Venezuela e Colômbia, Hugo Chávez e Álvaro Uribe

Artigo também postado, em versão resumida, no portal wscom.com.br

Jaldes Reis de Meneses

À maneira de uma luta entre gato e rato, pela segunda vez no curto prazo de três anos, a Venezuela de Hugo Chávez rompeu relações diplomáticas com a Colômbia de Álvaro Uribe, este último recém vitorioso, mas nos estertores do mandato (conseguiu eleger a Dilma de lá, o Ministro da Defesa, Juan Manuel Santos). Novamente, o móvel do conflito são as acusações de um hipotético apoio do governo venezuelano às FRACs, antiga organização guerrilheira acusada de ter se transformado em uma “narcoguerrilha”.

Embora sempre seja um jogo perigoso, sobretudo pelas ameaças de guerra, seguida da movimentação de tropas de lado a lado no cenário da porosa fronteira amazônica, no entanto, a análise fria da situação recomenda depurar o volume estridente das declarações feitas para a platéia das partes em litígio. Na verdade, mais que um enfrentamento aberto e direto – na linguagem estratégica, uma guerra de movimento –, já há um bom tempo, as disputas entre a Venezuela e Colômbia melhor configuram o que Gramsci denominou de uma guerra de posições, ou seja, um prolongado, extenuante e estudado jogo de xadrez no qual os litigantes movem os peões, contudo se reservam de entrar em cena com o poder ampliado das peças acantonadas na segunda fileira.

Com efeito, o enfretamento direto seria um desastre que não interessa, no momento, a ninguém. A Colômbia, por exemplo, além do apoio logístico dos Estados Unidos, detém as mais numerosas forças infantaria da América do Sul (maior que as do Brasil, inclusive), preparadas para o combate em selva. Por seu turno, a Venezuela não fica atrás: como em qualquer governo revolucionário no poder de Estado, a militarização da política é crescente e o investimento militar do regime bolivariano é pesadíssimo, com compra de armamentos modernos da Rússia. Perversa situação: o poder beligerante dos lados recomenda cautela e diplomacia no agir a partir de certo ponto do esgarçamento da tensão, especialmente porque – ironia final – Venezuela e Colômbia são duas economias interdependentes e complementares que vivem às turras, parentes de uma família que não se entende.

Escrevi um artigo há dois anos a propósito da Colômbia no qual afirmava que é um país da "longa duração política". Tudo lá demora muito tempo, deve ser medido em décadas e até séculos de espera. (http://jaldes-campodeensaio.blogspot.com/search/label/Col%C3%B4mbia).

Neste sentido, o amor eterno e senil de Fermina Dasa e Florentino Ariza – os protagonistas de Gabriel Garcia Marquez em “O amor no tempo da cólera” – também deve ser lido como uma alegoria da política colombiana. O próprio tio de Florentino Ariza autoriza esta versão politizada do livro, quando afirma em certa passagem, em dialógo com o sobrinho – “guerreamos e tocamos nossa vida cotidiana”. Durante algum tempo, até Álvaro Uribe chegar, nos tempos de Andres Pastrana, havia uma espécie de empate técnico entre o governo e a guerrilha na Colômbia. Uribe veio para jogar duro. Em oito anos de mandato presidencial de Uribe, a partir de uma série de polêmicas políticas adotadas pelo governo Uribe (sugiro a leitura de meu artigo pregresso, no qual detalho o conteúdo dessas políticas), a situação já não é de equilíbrio entre o Estado e a guerrilha.

Acabou o empate técnico interno (Gramsci poderia dizer assim: acabou a "crise de hegemonia") na Colômbia. Ao vencedor, as batatas, ou seja, Álvaro Uribe. A balança pendeu para o lado do secular Estado conservador, "civilizado" pelo cosmopolitismo da modernização neoliberal, mas é precipitado considerar a guerrilha absolutamente morta, até porque ele se aproveita de uma última tábua de salvação: as reais diferenças ideológicas com os países bolivarianos vizinhos. O pulso ainda pulsa. O jogo passou a ser essencialmente regional. O futuro das FRACs, hoje, depende inteiramente do avanço ou do recuo do bolivarianismo no continente.

Quanto a Venezuela, sem dúvida Hugo Chávez vive um momento difícil, principalmente do ponto de vista econômico. O coronel chegou ao poder despertando muitas esperanças por que soube detectar e se conduzir com maestria no cerne da luta política venezuelana: a saber, aproveitar o conflito distributivo entre os setores diretamente envolvidos na cadeia produtiva da economia do petróleo e a imensa maioria da população, tomando partido dos eternos excluídos na distribuição dos excedentes do petróleo, alijados da parte de leão da economia, não somente, deve-se dizer, pela superexploração extraeconômica, mas até pela qualificação técnica na gerência da indústria do petróleo (monopolizado por certa classe média treinada nas universidades e no exterior). Neste caso, a boa racionalidade econômica propagandeada no discurso elegante do antigo regime funcionava a favor dos sofisticados (e americanizados) habitantes do luxuoso bairro de El Chacal, em detrimento do povão desqualificado (profissionalmente)das favelas. Chega o dia da turba descer...

Por outro lado, acontece que Chávez, objetivamente, não tem conseguido dar um segundo e necessário passo em seu projeto político e econômico: faltou apoio popular espontâneo às medidas de estatização e a nacionalização dos meios de produção, tanto que no plesbiscito de 2008, no qual as questões da propriedade privada e do socialismo foram postos em votação, o regime teve menos votos que o número de militantes do partido chavista. Trotsky poderia dizer que a "revolução permanente" empacou na Venezuela, embora tenha feito surgir uma nomeclatura de dirigentes dos negócios - estatais, privados e misturados - do regime. Ausente a economia política do almejado "socialismo do século XXI" e lhe dar suporte para praticar demiurgia social, sequer contando com o anestégico dos surtos de desenvolvimentismo, sem ao menos contar a aparição de um "voo de galinha" como bálsamo, se nenhum desses fatores vier, o bolivarianismo tende a viver um profundo impasse no país que foi a sua célula mãe. Godot não chegou a Vladimir e Estragon. Entretanto, o processo é de longo prazo, pois a ascensão de Chávez significou precisamente a destruição da perversa institucionalidade conservadora na Venezuela, contudo aprofundando o impasse em vez de resolvê-lo positivamente. Vamos esperar os próximos lances, mas sem catastrofismo.

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