Mário Quintana

Ao ler a revista EntreLivros de outubro (estampada com uma caricatura de Machado de Assis na capa), me despertou curiosidade uma enquete virtual, organizada durante o mês de setembro pela editoria da revista, com a seguinte pergunta: qual o grande poeta brasileiro do século XX? A reposta não deu outra: o gaúcho Mário Quintana. Em segundo lugar, pode-se dizer em empate técnico, veio o favorito da crítica, Carlos Drummond de Andrade, seguido de João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes. Minha lista pessoal seria mais ou menos a mesma, inclusive incluiria Vinicius, um poeta genial, especialmente em seus sonetos mais conhecidos. Apenas excluiria Mário Quintana.

Não levo enquetes a sério, mas funcionam como sintoma: ponho-me a pensar o que faz Quintana ser o favorito na preferência do público leitor de poesia, mesmo circunstancialmente. Também não vou ficar tirando onda, no Olimpio, dando uma de ridículo, falando que o público não entende de poesia. Nada disso. A César o que é de César: Quintana formou uma personalidade pública, solitária, irônica, corrosiva, lírica, etc. Ok. Possui méritos poéticos inegáveis. Porém, em contrapartida, posso listar pelo menos mais uns vinte ou trinta poetas brasileiros fundamentais do século XX (o grande século da poesia brasileira), desde os óbvios Jorge de Lima e Murilo Mendes, até uns mais esquecidos como Mario Faustino (“O homem e sua hora” é um livro vital da lírica brasileira, a comunidade de Mário Faustino no orkut tem apenas 14 pessoas, o que não deixa de ser curioso e valha a pena refletir: talvez nosso mais elaborado e um dos nossos mais eruditos poetas modernos seja um dos mais desconhecidos, com pérolas e pérolas a descobrir), e Paulo Mendes Campos (um grande poeta brasileiro esquecido, da estripe de Eliot quando acertava a mão, embora mais conhecido como boêmio e cronista). Entre os vivos, aí está Ferreira Gullar e seu “Poema Sujo”. Todos esses, poetas mais densos, em forma e conteúdo, do que Quintana.

De onde vem a preferência por Quintana? Penso que se encontra em duas características coligadas de sua expressão poética, pela ordem: o ludismo e o coloquialismo, abrigados em uma visão de mundo cética. Feito uma criança crescida que, descrente do mundo, das ideologias, só pode brincar com ele, num jogo de cabra cega. Tudo isso em versos curtos, sensíveis, fáceis de guardar na memória. Chegamos ao segredo de Mário Quintana.


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