contudo respeitador do novo direito internacional público dos povos). Esta foi uma idéia acalentada há alguns anos passados, entre 1989 e 1991, quando caíram de podre a antiga União Soviética e os estados satélites do leste e do centro da Europa. No fundo, todas essas promessas eram discursos pronunciados pela boca de falsos profetas, pois o máximo que nos foi oferecido, pseudo cidadãos globais, em vez da generosidade kantiana, foram as teorias do “fim da história” de Francis Fukuyama, que repetiam, com um século e meio de atraso, as teses originais de Hegel, relativas à realização do espírito absoluto na história. A diferença crucial é que o fim da história de Hegel é um desiderato realista, quem o lê com a d

BACANAL

Manuel Bandeira Quero beber! Cantar asneiras No esto brutal das bebedeiras Que tudo emborca e faz em caco... Evoé Baco! Lá-se me parte a alma levada No torvelim da mascarada, A gargalhar em douro assomo... Evoé Momo! Lacem-na toda, multicores, As serpentinas dos amores, Cobras de lívidos venosos... Evoé Vênus! Se perguntarem: Que mais queres, Alem de versos e mulheres?... - Vinhos!... o vinho que é o meu fraco!... Evoé Baco! O alfange rútilo da lua, Por degolar a nuca nua Que me alucina e que eu não domo!... Evoé Momo! A Lira etérea, a grande Lira!... Por que eu extático desfira Em seu louvor versos obscenos, Evoé Venus! In: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida Inteira. Livro Carnaval (Poesia Reunida) . Rio de Janeiro, José Olympio, 1986, p. 45.

A Dama de Ferro

Jaldes Reis de Meneses Em que pese a magnífica interpretação de Meryl Streep no papel de Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro” (The Iron Lady) é um filme decepcionante, absolutamente sofrível. Tem a serventia de nos fazer revisitar acontecimentos que ainda estão frescos na memória, no entanto tais acontecimentos, no filme, aparecem como um jogo de quebra-cabeças sem relação, a não ser compor o cenário de vida de uma modesta menina, filha de comerciantes de bairro, que foi subindo degrau a degrau, até tornar-se a primeira ministra da Inglaterra. Uma pena ver matéria prima de primeira qualidade desperdiçada. À primeira vista, poder-se-ia pensar que estamos diante de uma hagiografia da dama de ferro – da força do indivíduo que conquista o mundo, narrativa tão cara ao cinema –, mas acontece precisamente o contrário. A escolha de intimidade da narrativa, é claro, tem o objetivo de "humanizar", tornar "simpático', um personagem que ficou conhecido como duro e inflexível, o

Festim diabólico

Jaldes Reis de Meneses O homem é um animal de encruzilhada. Não é atavicamente bom nem intrinsecamente mau. Somos um gênero ou uma espécie esquisita dos animais, situada no abismo entre a civilização, a urbanidade, e o “inumano” – esta última palavra a paradoxal expressão criada pela psicanálise francesa, especialmente Jaques Lacan, ou seja, buscando dar conta do reconhecimento da existência de um núcleo duro de insociabilidade em todos nós, testado em tempo integral nas relações sociais cotidianas. Alguns pensadores, como Nietzsche buscaram pensar a encruzilhada a partir de um movimento de superação entre o bem o e mal – sintetizados na parábola do além-homem ou do super-homem –, outros, como Rousseau, pronunciaram o veredicto de que foi a sociedade moderna, desigual e consumista, que perverteu as nossas virtudes naturais em vícios privados. Neste artigo, por demorado, vou me abster da filosofia e procurar o exemplo síntese da arte. O homem foi concebido como encruzilhada nos tempos

Praça de guerra

Jaldes Reis de Meneses A crise da greve da polícia militar da Bahia é grave. Não se trata simplesmente da greve de uma categoria em luta por reajuste salarial. Talvez desde os remotos acontecimentos de 1988 em Volta Redonda (RJ), ocasião na qual operários da usina siderúrgica foram mortos em uma ocupação militar, nunca estivemos tão perto de um enfrentamento direto entre uma força armada e grevistas. Contudo, os acontecimentos da Bahia são até mais insólitos que os de Volta Redonda: naquela época, as tropas do exército dissuadiram uma rebelião que estava a acontecer no chão de uma fábrica – o alvo era uma rebeldia econômico-corporativa do trabalho, embora, naquele momento de elevado alcance político geral –, ao passo que as tropas militares de agora estão estacionadas numa praça, em frente à Assembléia Legislativa baiana, que virou praça de guerra, visando caçar os colegas de farda da política militar. No tempo pregresso da Nova República, era Estado contra trabalho e hoje se trata de

J. Edgar Hoover: sexualidade e poder

Jaldes Reis de Meneses O artista consciente de seu ofício, em pleno domínio do artesanato estético, jamais escolhe de improviso os elementos de sua composição. O filme “J. Edgar” (direção de Clint Eastwood, em exibição nos cinemas da cidade) contém pelo menos duas escolhas estéticas aparentemente simples que compõem o fundo sobre o qual vai girar o conteúdo da narrativa. A começar pelo próprio título: figura pública, o chefe do FBI por 44 longos anos era mais conhecido na imprensa como J. Hoover do que J. Edgar, como talvez fosse chamado na intimidade. Em seguida, a fotografia soturna, repleta de sombras, em que são captados os anos 20 do século passado e o período do New Deal (anos 30 e 40) – período da juventude de Hoover, no qual ele montou a máquina investigativa do FBI -, contrasta com o colorido das cenas públicas dos anos 70 (a exemplo da parada pública da vitória presidencial de Nixon). Qual o motivo das escolhas? A do título é evidente. O diretor quer ir mais fundo na disseca