Colômbia

Jaldes Reis de Meneses.
Professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB.


De repente, por dois motivos combinados, mais ou menos há um ano, a Colômbia passou a ocupar com destaque todas as manchetes do noticiário internacional e a ser motivo de interesse (e sobressalto) da opinião pública brasileira: a drástica redução dos índices de criminalidade, em Medellín, e as negociações de troca de reféns das FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) com a mediação do polêmico presidente Hugo Chavéz, principalmente o caso rumoroso de Ingrid Betancourt, senadora, ex-candidata a Presidente e (faz toda a diferença) cidadã francesa.

Embora não seja o motivo central deste artigo, cabe o comentário de que se trata de engano confundir a redução das taxas de homicídio em Medellín e a urbanização de favelas (objeto das visitas de conhecidos políticos brasileiros, como Sérgio Cabral e Aécio Neves, em 2007) com uma eventual redução da Colômbia no tráfico internacional de cocaína. Pois bem, as mais recentes estimativas do Departamento de Estado Americano, divulgadas na semana passada, revelam que a Colômbia permanece no pódio do comércio internacional de drogas, mesmo ao talante da redução dos índices de violência urbana. Coibiu-se o comércio interno, refugiado na discrição. Por outro lado, as políticas sociais testadas na Colômbia, inúteis internacionalmente, sem dúvida tiveram efeitos locais: desarmou o braço urbano das chamadas Autodefesas Unidas (AUC, grupos paramilitares de direita), integrando jovens matadores à escolaridade formal e mesmo à polícia, contudo o braço rural continua ativo, e certamente somente poderá ser desfeito em face de um eventual armistício com as FARCs (uma quimera a cada dia mais longínqua), a outra ponta do recrutamento. Pontos para o governo de Álvaro Uribe.

Quem contempla a Colômbia defronta-se com uma história complexa, como um enigma a ser decifrado. Acaso a Colômbia fosse um recanto longínquo, nós, brasileiros, poderíamos nos abster de decifrar o enigma. Mas é um país fronteiriço e instrutivo: começo a firmar a hipótese de que o indiscutível crescimento econômico brasileiro, sob o governo Lula, contém elementos parecidos com o padrão mafioso dos capitalismos colombiano, mexicano e russo, o principal deles radicado nos padrões epidêmicos de violência urbana. Portanto, é fundamental, para nós, começar a compreender o que se passa na Colômbia. Olhar bem fundo nos olhos da tragédia.
Começo pela literatura, por Gabriel Garcia Márquez. No intermezzo da exuberante paisagem tropical, dos louros e das cobras sucuris, entre o amor de Fermina Dasa e Florentino Ariza, da saga mágica destilada do laboratório de alegorias chamado Macondo, duas idéias fundamentais se sobressaem: 1) A história da Colômbia compõe um processo permanente de guerra. Há uma passagem em “O Amor em Tempos de Cólera” – romance de Gabriel Garcia Márquez – no qual o tio de Florentino Ariza, um rico armador fala precisamente isso ao sobrinho, guerreamos e tocamos nossa vida cotidiana. Nada demais. 2) Paradoxalmente, a institucionalidade política colombiana – o revezamento entre os dois partidos no poder, o conservador e o liberal –, demonstra uma incrível durabilidade, vem de mais de um século.

Do aparente paradoxo, retiro o seguinte ensinamento: as instituições liberais na Colômbia, conquanto consigam se reproduz, jamais lograram absolver todas as forças políticas ao sistema, desafiando o senso comum de que a reforma liberal nos esquadros de uma democracia liberal é o melhor caminho em face de revolução. Trata-se de um liberalismo de exclusão. Sequer existe na história colombiana um movimento como o de trinta no Brasil, ou seja, um ponto de rearranjo do bloco no poder de viés modernizante. É como se a Colômbia fosse um “república velha” brasileira de longa duração: ausente de golpes militares, mas de guerras permanentes de extermínio (público e privado). As vitimas da violência política de morte na Colômbia sempre se contou aos milhares.

Diferentemente da experiência da esquerda brasileira, que sempre teve certo grau de institucionalização (mesmo quando o PC era clandestino) o padrão de violência colombiano, produziu freqüentes explosões, a mais importante delas (verdadeiro marco divisor na história do país), o famoso “Bogotazo” de 1948. Também se foi produzindo um importante movimento camponês, com “zonas liberadas” sob a direção do Partido Comunista (origem das FARCs), um movimento com a impressionante sobrevida de quarenta anos. Não é uma situação de fácil resolução. A esquerda armada, quando se legalizou tentou participar do jogo institucional na Colômbia, sofreu verdadeiros massacres de extermínio de seus principais quadros logo que saem da prisão. Depois da queda do muro de Berlin, em 1989, o M-19 (extinto grupo guerrilheiro de maior presença urbana que as FARCs) ganhou a eleição presidencial – aliás, realizando uma gestão desastrosa –, mas isso o de somenos: o ar das liberdades democráticas expôs o partido à ordem unida de um morticínio.

Hoje, parece claro que a tão festejada FARCs não tem força de tomar o poder à maneira de uma revolução cubana. O leão não é sonante como o rugido. Ao contrário, paulatinamente vê-se circunscrita à floresta amazônica, um território de especialistas, no qual mais vale a perícia militar que o movimento de massas. Jamais arredará o pé do território conquistado, sem negociar em condições favoráveis a integração na institucionalidade colombiana. Neste ínterim, surge uma cadeia de impasses de difícil solução, cuja síntese é a seguinte pergunta: qual institucionalidade, a da “velha república” de longa duração, de pouca capacidade assimilativa? Pobre Colômbia.

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