É a hegemonia, estúpido!

Jaldes Reis de Meneses

Artigo também postado no portal www.wscom.com.br

A verdade eleitoral é simples, descomplicada mesmo. Algumas análises se mostraram corretas – entre as quais, espero, a minha – a propósito da tendência de vitória do governo nas eleições de 2010, com o tempo foram se generalizando quase como senso comum à análise política.

De que verdade está se falando? Da seguinte: Para a grande massa do eleitorado predomina a percepção de que em geral a vida tem melhorado. Existe, é certo, em contraponto, um perigoso aumento da criminalidade, a educação e a saúde precisam avançar, etc., mas o governo federal tem conseguido passar incólume às eventuais críticas – principalmente quando o assunto é segurança pública. Predomina a visão de que o país vive em um período extraordinário de sua história (alguém se lembra do “nunca antes neste país?”), de desenvolvimento econômico e elevação do prestígio internacional, assentado socialmente no aumento real do salário mínimo, no crédito consignado e nos programas sociais de transferência de renda. Só houve uma conjuntura parecida nos tempos do milagre econômico. Mas, naquele tempo, amargávamos os anos de chumbo da ditadura; hoje, o regime é de democracia política.

A conjuntura de otimismo dá o tom da campanha eleitoral. Os profissionais da política têm o faro por dever de ofício, gostam de aproveitar a onda, por isso, a enxurrada de materiais de campanha – até o luxo máximo de depoimentos no horário eleitoral – consorciados à imagem de Lula e Dilma. Quem diria que o próprio adversário eleitoral, o PSDB de José Serra, antes da estratégia vigente das denúncias, buscasse consorciar a sua imagem circunspecta à de Lula? Que o PMDB de 2010, e o séquito de oligarquias regionais que o compõem, por um passe de mágica, virassem mais um dos partidos lulistas? Encerrando o assunto PMDB, basta citar o exemplo da Paraíba, onde os candidatos ao governo e ao senado esquecem a carreira política e exibem quase como único mote o trunfo do apoio de Lula e Dilma Rousseff.

Para não dizer que não falei na Paraíba, há que se admirar da argúcia tática do senador Efraim Morais em pautar os assuntos de campanha: sem medo da classe média, pôs no ar um projeto seu aprovado no senado a propósito do 13º salário do bolsa-família. Certamente de olho em pesquisas qualitativas, em seguida Ricardo Coutinho veio à televisão anunciar, caso eleito, a adesão ao projeto. Talvez a promessa seja um dos motivos do recente crescimento da campanha de Ricardo, mais encorpada e lutando por um segundo turno. Maranhão e Wilson Santiago, acostados em sua cidadela, conseguiram um espaço em Brasília na agenda do Presidente Lula e chegaram com a boa nova: os recursos do 13º do bolsa estarão garantidos com o Pré-Sal e a contrapartida das obras federais. Tá.

A categoria política explicativa de todos estes movimentos é hegemonia. Em Gramsci, a capacidade de hegemonia advém da direção política que se imprime aos fatos, direção esta que se estende inclusive ao terreno de uma linguagem em comum, ou seja, a própria oposição, para se fazer entender, precisa falar a linguagem do governo. A hegemonia seduz. Neste sentido, apesar de demonstrar argúcia tática, ao operar no terreno simbólico da bolsa-família, o senador Efraim Morais beija o doce beijo da morte da hegemonia. Em sendo porventura eleito, ajuda a fenecer o projeto originário do DEM, de corte social liberal. Assim o faz também o candidato José Serra, quando usa imagens de Lula na TV e, ao abandonar a austeridade fiscal tucana (nunca deu voto, mesmo), promete, em lance de ousadia retórica, subir o salário mínimo em 600 reais. Em suma, a oposição perdeu desde antes do processo eleitoral a batalha da hegemonia. Tendo que ir às ruas fazer campanha, só lhe resta buscar uma vaga no lotado condomínio do adversário.

A batalha da hegemonia foi ganha desde antes pelo lulismo. Por isso, o pedido de demissão da ministra Erenice Guerra, às voltas com a denúncia de um caso escabroso de tráfico de influência, não vai inverter a tendência do eleitorado em liquidar a fatura ainda no primeiro turno. O PSDB, de última hora, procura sair da defensiva (em outros termos: escapar do beijo da morte da hegemonia), contudo, vale à pena reiterar, a adesão do grosso do eleitorado a Dilma não advêm simplesmente das circunstâncias da campanha, da conjuntura do debate eleitoral. A percepção, anterior à campanha, da melhoria da vida tende a prevalecer às denúncias, por mais verossímeis que elas se apresentem, numa espécie de escolha racional do eleitor pobre e emergente, com renda de até cinco salários mínimos, parcela decisiva de 48% do eleitorado. Minha hipótese é corroborada pelo fato, atestado em pesquisas, de que o eleitorado de Dilma está mais convicto no voto que o do próprio Serra. Dessa maneira, as eventuais movimentações nas intenções de voto, no máximo, lograrão estancar a ascensão de Dilma, jamais encetar um movimento sustentável de desistência do voto no governo em função do candidato da oposição.

Por outro lado, as denúncias na casa civil devem exorbitar à fase da campanha eleitoral e render nos próximos meses, aumentando o fosso entre governo e oposição. O fato de Dilma ter sido ministra da casa civil não é de somenos. Porém, as denúncias não deverão chegar ao ponto de produzir uma crise política grave. Os desdobramentos produzidos pela abertura das urnas deverão construir um muro de contenção.

Mais grave que as denúncias são os movimentos que lhe dão suporte. Estão se criando as condições de um duro enfrentamento futuro entre o governo os principais setores da mídia brasileira, especialmente os grupos Abril, Folha, Globo e Estado. O desgaste e a desconfiança de relacionamento são nítidos. O hipotético governo Dilma não terá refresco da chamada “grande imprensa”.

Quais são os limites de hegemonia da coligação lulista? Semelhante a qualquer populismo passado, especialmente o varguismo e o peronismo, para se manter na crista da onda, fazer a economia crescer, é um imperativo categórico. Uma sina. Qualquer retrocesso do ciclo econômico afluente afeta sobremaneira a política, pois o fiador da aliança da esquerda populista com o PMDB são precisamente os frutos do recente desenvolvimento brasileiro. Alguns analistas, argüindo o ciclo econômico de crise internacional, descrêem da capacidade de o Brasil crescer de maneira sustentável nos próximos anos. Vamos aguardar os fatos. Contudo, deve-se observar que a atual crise do capitalismo, ao contrário da crise dos anos noventa, emergiu no centro do sistema, abrindo possibilidades de crescimento econômico na periferia.

Evidentemente, há limites externos ao crescimento do Brasil – no nosso caso, por exemplo, a relação recém-criada de dependência na exportação de comotidies para o mercado chinês. Se a China por ventura for a próxima bola da vez, o Brasil estará em maus lençóis. Mesmo assim, é bobagem achar que não há escapatória ao ciclo internacional. A história do capitalismo é rica em contra-exemplos de economias que se esquivaram, por fomento das forças produtivas internas, das crises internacionais, desde que se tenha Estado, recursos naturais e inovação e tecnologia de ponta.

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