Itaipu

Escrevo com os olhos voltados para a TV Senado (sou fã de televisão desde criancinha e mais ainda da TV Senado, adoro ler com o aparelho ligado sem som), no qual o Senador Álvaro Dias (PSDB-PR), ocupando o espaço da liderança do PSDB, critica o Presidente eleito do Paraguai pela possível pretensão de rever os acordos de Itaipu. Os tucanos estão inteiramente perdidos, principalmente em termos de política internacional. O argumento do Senador é frágil, de tipo financista: em vez de perceber que a usina de Itaipu assenta-se em um bem de natureza localizado na fronteira, portanto compartilhado, o orador envereda pela revanche, sem necessidade aparente, pelo caminho de esfregar na cara dos vizinhos – como se eles não soubessem –, o volume bruto de capital investido pelo Brasil na construção da hidroelétrica. A união do capital brasileiro com os descapitalizados paraguaios, no argumento ufanista que, certamente, mais na frente, quando da negociação de fato dos contratos, apenas radicaliza posições de lado a lado. Embora o capital brasileiro seja um dado impossível de ser abstraído em qualquer mesa de negociações como ponto favorável ao Brasil, caso, eventualmente, o governo se comporte como um banco, um reles cobrador de taxa de juros, e não como um Estado nacional, o resultado fatal será a abdicação de qualquer pretensão de hegemonia (no sentido de consenso) na América Latina. O senador parece esquecer a história: junto à penetração do capital em regiões mais atrasadas sempre vieram as canhoneiras inglesas, francesas, americanas, contra chineses, indianos, africanos, vietnamitas “sem-capital”. Onde falta consenso, pode-se obter o controle pelo domínio, em vez da adesão consciente.

Ainda mais: o movimento de transformação de um bem de natureza em capital exige dois fatores: a própria natureza (o rio) e a tecnologia (natureza feita meio de produção pelo trabalho e a ciência). Capital não cai do céu, mas sobe da terra e das relações entre os homens. Isto nem é Marx, aliás, mas John Locke, talvez o primeiro filósofo a perceber claramente que o que chamava de “bens civis” (a natureza e, por meio da acumulação "egotista" de bens de natureza e objetos do trabalho, o capital) deveriam ser tratados como os direitos inalienáveis de propriedade. Ou seja: "sem-capital", a natureza (e a geopolítica territorial das nações da América do Sul) credenciou o Paraguai a participar de Itaipu na condição de co-proprietário. A disjuntiva mais importante é se o Paraguai vai continuar a amealhar a renda de Itaipu como gigolô, à maneira do domínio de décadas do Partido Colorado, ou vai revertes-lha em beneficio de seu sofrido povo, principalmente num projeto de desenvolvimento da agricultura paraguaia. De relance, é interessante observar que o desenvolvimento do Paraguai, inevitavelmente, reverte estruturalmente em benefício econômico para o Brasil.

Espero que Fernando Lugo tenha juízo, a campanha eleitoral na qual ele começou como azarão já demonstrou que capacidade estratégica o ex-clérigo tem de sobra. Todos os candidatos foram pautados pelo programa e o discurso de Lugo. Ano passado, pensava-se, de maneira convencional, que a onda de renovação política do Paraguai (o sentimento de despachar o partido Colorado) seria aproveitada pelo general Lino Oviedo. Resultado: o general começou a disputa em primeiro terminou em terceiro lugar, cometeu o erro estratégico de passar a ser reconhecido como o candidato "amigo" do Brasil (a bem da verdade, de amigo do peito de alguns poucos negocistas brasileiros, dentro e fora do governo). Agora, depois da vitória, um eterno vitorioso, José Sarney, sauda o novo presidente eleito. (Jaldes Reis de Meneses)

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