Adeildo Vieira
Jaldes Reis de Meneses.
Professor dos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social (UFPB).
e-mail: jaldesm@uol.com.br
coluna: http://www.wscom.com.br/
Antes de comentar o show de Adeildo Vieira (Chega Junto), duas palavras sobre o ambiente, o Teatro Santa Rosa superlotado, no auditório e nos camarotes (terça-feira, 06/11), para assistir ao vivo músicos paraibanos.
A primeira palavra. Como é belo o Teatro Santa Rosa, um salão inteiro recoberto de pinho de Riga e aquele palco italiano mágicos, de tantas histórias. O Teatro parece uma nave, todas as vistas convergem para o fundo do palco, arquitetura pensada pelos italianos no começo da modernidade, com o fito de exibir a ópera. Reparem que não se trata mais da estrutura da “agora” grega nem o círculo de inspiração medieval do “Globe Theatre” shakespeariano, onde havia um envolvimento do espectador de tipo mais direto, corporal, mas de algo diverso. Na era burguesa, como gostavam de escrever todos os grandes intelectuais e estetas do começo de século XX, a catarse fixou-se em definitivo na figura do artista individual. A segunda. Comentar um espetáculo em Teatro parece-me a mais interessante das atividades críticas, pois assim me invisto também das atividades de um historiador. O teatro é mortal – nunca mais haverá a iluminada noite de 6 de novembro de 2007. Todo apagar das luzes é definitivo. Amanhã será outro dia.
Qual a relação do longo prelúdio sobre o Teatro Santa Rosa a atividade do crítico como historiador com o show “Chega Junto” do compositor Adeildo Vieira?
Para mim, escutando atentamente o único disco lançado na praça por Adeildo (Diário de Bordo, 2004), alicerce, junto com as canções inéditas de um futuro CD (em gravação), do show atual, creio ter localizado uma matriz, fonte de ironia permanente, quase um fio condutor que dá o conceito do disco: a abordagem reiterada de uma espécie de tensão entre palco e platéia, entre artista e público, ou, melhor dizendo, entre o artista e certo tipo de público incapaz de refletir, pois o abjurado (e ironizado), na verdade, é o mercado da cultura de massas e seu séqüito de imposturas. Obviamente, a música do compositor nascido em Itabaiana, formado nas oficinas do Jaguaribe Carne e do Musiclube, comporta outras dimensões, mas no meio da versatilidade (sambas de andamento sofisticado, blues à lá Suely Costa, fados primorosos), encontro ao mesmo tempo esta tensão com o público como procedimento.
Deve parecer desatino escrever a propósito de uma espécie de estranhamento palco-platéia na música de Adeildo Vieira, uma pessoa simpática, alto astral, repleta de amigos. “Quem vê cara não vê coração” (verso de Cara Cardíaca, canção de abertura de “Diário de Bordo”). Ele encontrou uma forma estética interessante de absorver os impasses cotidianos de um compositor popular, uma figura da alegria e da tragédia (Noel Rosa, por exemplo). A metodologia é a seguinte: justapor ritmos dançantes (salsa, reggue, coco de roda, etc.) com letras de efeito inverso, mais mórbidos (“mas hoje, como sempre, se eu gritar que/ vou pular desse edifício/ o espetáculo recomenda o pulo”, “Ok, Você Venceu”). O efeito do estranhamento nos incita a refletir, mais ou menos na linha da subseqüente mensagem: é possível ao mesmo tempo pensar e dançar. Pensar e dançar ao mesmo tempo significa celebrar a vida, alterando a rota de expiação da catarse para um sentido de alegria consciente. Dessa maneira, os ritmos latinos e mesmo o reggue (metamorfoseado no Brasil do protesto vigoroso de Bob Marley à serventia de fundo sonoro de letras adolescentes e infantis) ganham densidade poética.
Quem esteve no show sentiu-se contagiado momentaneamente por um sentimento de irmandade e compartilhamento. Começou quando Adeildo trouxe ao palco para cantar com ele parceiros de trocas musicais (Dida Vieira, Gláucia Lima, Débora Vieira, Escurinho, Eleonora Falcone, entre outros), e terminou numa espécie de apoteose, com o público cantando de cor “Amorélio” (é bonito ver as pessoas sabendo de cor a letra de uma canção que não toca no rádio) e aplaudindo de pé. No fundo, se pensarmos em utopia, o show de Adeildo Vieira propõe uma mensagem bem singela: a transmutação do público em amigos, pois neste grau de intimidade a catarse abandona o endereço fixo do artista, sendo redistribuída entre todos nós. O poeta Águia Mendes, autor da letra de “Diário de Bordo”, fez a síntese poética do que afirmo nos seguintes bem construídos versos, cantados nos show – “eu pensei que o mundo era só de amigos/ tão somente de amigos e nada mais/ não era do Ocidente nem do Oriente/ o mundo éramos todos nós”.
Para não dizer que apenas falei das flores, senti falta no repertório do show da música que mais gosto de Adeildo: a salsa “Cara de Anjo”, interpretada no disco “Diário de Bordo” num bem urdido dueto com Totonho. Melhor pensado, foi bom “Cara de Anjo” ter ficado de fora, porquanto fatalmente despertaria comparações entre o banho de interpretação de Totonho e quem o substituísse no palco. Outra coisa: para mim, algumas canções mais rítmicas como que pediam um naipe de metais, certamente cortado por falta de recursos financeiros. Valeu.
Jaldes Reis de Meneses.
Professor dos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social (UFPB).
e-mail: jaldesm@uol.com.br
coluna: http://www.wscom.com.br/
Antes de comentar o show de Adeildo Vieira (Chega Junto), duas palavras sobre o ambiente, o Teatro Santa Rosa superlotado, no auditório e nos camarotes (terça-feira, 06/11), para assistir ao vivo músicos paraibanos.
A primeira palavra. Como é belo o Teatro Santa Rosa, um salão inteiro recoberto de pinho de Riga e aquele palco italiano mágicos, de tantas histórias. O Teatro parece uma nave, todas as vistas convergem para o fundo do palco, arquitetura pensada pelos italianos no começo da modernidade, com o fito de exibir a ópera. Reparem que não se trata mais da estrutura da “agora” grega nem o círculo de inspiração medieval do “Globe Theatre” shakespeariano, onde havia um envolvimento do espectador de tipo mais direto, corporal, mas de algo diverso. Na era burguesa, como gostavam de escrever todos os grandes intelectuais e estetas do começo de século XX, a catarse fixou-se em definitivo na figura do artista individual. A segunda. Comentar um espetáculo em Teatro parece-me a mais interessante das atividades críticas, pois assim me invisto também das atividades de um historiador. O teatro é mortal – nunca mais haverá a iluminada noite de 6 de novembro de 2007. Todo apagar das luzes é definitivo. Amanhã será outro dia.
Qual a relação do longo prelúdio sobre o Teatro Santa Rosa a atividade do crítico como historiador com o show “Chega Junto” do compositor Adeildo Vieira?
Para mim, escutando atentamente o único disco lançado na praça por Adeildo (Diário de Bordo, 2004), alicerce, junto com as canções inéditas de um futuro CD (em gravação), do show atual, creio ter localizado uma matriz, fonte de ironia permanente, quase um fio condutor que dá o conceito do disco: a abordagem reiterada de uma espécie de tensão entre palco e platéia, entre artista e público, ou, melhor dizendo, entre o artista e certo tipo de público incapaz de refletir, pois o abjurado (e ironizado), na verdade, é o mercado da cultura de massas e seu séqüito de imposturas. Obviamente, a música do compositor nascido em Itabaiana, formado nas oficinas do Jaguaribe Carne e do Musiclube, comporta outras dimensões, mas no meio da versatilidade (sambas de andamento sofisticado, blues à lá Suely Costa, fados primorosos), encontro ao mesmo tempo esta tensão com o público como procedimento.
Deve parecer desatino escrever a propósito de uma espécie de estranhamento palco-platéia na música de Adeildo Vieira, uma pessoa simpática, alto astral, repleta de amigos. “Quem vê cara não vê coração” (verso de Cara Cardíaca, canção de abertura de “Diário de Bordo”). Ele encontrou uma forma estética interessante de absorver os impasses cotidianos de um compositor popular, uma figura da alegria e da tragédia (Noel Rosa, por exemplo). A metodologia é a seguinte: justapor ritmos dançantes (salsa, reggue, coco de roda, etc.) com letras de efeito inverso, mais mórbidos (“mas hoje, como sempre, se eu gritar que/ vou pular desse edifício/ o espetáculo recomenda o pulo”, “Ok, Você Venceu”). O efeito do estranhamento nos incita a refletir, mais ou menos na linha da subseqüente mensagem: é possível ao mesmo tempo pensar e dançar. Pensar e dançar ao mesmo tempo significa celebrar a vida, alterando a rota de expiação da catarse para um sentido de alegria consciente. Dessa maneira, os ritmos latinos e mesmo o reggue (metamorfoseado no Brasil do protesto vigoroso de Bob Marley à serventia de fundo sonoro de letras adolescentes e infantis) ganham densidade poética.
Quem esteve no show sentiu-se contagiado momentaneamente por um sentimento de irmandade e compartilhamento. Começou quando Adeildo trouxe ao palco para cantar com ele parceiros de trocas musicais (Dida Vieira, Gláucia Lima, Débora Vieira, Escurinho, Eleonora Falcone, entre outros), e terminou numa espécie de apoteose, com o público cantando de cor “Amorélio” (é bonito ver as pessoas sabendo de cor a letra de uma canção que não toca no rádio) e aplaudindo de pé. No fundo, se pensarmos em utopia, o show de Adeildo Vieira propõe uma mensagem bem singela: a transmutação do público em amigos, pois neste grau de intimidade a catarse abandona o endereço fixo do artista, sendo redistribuída entre todos nós. O poeta Águia Mendes, autor da letra de “Diário de Bordo”, fez a síntese poética do que afirmo nos seguintes bem construídos versos, cantados nos show – “eu pensei que o mundo era só de amigos/ tão somente de amigos e nada mais/ não era do Ocidente nem do Oriente/ o mundo éramos todos nós”.
Para não dizer que apenas falei das flores, senti falta no repertório do show da música que mais gosto de Adeildo: a salsa “Cara de Anjo”, interpretada no disco “Diário de Bordo” num bem urdido dueto com Totonho. Melhor pensado, foi bom “Cara de Anjo” ter ficado de fora, porquanto fatalmente despertaria comparações entre o banho de interpretação de Totonho e quem o substituísse no palco. Outra coisa: para mim, algumas canções mais rítmicas como que pediam um naipe de metais, certamente cortado por falta de recursos financeiros. Valeu.
Comentários
A forma como você descreve o Teatro Santa Rosa e a atmosfera do show me levou a colocar o Cd Diário de Bordo e ficar ouvindo enquanto lia o artigo.
Recebi noticias de Pedro Osmar e vou te passar por e-mail do uol.
Sei que você está com muito trabalho mais força e continue firme pois a AteLivre agradece.
Parabéns e um forte Abraço.