Teses da era Lula
Jaldes Menezes
Artigo também postado no portal www.wscom.com.br
É impressionante como um consenso político relativamente disseminado, o de que o período de oito anos do governo Lula (alguns chamam até, dando impostação histórica, de “era Lula”) produziu importantes modificações no Brasil, por outro lado, ainda não conseguiu lograr interpretações consistentes e à altura das transformações. Faltam a teoria e o conceito da “era Lula”.
Os argumentos se repetem à esquerda e à direita, na academia e no jornalismo, entre os da situação e da oposição. Talvez haja duas exceções mais salientes de contribuição ao debate, discrepantes da geléia geral de mediocridade da análise política contemporânea: Chico de Oliveira e André Singer. Ressalto que são opiniões divergentes, por isso vale à pena passá-las em revista.
Em primeiro lugar, há de se levar em consideração as teses de oposição de Chico de Oliveira, um velho decifrador dessa esfinge chamada Brasil, com as formulações polêmicas da uma “hegemonia às avessas”, no Brasil e na África do Sul – em resumo, a tese de que a esquerda governa, até mais que isso detém os simbolismos da política, contudo, paradoxalmente, a hegemonia é burguesa e se faz às avessas Em suma, hegemonia às avessas seria derrotar o apartheid para servir aos senhores do apartheid. Antes, logo no governo do governo Lula, em 2003, Chico já havia lançado no mercado de idéias outra tese polêmica: a da “nova classe”, ou seja, a estranha congruência de negócios existentes no Brasil entre os “economistas” do PSBD e os “sindicalistas” do PT, os primeiros transformados em gestores de bancos privados depois de uma temporada no Banco Central, os segundos gestores dos fundos de pensão das estatais, porém, ambos amalgamados na lustrosa rede do capital financeiro.
Evidentemente, pode-se argüir, em contraponto, que o conceito de classe em Chico tem uma enorme mobilidade estrutural (tema apaixonante, mas teria que passar em revista a teoria das classes sociais, impossível num artigo curto), como também talvez seja o caso de se falar diretamente em hegemonia burguesa, em vez da cifrada e complexa “hegemonia às avessas”. Porém, indiscutivelmente, são valiosas contribuições ao debate, feitas por um intelectual que alia rara presciência e conhecimento teórico, numa trajetória que vem dos tempos da SUDENE de Celso Furtado. (Cópia do artigo de Chico disponível na internet em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_37/artigo_1162/O_avesso_do_avesso.aspx).
Recentemente, saiu na revista Novos Estudos Cebrap (http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356), importante estudo de André Singer (ex-porta voz do primeiro governo Lula, portando alguém de dentro do Palácio do Planalto), intitulado “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”. Nele, em escrita elegante, Singer detecta um realinhamento fundamental eleitoral em 2006, que pode repetir-se como fenômeno consolidado em 2010. O subproletariado – aqueles que Collor chamava de “descamisados” –, que sempre se manteve afastado de Lula, aderiu em bloco, como atestam os mapas eleitorais, depois do primeiro mandado. Passou-se subterraneamente um fenômeno estrutural, enquanto na superestrutura política acontecia a crise do “mensalão”, fazendo emergir uma nova configuração ideológica, que reúne elementos de direita e esquerda, objetivamente reunidos na figura, na teoria e prática empírica de Lula, que reúne anseios de estabilidade e ação redistributiva do Estado. A circunstância momentamente separou o Lulismo do PT, mas isso, em minha opinião, está longe de significar que as massas recém-aderentes, inorgânicas, assim o sejam por toda eternidade. Doravante, pode se constituir em esteio do próprio PT. Quando da contagem das urnas eletrônicas de 2010, com base no resultado eleitoral, saberemos do grau da adesão do novo conviva – o subproletariado – aos partidos de apoio a Lula, especialmente o PT. De pronto, as campanhas de governador e deputado devem estar a colar nos ambientes em que estas populações vivem e trabalham. Não há garimpo sem garimpeiro.
Quem erra na interpretação da realidade, dificilmente tem êxito político, conquanto este exija bem mais que boas análises. Dessa maneira, as interpretações dominantes na oposição à Lula pela esquerda cometem um erro político grasso: pensar a continuidade FHC-Lula sem dar conta da clivagem de 2006. Os discursos repetem a ladainha da continuidade do neoliberalismo e das reformas neoliberais, quando, na verdade, a realidade se apresenta mais nuançada e complexa. Ouvi um dia desses um intelectual brasileiro falar na vigência do “neoliberalismo e neodesenvolvimentismo”, buscando, através de contorcionismos, conservar, a ferro e fogo, a atualidade de uma análise superada. O neoliberalismo passou, no Brasil e internacionalmente. Melhor seria definir a fase atual como pós-neoliberal. Goethe já dizia: se cinza é toda teoria, mais verde é a árvore de vida.
Artigo também postado no portal www.wscom.com.br
É impressionante como um consenso político relativamente disseminado, o de que o período de oito anos do governo Lula (alguns chamam até, dando impostação histórica, de “era Lula”) produziu importantes modificações no Brasil, por outro lado, ainda não conseguiu lograr interpretações consistentes e à altura das transformações. Faltam a teoria e o conceito da “era Lula”.
Os argumentos se repetem à esquerda e à direita, na academia e no jornalismo, entre os da situação e da oposição. Talvez haja duas exceções mais salientes de contribuição ao debate, discrepantes da geléia geral de mediocridade da análise política contemporânea: Chico de Oliveira e André Singer. Ressalto que são opiniões divergentes, por isso vale à pena passá-las em revista.
Em primeiro lugar, há de se levar em consideração as teses de oposição de Chico de Oliveira, um velho decifrador dessa esfinge chamada Brasil, com as formulações polêmicas da uma “hegemonia às avessas”, no Brasil e na África do Sul – em resumo, a tese de que a esquerda governa, até mais que isso detém os simbolismos da política, contudo, paradoxalmente, a hegemonia é burguesa e se faz às avessas Em suma, hegemonia às avessas seria derrotar o apartheid para servir aos senhores do apartheid. Antes, logo no governo do governo Lula, em 2003, Chico já havia lançado no mercado de idéias outra tese polêmica: a da “nova classe”, ou seja, a estranha congruência de negócios existentes no Brasil entre os “economistas” do PSBD e os “sindicalistas” do PT, os primeiros transformados em gestores de bancos privados depois de uma temporada no Banco Central, os segundos gestores dos fundos de pensão das estatais, porém, ambos amalgamados na lustrosa rede do capital financeiro.
Evidentemente, pode-se argüir, em contraponto, que o conceito de classe em Chico tem uma enorme mobilidade estrutural (tema apaixonante, mas teria que passar em revista a teoria das classes sociais, impossível num artigo curto), como também talvez seja o caso de se falar diretamente em hegemonia burguesa, em vez da cifrada e complexa “hegemonia às avessas”. Porém, indiscutivelmente, são valiosas contribuições ao debate, feitas por um intelectual que alia rara presciência e conhecimento teórico, numa trajetória que vem dos tempos da SUDENE de Celso Furtado. (Cópia do artigo de Chico disponível na internet em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_37/artigo_1162/O_avesso_do_avesso.aspx).
Recentemente, saiu na revista Novos Estudos Cebrap (http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356), importante estudo de André Singer (ex-porta voz do primeiro governo Lula, portando alguém de dentro do Palácio do Planalto), intitulado “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”. Nele, em escrita elegante, Singer detecta um realinhamento fundamental eleitoral em 2006, que pode repetir-se como fenômeno consolidado em 2010. O subproletariado – aqueles que Collor chamava de “descamisados” –, que sempre se manteve afastado de Lula, aderiu em bloco, como atestam os mapas eleitorais, depois do primeiro mandado. Passou-se subterraneamente um fenômeno estrutural, enquanto na superestrutura política acontecia a crise do “mensalão”, fazendo emergir uma nova configuração ideológica, que reúne elementos de direita e esquerda, objetivamente reunidos na figura, na teoria e prática empírica de Lula, que reúne anseios de estabilidade e ação redistributiva do Estado. A circunstância momentamente separou o Lulismo do PT, mas isso, em minha opinião, está longe de significar que as massas recém-aderentes, inorgânicas, assim o sejam por toda eternidade. Doravante, pode se constituir em esteio do próprio PT. Quando da contagem das urnas eletrônicas de 2010, com base no resultado eleitoral, saberemos do grau da adesão do novo conviva – o subproletariado – aos partidos de apoio a Lula, especialmente o PT. De pronto, as campanhas de governador e deputado devem estar a colar nos ambientes em que estas populações vivem e trabalham. Não há garimpo sem garimpeiro.
Quem erra na interpretação da realidade, dificilmente tem êxito político, conquanto este exija bem mais que boas análises. Dessa maneira, as interpretações dominantes na oposição à Lula pela esquerda cometem um erro político grasso: pensar a continuidade FHC-Lula sem dar conta da clivagem de 2006. Os discursos repetem a ladainha da continuidade do neoliberalismo e das reformas neoliberais, quando, na verdade, a realidade se apresenta mais nuançada e complexa. Ouvi um dia desses um intelectual brasileiro falar na vigência do “neoliberalismo e neodesenvolvimentismo”, buscando, através de contorcionismos, conservar, a ferro e fogo, a atualidade de uma análise superada. O neoliberalismo passou, no Brasil e internacionalmente. Melhor seria definir a fase atual como pós-neoliberal. Goethe já dizia: se cinza é toda teoria, mais verde é a árvore de vida.
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