Fatura liquidada

Jaldes Reis de Meneses

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À maneira de um mestre de obra feita, é muito fácil, tanto que até fico um tanto envergonhado de predizer o óbvio ululante, ou seja, constatar uma acachapante vitória eleitoral dos partidos da coligação governista nas eleições gerais de 03 de outubro. Sem dúvida, o PT e o PMDB, mas também o PSB, e em menor escala, o PCdoB, conquistarão importantes espaços institucionais, ao passo que assistiremos o definhamento do DEM (a eventual vitória no Rio Grande do Norte pode ser a exceção que confirma a regra) e uma derrota do PSBD em redutos históricos, a exemplo de Minas Gerais. Todo mundo está vendo isso, não serei eu a ver diferente. Não acredito em milagres.

Melhor que predizer o óbvio, é indagar a propósito do resultado político, vale dizer, constatar que está em vias de desaparecer o equilíbrio político havido nos últimos tempos entre governo e oposição, especialmente entre as coligações pelo PT (Lula) e pelo PSBD (FHC). Com efeito, durante 16 anos a política brasileira, repetindo a fórmula sagaz do cientista político Luiz Werneck Vianna, no mais das vezes, girou em torno da questão de qual dos dois partidos paulistas (PT ou PSBD), representantes da modernidade capitalista, através do instituto da coligação eleitoral, e em nome do desenvolvimento econômico, logravam submeter em aliança o chamado “atraso”, ou seja, os partidos representantes do Brasil profundo, patrimonialista e oligárquico. Estamos nos estertores do antigo equilibro, forjado na pia batismal do plano Real (1994/95).

Quem sabe vamos entrar numa nova era (à falta de uma melhor palavra) populista? Doravante, com vértice na primeira presidente brasileira, a “mãe”, Dilma Rousseff, e sob os especiosos cuidados do “pai” Lula, a coligação historicamente surgida na esquerda chega a uma posição hegemônica, enfim submetendo – quem adivinharia? – a coligação do PSBB a uma posição subordinada. Em política, pode-se ou não se pode. E hoje, Lula pode muito, reconstruindo no século XXI velhos simbolismos populistas, falando diretamente às novas massas geradas na mistura do crescimento da economia e da mobilidade social. Somente Lula, que fez por onde, tem a chave das novas massas.

Por quê? As massas não são ingênuas, como à primeira vista pode parecer. Na espontaneidade, elas sabem quais valores cultuar, radicados no individualismo: sonham em adentrar ao banquete da sociedade de consumo capitalista. Ora, de uma maneira ou de outra, através da inflação baixa ou do aumento do salário mínimo, do bolsa-família ou crédito consignado, foram desobstruídos vários condutos do consumo. As massas estão se vendo na condição de afluentes.

Para aonde vai tudo isso? Enganam-se os que pensam os ciclos de afluência como eternos. Tangenciamos, com esta pergunta, o futuro governo Dilma. Passada a lua-de-mel natural da vitória, depois de acomodados os áulicos no aparelho de Estado, reapresentar-se-á em cena o fantasma inerente a todo populismo latino-americano: como consolidar a conjuntura de afluência numa estrutura permanente – que somente um acordo de classes pode efetuar –, enfim, de que maneira passar do crédito, dos recursos do tesouro (bolsa-família) e do arbítrio estatal (valor do salário mínimo) para o jogo duro e livre dos inevitáveis conflitos entre a renda dos salários e os ganhos financeiros do capital. Por enquanto, todos surfam a onda do Lulismo, mas alguém há de perder um dia.

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