Mãe Natureza

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Jaldes Reis de Meneses

Os terremotos no Haiti, no Chile e na China; as chuvas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador; a erupção do vulcão Eyjafjallajökull (nome impronunciável como um sortilégio), na Islândia, pondo em colapso o espaço aéreo europeu: Todos estes acontecimentos, somados, já fizeram o estigma de 2010 como o ano das tragédias naturais. As recentes catástrofes vêm mais uma vez por à prova a voragem da pulsão moderna, que, antes de tudo, exercita a ilusão do controle do indomável, a natureza.

A relação com a natureza trata-se uma questão velha conhecida na literatura e na filosofia. Uma das possibilidades é a soberba da atitude faustica de criação, ou seja, na linguagem alegórica de Walter Benjamin, haveria uma “teologia dos infernos” gestada a partir da “queda de Deus” (Baudelaire). Por exemplo, numa das passagens mais conhecidas do belo poema clássico, Fausto, de Goethe, o coração frio do narrador desapieda-se da sorte de um casal de velhinhos que viviam à margem de um rio a ser canalizado. Na poética de Fausto, a pulsão de criação destrutiva e destruição criativa da modernidade deve sempre abrir alas, passar sem compaixão por cima do que vier à frente, seja coisa orgânica ou inorgânica, animal ou humana.

Mas quais os objetivos disso tudo? Conforme o notável estudo de Marshall Berman (O Fausto de Goethe: a tragédia do desenvolvimento) sobre o poema épico de Goethe, sequer a satisfação do desejo pessoal, mas mais além, viver por inteiro as sensações cegas do desenvolvimento (capitalista) – “o que preciso e quero é atordoar-me”. Os giros do capital são a personificação máxima da atitude de soberba faustica (aliás, já em Goethe).

Porém, com o passar do tempo, um preço alto é cobrado do pacto entre Fausto e Mefistófeles: o definhamento da beleza juvenil, a insatisfação com o estágio alcançado de perfeição (artificial) etc., até a consecução da própria morte numa forma que se parece com o (auto)suicídio. Não tem jeito: ao final, o pacto de glória efetuado com o diabo se revela fugaz, pois afinal, apesar do progresso, nosso destino trágico é de finitude.

No desamparo, a soberba é liquidada. Hoje, perplexo, o homem auto-suficiente das altas tecnologias descobre-se impotente em face da crueldade cega da mãe natureza. Mais uma vez, o pacto mefistofélico de controle da natureza se mostra uma quimera.

Da parte de Mefistófeles não poderia vir, certamente, coisa boa. É da parte de Deus? Haveria uma “teologia dos céus”? Em Descartes a resposta é positiva, “Deus é natureza”, todavia o que fazer – exorbitando talvez da própria metodologia da dúvida metódica cartesiana –, quando até o apelo a Deus deixa de valer como prevenção, somente como consolo, a exemplo das recentes tragédias? Em Voltaire, a resposta é negativa, não existe “teologia dos céus”, ao menos do Deus católico, quando, na polêmica contra o otimismo de Leibniz, a propósito dos paradoxos do Terremoto de Lisboa (1755) ironiza os cultores da predestinação... um povo tão temente a Deus, como os portugueses, no entanto abandonados...

De parte a parte, deve-se abandonar a teologia, escapar do falso dilema entre explorar ou preservar a natureza. Devemos procurar um difícil tertius. A “teologia dos infernos” é desprovida de qualquer veleidade moral, desumaniza o homem, ao passo que a “teologia dos céus”, angelical, feito os Na´vi do filme Avatar de James Cameron, crê na falsa imagem neoromântica de uma natureza bondosa, pura, em decadência pela ação malvada dos humanos, quando na realidade, ela é incontrolável. Que o diga neste momento os céus da Europa...

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