Papéis extemporâneos: Agostinho da Silva
Cascaveando papéis extemporâneos , encontrei esta pequena apresentação que fiz a uma exposição sobre o intelectual português Agostinho da Silva, ocorrida na UFPB em maio de 2006. Agostinho viveu muitos anos no Brasil e quando do retorno a Portugal, depois da abertura política permitida pela Revolução dos Cravos (1974), transformou-se, por sua verve erudita e desabusada, num astro da televisão dos irmãos lusitanos.
A metáfora de meu texto é gasta, mas decisiva: a atracão dos portugueses pelo mar oceano, de Camões e Pessoa, até, pode-se dizer mais recentemente, José Saramago, na bela novela “Jangada de Pedra”, em que, ao invés de embarcações de partida, quem dá adeus ao continente europeu é o próprio território de Portugal inteiro, seguindo a uma vocação parecida com o mito platônico de Atlântida, o continente perdido. Nas viagens nos perdemos e podemos nos reencontrar através da experiência do novo.(Jaldes Reis de Meneses).
QUEM FOI AGOSTINHO DA SILVA?
Em certa passagem de seu livro autobiográfico, Verdade Tropical, Caetano Veloso se recorda de um “professor português vindo da Paraíba”, que dava aulas maravilhosas, libertárias, absolutamente originais. O quinto império teocrático do Padre Antonio Vieira, uma comunidade universal de fraternidade, a utopia do professor inusitado, ao seu modo, um prototropicalista, porém distante de qualquer "lusotropicalismo", a idéia salazarista de império português, que empolgou Gilberto Freyre durante algum tempo.
Esse professor era Agostinho da Silva, um emigrado ao Brasil foragido da ditadura de Oliveira Salazar, que passou um tempo em São Paulo e no Rio de Janeiro, numa confraria comunitária em companhia, entre outros, do poeta modernista Murilo Mendes, e, por obra do destino, aportou na Paraíba nos primeiros dias da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade da Paraíba (hoje, UFPB), contratado por José Américo de Almeida como professor de História Antiga e Medieval no Departamento de História, ao acaso hoje por mim dirigido.
Passou somente dois anos na província, que desgostou dos modos vanguardistas do professor. Logo estava na Bahia fundando o CEAO (Centro de Estudos Afro-Orientais) da UFBA, estabelecendo, pioneiramente, o intercâmbio cultural entre Brasil e África, explorando o lado não Europeu do Atlântico. Agostinho da Silva pregava um intercâmbio sincrético e ecumênico com a África, despido de projeto de dominação e colonização, um aprendizado mútuo no quais todos só temos a ganhar em civilidade, ou seja, traduzindo nos termos metafísicos do drama português, dissipar, através da viagem pelo mar oceano, o fogo-fátuo da melancolia sem fim e o espesso nevoeiro da desencantada realidade lusitana em tempos de Salazar, épica ao revés de Camões, versejada em Mensagem, o admirável poema do mais importante poeta nascido no século XX, em qualquer latitude, Fernando Pessoa (“Tudo é incerto e derradeiro./ Tudo é disperso, nada é inteiro./ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../ É a hora” – Nevoeiro, Fernando Pessoa, escrito em 1928, época de vigência da “Ditadura Nacional” de 1926). Maior poeta do século XX, porque, no fundo, o drama português é universal, o drama da modernidade capitalista e colonial. Pois bem, como dizem os intelectuais portugueses, o sentido da rima de Pessoa, Agostinho buscou realizar como projeto de vida, itinerante no mundo lusófono.
Da Bahia, Agostinho viajou ao planalto central, convidado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, para participar dos primeiros dias do belo projeto da UnB (Universidade de Brasília), ali organizando o Centro Brasileiro de Pesquisas Portuguesas, buscando refazer a triangulação do antigo tráfico negreiro, mas trocando o açoite pela palavra emancipadora, pois nossa pátria é a língua portuguesa. Nossa forma de ser no mundo, sempre.
A metáfora de meu texto é gasta, mas decisiva: a atracão dos portugueses pelo mar oceano, de Camões e Pessoa, até, pode-se dizer mais recentemente, José Saramago, na bela novela “Jangada de Pedra”, em que, ao invés de embarcações de partida, quem dá adeus ao continente europeu é o próprio território de Portugal inteiro, seguindo a uma vocação parecida com o mito platônico de Atlântida, o continente perdido. Nas viagens nos perdemos e podemos nos reencontrar através da experiência do novo.(Jaldes Reis de Meneses).
QUEM FOI AGOSTINHO DA SILVA?
Em certa passagem de seu livro autobiográfico, Verdade Tropical, Caetano Veloso se recorda de um “professor português vindo da Paraíba”, que dava aulas maravilhosas, libertárias, absolutamente originais. O quinto império teocrático do Padre Antonio Vieira, uma comunidade universal de fraternidade, a utopia do professor inusitado, ao seu modo, um prototropicalista, porém distante de qualquer "lusotropicalismo", a idéia salazarista de império português, que empolgou Gilberto Freyre durante algum tempo.
Esse professor era Agostinho da Silva, um emigrado ao Brasil foragido da ditadura de Oliveira Salazar, que passou um tempo em São Paulo e no Rio de Janeiro, numa confraria comunitária em companhia, entre outros, do poeta modernista Murilo Mendes, e, por obra do destino, aportou na Paraíba nos primeiros dias da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade da Paraíba (hoje, UFPB), contratado por José Américo de Almeida como professor de História Antiga e Medieval no Departamento de História, ao acaso hoje por mim dirigido.
Passou somente dois anos na província, que desgostou dos modos vanguardistas do professor. Logo estava na Bahia fundando o CEAO (Centro de Estudos Afro-Orientais) da UFBA, estabelecendo, pioneiramente, o intercâmbio cultural entre Brasil e África, explorando o lado não Europeu do Atlântico. Agostinho da Silva pregava um intercâmbio sincrético e ecumênico com a África, despido de projeto de dominação e colonização, um aprendizado mútuo no quais todos só temos a ganhar em civilidade, ou seja, traduzindo nos termos metafísicos do drama português, dissipar, através da viagem pelo mar oceano, o fogo-fátuo da melancolia sem fim e o espesso nevoeiro da desencantada realidade lusitana em tempos de Salazar, épica ao revés de Camões, versejada em Mensagem, o admirável poema do mais importante poeta nascido no século XX, em qualquer latitude, Fernando Pessoa (“Tudo é incerto e derradeiro./ Tudo é disperso, nada é inteiro./ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../ É a hora” – Nevoeiro, Fernando Pessoa, escrito em 1928, época de vigência da “Ditadura Nacional” de 1926). Maior poeta do século XX, porque, no fundo, o drama português é universal, o drama da modernidade capitalista e colonial. Pois bem, como dizem os intelectuais portugueses, o sentido da rima de Pessoa, Agostinho buscou realizar como projeto de vida, itinerante no mundo lusófono.
Da Bahia, Agostinho viajou ao planalto central, convidado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, para participar dos primeiros dias do belo projeto da UnB (Universidade de Brasília), ali organizando o Centro Brasileiro de Pesquisas Portuguesas, buscando refazer a triangulação do antigo tráfico negreiro, mas trocando o açoite pela palavra emancipadora, pois nossa pátria é a língua portuguesa. Nossa forma de ser no mundo, sempre.
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