Ainda Cuba

Semana de tempo apertado, repleta das ocupações rotineiras de um professor (banca de seleção de mestrado, provas, preparação de aulas, família, etc.). Retornarei, logo que tiver a cabeça um pouco mais livre e solta à reflexão (quando a gente tá cansado os dedos ficam duros no teclado, os substantivos e adjetivos saem na marra), ao assunto da transição em Cuba, mas não resisto a um pequeno comentário: impressionam o volume de bobagens escritas, especialmente as que têm origem em duas confrarias: a dos inimigos do regime cubano, aqui, nos Estados Unidos e pelo mundo afora, um pessoal hidrófobo e zoológico. Acho que Fidel Castro deveria agradecer todos os dias – a quem?, rs – a existência desses cães hidrófobos que atiram de todos os lados mas são ruim de pontaria. Quero distância desse pessoal. Mas há o outro lado, também: os que defendem o regime cubano como se defendesse a uma religião. Deve-se abraçar qualquer causa com devoção, contudo uma boa cabeça analítica é fundamental. Não desgosto totalmente desse time de péssimos propagandistas. O problema é que propaganda mal feita pode reverter em efeito inverso ao pretendido. Cuba entrou na história dos Estados Unidos, para nunca mais sair, desde o começo do século XIX, na disputa contra a Espanha pela zona do Caribe. È bom que se diga que os Estados Unidos alimentam um sonho imperial – a concepção do “destino manifesto” -, desde os tempos de sua constituição como nação livre, já desde a época heróica dos “pais fundadores” e dos federalistas (no fundo, nada extraordinário, pois o nosso Portugal, por exemplo, também alimentou um sonho de império atlântico). Todo o constitucionalismo americano, a tradição do direito daquele país, sempre esteve eivado da marca do expansionismo imperial. Nos Estados Unidos vingou um direito democrático e republicano, vale dizer romano e maquiavélico (quem estuda a história dos EUA sabe da inspiração do “Tito Lívio” de Maquiavel na tradição constitucionalista liberal). Deixemos o direito de lado, e vamos ao âmbito do geopolítico: aí, o temos o marco fundamental da Doutrina Monroe – “a América para os americanos” (1823). Contra quem estava terçando armas os EUA na época da Doutrina Monroe? Ora, contra a Santa Aliança européia (Rússia, Império austro-húngaro e Inglaterra), os países que derrotaram Napoleão e deram um freio ao lado mais jacobino na revolução francesa, impondo uma fase de restauração ao processo da revolução burguesa. Muita coisa passou – inclusive o processo universal das revoluções burguesas -, mas conservaram-se as bases geoestratégicas do projeto imperial. Fora de uma análise com um pé na História, é difícil entender o sentido futuro dos movimentos dos EUA em relação a Cuba. Os cubanos sabem disso, Fidel Castro sabe disso? Estão carecas de saber. Mesmo sabendo, há uma complicação em relação ao regime cubano, e a questão da transição do regime sem Fidel Castro, de que falei rapidamente no post que fiz semana passada: o principal vetor de construção das relações de força EUA-Cuba é a história. A vitória da revolução de 1959 foi como um salto para frente de uma revolução que lembra em muito a teoria da revolução permanente (Trotsky), mas as linhas de força persistem prontas para um despertar. Portanto, as margens de negociação entre o grande e o pequeno vizinho são estreitas. Nada de atacado, somente varejo. (Jaldes Reis de Meneses).

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