Choque de civilizações

Escrevi o artigo abaixo ainda durante o caso das chamada "frotilha" de ajuda humanitária de ajuda às populações palestinas ilhadas pelo exército de Israel na Faixa de Gaza, no qual foi presa a cineasta brasileira Iara Lee. Resultado: enviei o artigo ao wscom, mas não postei aqui por puro esquecimento. Revendo arquivos velhos, achei que ainda é tempo de postar aqui no blog.

Jaldes Reis de Meneses

Algumas teses, embora não sejam verdadeiras, têm um valor sinistro de premonição. São de tal maneira polêmicas e estão impregnadas a um difuso “espírito do tempo” que logo após lançadas se espalham como rastilho de pólvora. Outras teses, no entanto, são sensatas, mas cativam a poucos espíritos, condenadas a vegetar no frágil mundo das soluções racionais desprovidas de uma alta voltagem de adrenalina e emoção.

Umas dessas idéias racionais e sensatas que fracassaram foram os protocolos de paz do chamado “acordo de Oslo (1193)”, conjunto de tratativas formuladas entre o Estado de Israel e a OLP, nos anos de 1991 e 1999. Os resultados do acordo foram a formação da “Autoridade Palestina” com vistas à formação de um Estado nacional na jurisdição dos territórios ocupados e o reconhecimento de parte a parte da legitimidade de existência do outro. Pendências, como a posse de Jerusalém, seriam resolvidas depois. Conquanto a convivência dos dois Estados tivesse inimigos de parte a parte e não chegasse nem de perto da solução utópica do intelectual palestino Eduard Said – um só Estado, duas nações –, o encaminhamento da solução do conflito eram razoável, e assim deve-se perguntar por que fracassou.

Havia razões de conjuntura. A principal delas, sem dúvida, os
resultados da primeira guerra do Iraque (1991), na qual a OLP tinha necessariamente de tomar partido por Saddam Hussein. A guerra do golfo fraturou de imediato o processo de paz. Resultado: Israel continuou a construção de assentamentos nos territórios ocupados e, por outro lado, a Palestina começou a viver um processo de decadência da OLP e ascensão de uma força fundamentalista que nega a existência do Estado de Israel, o Hamas.

Neste interregno, mais além da conjuntura, uma idéia antiga reapareceu como novidade no cenário em 1993, através da pena do cientista político norte-americano Samuel P. Huntington: o “choque de civilizações”.

Recapitulando, Huntington estava longe de ser um neófito excharcado da filosofia da história de Hegel, como Francis Fukuyama. Veterano conselheiro do principe, já havia pautado o debate estratégico norte-americano pelo menos três vezes: 1) sobre a “correta” apreciação das ditaduras latino-americanas – principalmente o Brasil –, afirmando que esses regimes seriam a via possível e condizente historicamente de modernizar o sul, afastando a possibilidade de convivência entre desenvolvimento e democracia em “sociedades pretorianas” (como ele via o Brasil); 2) sobre como efetuar as “transicões controladas” nos paises que passaram do “autoritarismo” para a democracia nos anos setenta; 3) sobre como desmontar as reinvidicações lançadas contra a parede do Estado pelos movimentos libertários da nova esquerda em 1968, inaugurando a planforma neoliberal. Definitivamente, não era qualquer um.

No entender de Huntington, “de todos os elementos que definem as civilizações, o mais importante geralmente é a religião... Em larga medida, as principais civilizações na História da Humanidade se identificaram intimamente com as grandes religiões do mundo” (O choque de civilizações, p.46).” Dessa maneira, em resumo, não há história universal, simplesmente o conflito entre oito grandes formações particulares, inassimiláveis ou a outra. O destino fatal do mundo sempre será o conflito e a guerra. Filosofia trágica para o novo século, logo confirmadas, ao menos na aparência, pela explosão das Torres Gêmeas em Nova Iorque (2001).

As teses de Huntington são históricamente falsas. Embora possa se dizer que na base de qualquer grande civilização tenha havido uma religião,é possível desvendar elementos de trânsito entre as civilizações, bem como a possibilidade de categorias universais que organizem o pensamento intercultural. Esta a grande batalha da contemporaneidade. Embora se dizendo liberal até a morte em 2008, no fundo, Huntington é um fundamentalista.

O assunto é longo, mas penso nessas coisas ao ler sobre o recente ataque das fragatas de ajuda humanitária pelo exército de Israel. Nos últimos tempos, vimos o fortalecimento do fundamentalismo de um lado e outro da contenda, como a dar prosaicamente razão ao tal do choque de civlizações. É bom prestar a atencão e perceber que, ao contrário, a fragata mobilizava forças multinacionais, explemplificado na cineasta brasileira Iara Lee, a quem dedico estas linhas. A solidariedade não tem pátria.

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