Hai-kai e Hai-quase

Alice Ruiz

Fisguei no blog de Eduardo Rabenhorst (http://www.modosdedizeromundo.blogspot.com/), este hai-kai de Alice Ruiz, ao que parece feito em sua recente oficina em João Pessoa. Perfeito. Pena não ter participado dessa oficina, meio cristão, sei lá, me arrependo muito. Mas inventam de marcar uma oficina em plena sexta-feira, em horário de reunião e de aula! Deveria ter faltado às tarefas do cotidiano de um professor universitário, em muitos horários flanando, mas que inventou de concentrar suas atividades na sexta-feira? Talvez, não sei! Arre! Nascido no Japão, em um jogo de natureza e religiosidade budista, acho que, na importação para ocidente e o Brasil, na época de vigência do modernismo, aconteceu com o hai-kai mais ou menos a mesma coisa que com outras formas poéticas: a desvinculação rígida das formas ancestrais, que pode continuar sendo praticada, mas em convivência com as inovações (o poeta Lau Siqueira cunhou uma expressão que acho muito boa: “hai-quase”, por que não?). A propósito do hai-quase, ainda polemizo o seguinte: nada impede que essa forma impura alcance graus estéticos mais elevados que o hai-kai tradicional, bem como o inverso. A questão de fundo é que a poesia não se encontra na forma e ao mesmo tempo pode fazer uso de todas as formas. Tenho compreensão do hai-kai como uma forma poética extremamente difícil, nem tanto pela métrica de Bashô e outros (isso o aluno aplicado aprende, tanto que se pode, com perdas inevitáveis, traduzir-se o metro para o português). Todavia porque o hai-kai é mais sintético que analítico, mais concentração de experiência do que uma experiência única, exemplar, sem desdobramentos da ação (a não se que o poeta opte por fazer uma seqüência, mas aí, o que é válido, o hai-kai torna-se, digamos, uma montagem). Hai-kai montagem: kai-quase. Há, é claro, também a possibilidade de o poeta cometer um hai-kai, digamos, "sensorial", em geral de uma experiência lúdica, talvez até mais aproximada do hai-kai tradicional. Ouso dizer que esta é a forma mais comum, banal, o primeiro impulso do poeta, sem pretender afirmar com isso o equívoco de que toda experiência sensitiva ou lúdica transfigurada em hai-kai seja banal. Nada disso, por favor. Porém, buscar fazer as sínteses sempre é mais complexo, e também, muitas vezes, enganador. José Guilherme Merquior tem, sobre o método que se mete a fazer as superações e as sínteses, a dialética, uma frase com a qual não concordo muito, mas faz pensar: "a dialética é uma dama de costumes fáceis". Qual o problema em ser uma dama de “costumes fáceis”, se, como diz Leandro Konder, a dialética é tudo que fica em pé? Isso de costumes fáceis, deixa pra lá, é meio birra filosófica de Merquior, um liberal querendo clareza no impuro e luz na obscuridade. Apesar de tudo, Merquior é um grande autor e crítico, pelo qual, aliás, tenho muito gosto. Voltando a poesia de Alice Ruiz, definitivamente, neste caso, ela consegue fazer a síntese: para mim, estamos diante de um hai-kai contemporâneo, ligado à experiência da sociedade, supondo sem priorizar a relação com a natureza e a religiosidade. Recordei os heterônimos de Fernando Pessoa: neste hai-kai, Alice Ruiz é mais Álvaro de Campos (o homem dilacerado da modernidade) do que Alberto Caeiro (o pastor da vida simples). Contudo, nada impede a poeta, em outro hai-kai, de proceder como um Alberto Caiero. Devemos ser livres e colocar as formas poéticas como escravas para o que quisermos poeticamente produzir (Jaldes Reis de Meneses).

FUI EMBORA
MAS NA ESTRADA
SÓ VIA PLACAS DE RETORNO

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