Estratégia do PSDB visa os Estados

Jaldes Reis de Meneses

Artigo publicado, em versão resumida, no portal www.wscom.com.br

Antes de ir ao ponto, devo fazer uma declaração de princípio. Abrir de ilegalmente o sigilo fiscal de qualquer cidadão trata-se de uma gravíssima violação das liberdades individuais, delito merecedor das mais duras sansões e, caso comprovado o interesse político, passível até de cassação de candidaturas. Ou não estamos a viver um momento de repúdio e limpeza às práticas delituosas no terreno da política partidária, de acordo com os preceitos da campanha “ficha limpa”?

Entretanto, há que reconhecer: embora estampado desde junho nas páginas dos jornais e circulando nas correntes e portais de internet, a antiga (tudo que é sólido desmancha no ar nos meios eletrônicos) notícia da quebra do sigilo fiscal, nos porões da arapongagem aloprada, de alguns dirigentes do PSDB, ganhou um simbolismo novo quando do envolvimento da própria filha do candidato José Serra.

Era o mote que faltava, a tábua de salvação. Transformou-se na estratégia providencial do PSBB em campanha. Não vai alterar, no essencial, o resultado da eleição presidencial, cuja fatura já está praticamente liquidada em benefício de Dilma Rousseff, contudo, além de encostar o resultado do primeiro turno, permite estancar o começo de escalada que o PT ensaiava em alguns importantes estados, a exemplo de São Paulo.

O debate sobre as investigações foi definitivamente pautado, tanto que Lula tem dado seguidas declarações sobre o caso, inclusive no horário eleitoral gratuíto. Antes navegando em céu de brigadeiro, os candidatos do PT e aliados começaram a ter que responder a perguntas incômodas. Enfim, por último, mas não último, o exército tucano, em processo de dispersão, voltou a se compactar, elemento essencial em campanhas como São Paulo, Minas e Paraná, estados nos quais a oposição tem chances reais de vitória, jóias da coroa do espólio oposicionista, trincheiras fundamentais na guerra de posição contra o futuro governo.

Assim será o minueto até os últimos dias dessa reta final: Serra abandonando ao léu tentativas de reverter o quadro do Nordeste em visitas diretas, onde as denúncias pouco alteram as tendências consolidadas, mas sentando praça no corpo-a-corpo no sul-sudeste, enquanto, na imprensa e na internet, os formadores de opinião do PSDB e a tropa de choque do DEM, cuidam de escriturar teses a rodo sobre mexicanização, estado policial, fascismo, mussolinismo, chavismo, etc. É do jogo.

Há reais possibilidades de “mexicanização” do Brasil? É preciso ir devagar com o andor. Não se vislumbra uma situação de partido único no Brasil. Sem dúvida, o lulismo veio para ficar, desequilibrando a lógica de compartilhamento conflituoso do poder entre o PT e o PSDB. Afinal de contas, Lula é o presidente da república com mais poder individual desde Geisel e o de maior empatia popular desde Vargas. Não é pouca coisa, especialmente porque o chamado “presidencialismo de coalizão” tendo a se tornar mais autocrático (presidencialista) do que realmente de coalizão. Porém, mesmo assim, para se manter na crista da onda, ele e sua criatura eleitoral, dependem em muito de uma coligação heterogênea de dez partidos, a maior parte deles mais em disputa de posições dentro do aparelho de Estado do que com um projeto único de construir um Estado em circuito fechado.

Melhor do que pensar de pronto em “mexicanização” é acompanhar as transformações do capitalismo brasileiro, e o PT e o PSDB na condição de gerentes em comum deste capitalismo. Tenho insistido que o Brasil enveredou por uma espécie de via intermediária de transformação capitalista, ademais uma afirmação bastante verossímil em se pensando a formação histórica de nosso país. Nem somos Estados Unidos (via liberal) nem China (via autocrática, capitalismo de partido único).
Mesclamos no Brasil elementos de ambos os capitalismos (Estados Unidos e China): sob a frondosa capa de um Estado constitucional, liberal e jurisdicionalizado, por exemplo, nossa estrutura sindical é estatal e corporativa, o planejamento econômico é burocraticamente centralizado (o que significa dizer que o Estado arbitra taxas de lucro – vale dizer, vencedores e perdedores). Tudo isso traz a corrupção à sombra, dimensão estrutural a um aparelho estatal que funciona como árbitro.

Evidentemente, ao falar de corrupção estrutural, os cínicos de imediato defendem a presença de uma ardilosa espécie de “mão invisível”, como a pedir por antecipação a prescrição do crime: se a questão é “estrutural” pouco importa qual a mão que retira o dinheiro do bolso. Estruturas são feixes de processos e causalidades desprovidas de mãos. Na seqüência do meu argumento, portanto, não se deve confundir “estrutural” com “cultural”. Políbio, historiador greco-romano clássico, ele mesmo um testemunho de transição entre uma sociedade em decadência (a helenística) e outra em processo de afirmação (Roma), afirmava que a sociedade corrupta é aquela cujos laços de solidariedade vão morrendo, cuja cultura entra num processo irremediável de decadência, até morrer.

O problema brasileiro está longe de ser a decadência da cultura. Nem nosso DNA é mais propenso ao roubo e à corrupção que outras sociedades, sabem-se lá, a americana ou européia. Insisto: no combate à corrupção, deve-se mirar o alvo nos aparatos do Estado, em vez de insistir em teses preconceituosas a propósito da ancestralidade de um vírus corruptor inoculado na história do Brasil. Ou seja: a corrupção brasileira hoje é menos questão do velho patrimonialismo do que do novíssimo capitalismo tardio.

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