Poesia e política



"Poesia e política não são demais para um homem só".


Frase enunciada pelo professor e escritor Jomard Muniz de Brito, em debate recente na UFPB sobre o maio de 1968, revisitando o manifesto "Por que somos e não somos tropicalistas", 1968, Recife, alterando para melhor a conhecida frase de Paulo Martins (personagem do filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha), interpretado por Jardel Filho, no recuado ano de 1967.
O homem deve ser poesia e política, por que não? Embora problema complicado, o acesso ou a impossibilidade de uma poética da política tem mobilizado muitos pensadores através dos tempos, desde a crítica de Heródoto a Homero, para quem o poeta exagerava as conquista gregas e faltava com a verdade, até Voltaire, para quem havia uma diferença bem marcada entre história e fábula. Acho que o gesto de Heródoto foi até mais radical que o de Platão em "A República" - a famosa expulsão de poeta da comunidade política ideal -, pois o primeiro historiador buscou uma base na história real dos gregos (as guerras púnicas, ou contra os persas) e não na metafísica, a exemplo de Platão. Se estou sendo claro, quero dizer que a discussão entre poética e política deve ser buscada mais na história que mesmo na filosofia conceitual. Sei que é uma opinião polêmica; de todo modo, uma fecunda hipótese de trabalho. Na "Filosofia da História" de Voltaire - antes de tudo, um grande escritor, um renovador da língua francesa; portanto, mesmo que não queira, um poeta - a possibilidade de escrever uma história universal crível começa exatamente pela eliminação da fábula. Uma pessoa amiga me perguntou durante a semana se toda poética é necessariamente, em sua articulação interna, política. Penso que não. Neste sentido, sou radicalmente kantiano (o que não me impede - ao contrário -, de apresentar diferença relativa com a sua epistemologia subjetiva do sujeito, nos moldes da superação hegeliana): acredito que a autonomia das esferas (combinado com a conexão entre elas, é claro) é uma aquisição da modernidade. Kant falava em três esferas e de três críticas: a razão pura (o conhecimento científico), a razão prática (a moral) e o juízo (a esfera expressiva da arte). Por outro lado, temos, sem dúvida, de vez em quando na história, as irrupções do poético, quebrando a continuidade reificada da vida cotidiana. Bem-vindas irrupções. Por exemplo, a explosão poética dos muros de Paris em 68 pelos grafites dos situacionistas significou precisamente uma aguda intervenção do poético no político. A propósito, gosto das apreciações de Derrida sobre as duas instâncias da linguagem: a acústica, dada pela linguagem formal, e uma dobra interna, que vai dar inclusive nas teias do inconsciente. Mais que na linguagem formal, o lugar da poética encontra-se na escridura do inconsciente, no paradoxo de expressão do inefável. (Jaldes Reis de Meneses).

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