O malogro do artista

Preparando uma aula sobre a relação entre mito e história, ao revisitar uma conhecida página de Nietzsche em “O nascimento da tragédia” – o prólogo a guisa de balanço reflexivo que ele escreveu ao livro de juventude anos depois, já na maturidade -, apareceu-me uma questão interessante, geralmente interpretada de maneira apenas biográfica, focado no rompimento pessoal e filosófico entre o pensador alemão e Wagner. Engano. A título de uma pesada crítica a Wagner, o alvo de Nietzsche, na verdade, se dirige à arte de seu tempo e em especial à figura do artista. Com efeito, o autor de Zaratustra, o profeta profano do Deus Dionísio, em seu primeiro livro, tinha na cabeça dar início a uma espécie de crítica artística da ciência e, por derivação, anunciar a promessa de nascimento de um novo artista, “dotado, também, de capacidades analíticas e retrospectivas (...), cheio de inovações psicológicas (...), com uma metafísica de artista no plano de fundo, uma obra de juventude cheia de coragem juvenil...”, etc. O novo artista malogrou junto com a nova arte. O romantismo de Wagner, em sua inegável virtuose, estavam, conforme este diagnóstico, a serviço do deleite de uma confraria supérflua de iniciados, cadáveres morais, para dizer o de menos. Nietzsche não poupa o artista nem a arte moderna, e bem antes do pleno domínio da indústria cultural no século XX. Como ele costumava “pensar à marteladas”, talvez seja o caso de dosar, medir, conciliar, enfim, realizar todas as operações no sentido de repor uma crítica originalmente radical em mais uma “provocação”, nestes tempos em que até a provocar virou um ato digestivo. (Jaldes Reis de Meneses).

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