Chico de Oliveira

Quase ninguém discute mais idéias a fundo no Brasil, seja na mídia ou na academia. Acovardada, pouco se estuda na academia, por exemplo, o trajeto teórico de Chico de Oliveira, a partir dos resultados do polêmico texto “O ornitorrinco”, incluído no volume “Crítica da razão dualista/O ornitorrinco” (editora Boitempo, 2003). É instrutivo acompanhar o deslocamento de Chico do desenvolvimentismo à crítica do desenvolvimento. Neste deslocamento, vemos trançando a rica evolução de um intelectual que começa como técnico da Sudene, influenciado pelos ideais industrializantes da Cepal, um homem que era o braço direito (esquerdo?) de Celso Furtado. Ceifada pelo golpe militar de 64, Chico teve que abandonar o trabalho na Sudene, indo ser cidadão do mundo, fazendo em seguida a crítica ao ideário da Cepal e ao projeto desenvolvimentista da Sudene - as ilusões do pré-64 -, buscando aportes heterodoxos na economia política de Marx, nas formulações conceituais de desenvolvimento desigual e combinado haurido nas penas de Lênin e a Trotsky, ainda levando em consideração o debate instituído por Gramsci sobre a chamada “questão regional” italiana em “A questão meridional”. Muitos fizeram a crítica do desenvolvimentismo – inclusive o próprio Celso Furtado (O mito do desenvolvimento econômico, 1974) –, esta corrente intelectual generosa, surgida nos embates políticos dos anos 50, mas que, numa espécie de contrapartida perversa, também deixou de herança à América Latina e ao Brasil uma cota exorbitante de canalhas (ainda conto este capítulo da história das idéias no Brasil). Ninguém foi tão longe na crítica quando Chico de Oliveira. Contudo, a crítica de Chico é não sectária, é posta na perspectiva da história do Brasil. Ele nota que realmente se abriu uma fresta, uma oportunidade de ouro, aí pelos anos 30, tendo em vista as relações internacionais e de mercado do capitalismo mundial. Logo a fresta fechou, aí pelos anos 80. Sem dúvida, o Brasil hoje, na "era Lula", começa a viver um momento de desenvolvimento econômico, mas o capitalismo que amadureceu no Brasil continua bizarro, caso seja levado em consideração os processos de desenvolvimento na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos. Discrepamos da norma. De alguma maneira, passado o bloco histórico de 1930 (que se desorganizou na década de 1980), o Brasil voltou a ser algo parecido a um semipaís, um acampamento, um entreposto, onde se faz grandes negócios. Os termos da tragédia (ou da farsa) brasileira, em suma, vêm a seguir: mesmo que o bloco histórico de 1930 tenha concluído com êxito relativo o processo de modernização capitalista (Florestan Fernandes preferiria dizer: concluído o processo de revolução burguesa sem revolução "clássica", à lá França), criado uma sociedade civil dinâmica (nos termos de Carlos Nelson Coutinho), todas as aquisições civilizatórias da modernidade estão atualmente em suspenso. O Brasil é um país difícil de compreender, somente para profissionais (empiricamente, os cínicos podem obter bons resultados). Só assim, no olho do furacão, passamos a entender o valor da contribuição, o espírito teórico aberto do intelectual de origem pernambucana, radicado em São Paulo, à complexa concepção de história de Walter Benjamin e à noção de biopolítica em Foucault. Chico de Oliveira é avesso ao ecletismo, mas aberto ao conhecimento crítico, venha de onde vier. (Jaldes Reis de Meneses).

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