João Cabral de Melo Neto:

Antes faço o plano do livro, decido o número de poemas, o tamanho, os temas. Crio a forma. Depois, encho.
A frase de João Cabral, acima, foi colhida nos parágrafos derradeiros da inteligente apresentação feita por Eucanãa Ferraz (Belo, Bula) à nova edição de "A educação pela pedra e outros poemas" (Editora Alfaguara, 2008). Espero retornar à poesia de João Cabral nos próximos dias, através de um curto ensaio, por enquanto apenas escrevo que a forma de sua poesia, mais além de um evidente corpo a corpo com a linguagem na tentativa de parecer seco em seu antilirismo (ele adorava essa expressão, como também adoro, aliás), medrou na forma tortuosa de uma doação paulatina. O "homem seco" foi se doando e sendo tostado aos poucos, ao longo dos anos de labor poético consciente e racional - O engenheiro, O cão sem plumas (para mim, desde a adolescência, um dos principais poemas da língua portuguesa), A educação pela pedra, etc etc - pelo fogo-fátuo (de Fernando Pessoa), pelo fogo morto (de Zé Lins), desfiado por uma espécie de medusa severa e exigente, até secar definitivamente quando morreu, cego e surdo, em 1999. A doação de João Cabral foi de outra estirpe, distinta da do poeta romântico. Ambos foram embora, o primeiro no brilho fugaz da juventude, o pernambucano, ao contrário, somente mais tarde e velho, quando exaurido deu de si tudo o que tinha. Nada tinha a mais a dar. O ramo de folha secou definitivamente. Um drama ainda pouco investigado: o drama da doação do que temos dentro de nós como forma poética construtivista e racional. Ave, João Cabral. (Jaldes Reis de Meneses).

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