Ainda sobre Chico de Oliveira e Walter Benjamin

O meu post mais recente, sobre as relações entre Walter Benjamin e Chico de Oliveira, uma relação à primeira vista inusitada, aos que têm uma concepção convencional da questão do desenvolvimento – e são muitos –, provocou uma interessante resposta da professora Jovanka Baracuhy, do Departamento de Arquitetura da UFPB, na lista de discussão “cidade&cultura”, coordenada por Rossana Honorato (também professora do mesmo Departamento de Arquitetura e Ouvidora Municipal da Prefeitura de João Pessoa). Transcrevo, aqui no blog, o e-mail de Jovanka Baracuhy bem como a minha resposta, ambos na linguagem informal, típica de um debate em um grupo de dicussao na internet. Parece que principalmente eu, mas também Jovanka, escrevemos rápido, como se fosse um "fluxo de consciência", embora nada surrealista, uma ligação direta em velocidade entre o cérebro e os dedos das mãos. Acho que ficou até mais legal que se fosse um texto sisudo. O e-mail de Jovanka e minha resposta estão em letras diferentes, não por contraste, até porque acho temos convergência sem unicidade de pensamento.

Jaldes,

Tive a grata oportunidade de assistir a uma "aula magna" (acho que essa seria a palavra correta) de Chico de Oliveira no último Congresso da SBS- Sociedade Brasileira de Sociologia, no final de 2007. Fiquei admirada ao vê-lo intelectualmente em forma, apesar da idade, com um senso de humor aguçado... O auditório estava lotado (o Centro de convenções da UFPE, que deve ser capaz de abrigar mais de 500 pessoas sentadas) com gente sentada, em pé, agachada nas escadarias... Ele fez todo mundo rir com suas piadas/brincadeiras sobre teoria sociológica, sobre o cotidiano acadêmico e refletir também sobre suas idéias e a atualidade política e acadêmica... Numa linguagem clara, precisa, de um intelectual acostumado a falar aos acadêmicos e ao público em geral no mesmo tom. Nada de pessimismos, acompanhando a história nacional e internacional sim, com toda certeza, brincando com as idéias sobre "globalizações" e modismos. Havia jovens alunos, iniciantes na pesquisa, velhos mestres, pesquisadores etc. e, no final, todos pareciam sair dali de alma lavada... Como quando assistimos a um grande show musical ou a uma peça de teatro excelente... Estávamos todos encantados com o dinamismo e a atualidade de seu pensamento! Foi realmente uma bela homenagem da SBS a Chico de Oliveira.

Bom era isso, foi muito bom ler a sua postagem analítica sobre Oliveira e Benjamin... aproveitei, em seguida, para conhecer o blog.

Acabo de entrar para o C e C e estou, por enquanto, mais acompanhando as idéias do que entrando nos debates, até por estar envolvida num projeto que toma praticamente quase todo o meu tempo, além cuidados com a família e da casa. Quis apenas dizer o quanto gostei de tudo que li e o quanto o admiro intelectualmente concordando com os elogios transmitidos pela Rossana... Porém, sem querer polemizar, gostaria de discordar um pouquinho desse início do seu texto quando diz: "quase ninguém mais discute idéias a fundo no Brasil, seja na mídia ou na academia...". Parece-me nostálgico, melancólico, e um pouco generalista para quem trabalha com "histórias", com pesquisa como você e sabe que o tempo não pára nem tampouco as idéias (mesmo que as grandes estruturas demorem mais tempo para serem alteradas, as idéias estão em constante ebulição e se transformam com maior rapidez) e, além disso, como afirmou nosso Tom Jobim numa frase repetida por Caetano: o Brasil não é para principiantes! (salvo engano, foi em resposta crítica, jocosa, às palavras do Lévi-Strauss sobre o Brasil). Comento isso apenas porque me incomodam um pouco as generalizações, sobretudo aquelas do tipo todos acham isso, as mulheres pensam assim, os acadêmicos são assim, os homens no Brasil acham isso... mesmo que tenham um "quase" antes... Quando fazemos pesquisa, vemos o quanto é difícil generalizar dessa forma e o risco de errarmos ou sermos tendenciosos é grande! E a nostalgia também...

Nossa história, nossa trajetória, nossa vivência democrática é muito recente, temos muito que aprender nesse sentido de expressar livremente os pensamentos, expor nossas idéias em público... De fato, parte do nosso desenvolvimento econômico, do capitalismo instituído atualmente no Brasil é bizarro, assim como o são, em parte, nossas instituições políticas. Não apenas a submissão aos mercados internacionais ainda assombra nossa economia, nas nossas cidades o analfabetismo em sentido amplo (não apenas o saber ler e escrever) graceja... há ausência de infra-estrutura sanitária, de estradas, de ruas adequadas à circulação dos transportes, das mercadorias e das pessoas... É algo alarmante e responsável por parcela significativa das internações hospitalares, dos desastres, mortes no trânsito... Nossas cidades são belas, uma natureza exuberante, porém mal tratadas, o problema habitacional continua crescendo, temos um déficit de moradias que beira os oito milhões de unidades ou mais se utilizarmos um conceito rígido de habitação/moradia, e por tudo isso, talvez a gente possa dizer que, em alguns aspectos, como os acima mencionados, ainda vivemos problemas do século XIX que os intelectuais modernistas brasileiros (arquitetos, escritores, urbanistas, entre tantos outros) tentaram discutir e solucionar nas décadas de 1930 e 1940, dentro e fora dos órgãos estatais.

Um abraço, parabéns pelo blog e obrigada pela oportunidade de lê-lo. Desculpe-me pelas mal traçadas linhas nos intervalos de uma montanha de outras atividades... Jovanka.


Jovanka,

Dou a mão à palmatória, vc tem razão ao afirmar que generalizei situações na mídia e na academia. O bom de um blog e de uma lista de discussão na internet é isso: podemos agitar idéias ainda em estado embrionário, a tecnologia nos ajuda, aperfeiçoando duas técnicas: o antigo diário de campo do antropólogo e a caderneta do poeta. Trata-se de um borrão eletrônico no qual podemos apagar à vontade, ainda mais quando podemos dispor do privilégio de interlocutores de sua qualificação. Não vou mexer no texto original do blog, mas se for aproveitá-lo em alguma coisa, um artigo, outra postagem, ficarei atento às suas palavras. Obrigado.

Concordo novamente com vc ao falar que as idéias não respeitam estruturas, caminham mais rápido. A revolução burguesa na periferia do capitalismo foi toda feita dessa maneira. Por isso o protagonismo dos intelectuais: como as classes fundamentais (burguesia e proletariado, etc.) não estavam estruturalmente formadas as idéias se anteciparam às estruturas. Recordo, neste ínterim, do belo romance de Alejo Carpertier – "O Século das Luzes" (há uma edição brasileira da Companhia das Letras) -, sobre um intelectual francês que vai morar na Cuba novecentista, levando as idéias do iluminismo. Dito isso, Jovanka, é preciso observar que nem a mídia nem a academia são duas confrarias de intelectuais individuais, uma espécie de “Escola de Atenas”. São estruturas. Claro, sempre há brechas para atuar. No caso específico da mídia, estamos em presença de uma reorganização fundamental: em todo o mundo ocidental tem ocorrido uma mudança de guarda dos antigos magnatas da imprensa (geralmente famílias) para grupos mais umbilicalmente ligados ao capital financeiro. No Brasil, é pior ainda: temos até uma Igreja como um grande grupo de mídia, um fato que no futuro não muito distante nos cobrará a fatura (veja o caso do Rio de Janeiro, cidade-caos onde os dois candidatos a prefeito por enquanto melhor posicionados nas pesquisas eleitorais compõem o conglomerado Record/Universal). E a academia? Ah, a academia... Lugar onde trabalhamos, vc e eu! Eu adoro a Universidade, ela está em meu sangue. Há muita gente boa na Universidade, muito pensamento, sem dúvida. Mas toda a agenda relevante das pesquisas universitárias, via de regra, no caso das ciências sociais, é "quase" toda ela (rs, o “quase” salvador!) formulada de fora para dentro, ou seja, pelos organismos de fomento. Tomemos o caso do desenvolvimento sustentável: a partir das redefinições do paradigma de desenvolvimento do Banco Mundial, aí pelos anos 1980, de Nova Iorque a Cajazeiras, todos passarem a desdobrar a temática em uma miríade de estudos empíricos. Um dos problemas fundamentais do intelectual hoje é a questão da autonomia de pensamento. E a universidade tem perdido a batalha, aliás, desde que o Oppenheimer reuniu a nata da ciência pra produzir a bomba atômica, durante a segunda guerra mundial.

Tb não vamos dourar a pílula: o pensamento crítico encontra dificuldades na universidade. O próprio Chico de Oliveira sabe das agruras que tem sofrido ao insistir em sua análise incômoda de certos desenvolvimentos estruturais do Brasil contemporâneo. Não quer dizer que concordo em tudo com ele escreve – a idéia da “nova classe social”, dos burgueses sem capital (os intelectuais do PSDB e os sindicalistas do PT), acho complicada. Tb falamos no post, e vc insistiu, nas “Teses sobre o Conceito de História” do Walter Benjamin. Há um elemento que devemos recuperar nas teses, sem o que não entenderemos nada daquele texto elíptico, barroco e surrealista, de difícil entendimento: a nova concepção de história de Benjamin, para ele, deveria entrar na pauta de debate porque o momento era de "perigo" - desnecessário dizer da conjuntura de ascensão do nazismo na Alemanha, terra natal de Benjamin -, e as duas vertentes da esquerda haviam fracassado (a social democracia, o stalinismo – tb o historicismo, uma vertente mais acadêmica). Citar Benjamin sem avaliar o perigo que nos ronda significa acomodar o pensamento. Chico de Oliveira (que tive o prazer de compor minha banca de doutorado, já há alguns anos) não cita o Benjamin de graça.

Encerro, por enquanto (vou participar mais ativamente do C&C, que Rossana coordena tão bem, na medida do tempo livre), feliz em dialogar com vc, com sua inteligência e senso crítico, que conheço deste os tempos do Mestrado em Ciências Sociais, no começo dos anos 90. Tanto tempo, né? Tudo passa tão rápido, né? Estão me chamando para o almoço... Desculpe os eventuais erros de revisão. Tou teclando nas carreiras.

Abração, Jaldes.

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