Guerras Cambiais
Jaldes Reis de Meneses
Artigo também postado no portal www.wscom.com.br
Logo em seguida o período da guerra sucessória brasileira e o bizarro desfile de padres integristas e pastores pentecostais – meras bolinhas zoológicas de papel –, espetáculo de burrice que começa a ficar enfadonho, uma nova guerra fatal se avizinha: a guerra cambial.
Quem deu a senha, em polêmica intervenção na reunião preparatória do G20 foi o nosso ministro da Fazenda Guido Mantega, dando notícia da incapacidade de arbítrio do fluxo de moeda da parte das principais nações do globo. Foi um tento retórico e tanto: a expressão do Ministro acabou no comunicado preparatório à reunião do G20, que deve ocorrer na Coreia do Sul (Seul), daqui a alguns dias.
Realmente, a situação é crítica: o espectro da crise de 2008, para ser estancado, requer uma desvalorização do dólar, abrindo as portas para uma reanimação das exportações industriais americanas, da União Européia e de países emergentes como o Brasil. Talvez no circuito fechado dos blocos de países ocidentais, chegássemos, aos trancos e barrancos, a algum tipo de coordenação.
A situação ideal do manual econômico heterodoxo, de matriz neokeynesiana, seria retornar ao tipo de coordenação do ciclo internacional saído de Bretton Woods (1944), cujo eixo combinava administração “nacional” do ciclo industrial, com políticas monetárias e de crédito relaxadas. Ou seja, a técnica principal utilizada para tentar controlar o ciclo econômico depois de 1 945 era a política de expansão e controle encadeados do crédito.
Desse modo, para conter a amplitude das crises periódicas de superprodução do ciclo econômico curto (cinco, sete anos), aplicava-se, via de regra, medidas estatais de expansão do crédito e expansão de moeda. A característica primordial da longa fase de expansão do pós-guerra, do ponto de vista da dinâmica do funcionamento da economia capitalista internacional foi, portanto, o aparecimento de ciclos de crédito relativamente autônomos em relação ao ciclo industrial, fomentados pelos Estados capitalistas nacionais e os respectivos Bancos Centrais.
Esses artifícios da política econômica de matriz keynesiana permitiam o estabelecimento de um cordão sanitário sobre os ciclos de crise recessiva das economias nacionais, que não contaminava os demais parceiros da economia capitalista, e, além disso, permitia que as crises nacionais fossem estancadas (como foram, por exemplo, as crises cíclicas da economia norte-americana, em 1960, japonesa, em 1965, e alemã ocidental, em 1966) através de um aumento das exportações para os países que se encontravam num ciclo econômico expansivo. Enfim, voltar aos tempos de administração do ciclo industrial interno e políticas monetárias “sincronicamente dessincronizada” seria o melhor dos mundos.
Mas há um empecilho, econômico e geopolítico: a gigante economia chinesa, sem a qual qualquer tipo de coordenação é letra morta.
Não interessa à China jogar o jogo de desvalorização do dólar, abandonar a vantajosa política de cambio fixo posta em prática com ares de ortodoxia. Os chineses temem uma avalanche especulativa de dólares, conseqüentemente o aumento da inflação, além da desvalorização – principal credor – dos títulos do tesouro americano. Na impossibilidade de desvalorização coordenada, é cada um por si – o cenário de “guerra cambial” a que alude Mantega, relembrando as desastrosas “desvalorizações competitivas” unilaterais do passado, principalmente as décadas de trinta do século passado, que resultou no fortalecimento da Alemanha nazista e na segunda guerra mundial.
Aprecio a formulação de que está prestes a ocorrer uma “guerra cambial”, em vez de uma simples “crise cambial”. A crise cambial diz respeito a uma situação circunscrita a um ou alguns países em crise, ao passo que “guerra cambial” tem um escopo mais amplo, alude a uma situação que envolve todo o sistema monetário internacional.
Quando o assunto é crise cambial, o Brasil e os países periféricos são gatos escaldados: os processos de valorização/desvalorização da moeda padrão internacional, da abundância e escassez de reservas, desde a libra inglesa até o dólar americano, compõem a própria dinâmica de nossa história econômica, são fundamentais ao entendimento dos processos de conjuntura e dos ciclos internos de apogeu e crise.
É como se fosse uma sina. Nossas frágeis moedas não disputam diretamente as transações internacionais de comércio. Mais que os países centrais, estamos sempre na dependência das reservas em moeda padrão e das cotações internacionais de ca mbio. As reservas crescem em época de crescimento das exportações, mas logo se dissipam quando a conjuntura de crise reduz a exportações e a moeda local se desvaloriza, muitas vezes quebrando o Estado. A última crise cambial brasileira deu-se em começos de 1999, passada a eleição de 1998: FHC e o Presidente do Branco Central, Gustavo Franco, contra a opinião do bom senso econômico, cederam a um tipo de “populismo cambial”, deixaram o real sobrevalorizado face ao dólar por três anos, quando já a crise do México (1995) aconselhava o “deslizamento” para cima das cotações do real.
A crise cambial de 1998 estava circunscrita à periferia. Agora, se avizinha uma crise global, uma autêntica “guerra”. Como o Brasil se encontra para enfrentar a guerra? A classe média pode se fartar em viagens internacionais e consumo perdulário de artigos de luxo, mas logo deverá sobrevir, como sempre, a hora a verdade às ilusões cosmopolitas de superfície. No que tange à questão cambial, o Brasil vive uma situação-limite, sequer abordada de raspão pelos candidatos à presidente nos debates de campanha.
De todo modo, não é difícil imaginar o tratamento a ser dado por Dilma, afinal as políticas de Mantega de gradativa taxação dos capitais especulativos na entrada devem ter seqüência. Certamente, um eventual governo do azarão Serra continuaria as taxações. Mas são paliativos. Precisar-se-á urgentemente de um dólar mais fraco, desvalorizado em face do real, pois a exportações brasileiras de produtos industriais, e mesmo das comotidies, começam a encontrar sérios óbices competitivos enquanto a situação de sobrevalorização perdurar. Repete-se, numa situação mais complexa, o dilema de 1998.
Artigo também postado no portal www.wscom.com.br
Logo em seguida o período da guerra sucessória brasileira e o bizarro desfile de padres integristas e pastores pentecostais – meras bolinhas zoológicas de papel –, espetáculo de burrice que começa a ficar enfadonho, uma nova guerra fatal se avizinha: a guerra cambial.
Quem deu a senha, em polêmica intervenção na reunião preparatória do G20 foi o nosso ministro da Fazenda Guido Mantega, dando notícia da incapacidade de arbítrio do fluxo de moeda da parte das principais nações do globo. Foi um tento retórico e tanto: a expressão do Ministro acabou no comunicado preparatório à reunião do G20, que deve ocorrer na Coreia do Sul (Seul), daqui a alguns dias.
Realmente, a situação é crítica: o espectro da crise de 2008, para ser estancado, requer uma desvalorização do dólar, abrindo as portas para uma reanimação das exportações industriais americanas, da União Européia e de países emergentes como o Brasil. Talvez no circuito fechado dos blocos de países ocidentais, chegássemos, aos trancos e barrancos, a algum tipo de coordenação.
A situação ideal do manual econômico heterodoxo, de matriz neokeynesiana, seria retornar ao tipo de coordenação do ciclo internacional saído de Bretton Woods (1944), cujo eixo combinava administração “nacional” do ciclo industrial, com políticas monetárias e de crédito relaxadas. Ou seja, a técnica principal utilizada para tentar controlar o ciclo econômico depois de 1 945 era a política de expansão e controle encadeados do crédito.
Desse modo, para conter a amplitude das crises periódicas de superprodução do ciclo econômico curto (cinco, sete anos), aplicava-se, via de regra, medidas estatais de expansão do crédito e expansão de moeda. A característica primordial da longa fase de expansão do pós-guerra, do ponto de vista da dinâmica do funcionamento da economia capitalista internacional foi, portanto, o aparecimento de ciclos de crédito relativamente autônomos em relação ao ciclo industrial, fomentados pelos Estados capitalistas nacionais e os respectivos Bancos Centrais.
Esses artifícios da política econômica de matriz keynesiana permitiam o estabelecimento de um cordão sanitário sobre os ciclos de crise recessiva das economias nacionais, que não contaminava os demais parceiros da economia capitalista, e, além disso, permitia que as crises nacionais fossem estancadas (como foram, por exemplo, as crises cíclicas da economia norte-americana, em 1960, japonesa, em 1965, e alemã ocidental, em 1966) através de um aumento das exportações para os países que se encontravam num ciclo econômico expansivo. Enfim, voltar aos tempos de administração do ciclo industrial interno e políticas monetárias “sincronicamente dessincronizada” seria o melhor dos mundos.
Mas há um empecilho, econômico e geopolítico: a gigante economia chinesa, sem a qual qualquer tipo de coordenação é letra morta.
Não interessa à China jogar o jogo de desvalorização do dólar, abandonar a vantajosa política de cambio fixo posta em prática com ares de ortodoxia. Os chineses temem uma avalanche especulativa de dólares, conseqüentemente o aumento da inflação, além da desvalorização – principal credor – dos títulos do tesouro americano. Na impossibilidade de desvalorização coordenada, é cada um por si – o cenário de “guerra cambial” a que alude Mantega, relembrando as desastrosas “desvalorizações competitivas” unilaterais do passado, principalmente as décadas de trinta do século passado, que resultou no fortalecimento da Alemanha nazista e na segunda guerra mundial.
Aprecio a formulação de que está prestes a ocorrer uma “guerra cambial”, em vez de uma simples “crise cambial”. A crise cambial diz respeito a uma situação circunscrita a um ou alguns países em crise, ao passo que “guerra cambial” tem um escopo mais amplo, alude a uma situação que envolve todo o sistema monetário internacional.
Quando o assunto é crise cambial, o Brasil e os países periféricos são gatos escaldados: os processos de valorização/desvalorização da moeda padrão internacional, da abundância e escassez de reservas, desde a libra inglesa até o dólar americano, compõem a própria dinâmica de nossa história econômica, são fundamentais ao entendimento dos processos de conjuntura e dos ciclos internos de apogeu e crise.
É como se fosse uma sina. Nossas frágeis moedas não disputam diretamente as transações internacionais de comércio. Mais que os países centrais, estamos sempre na dependência das reservas em moeda padrão e das cotações internacionais de ca mbio. As reservas crescem em época de crescimento das exportações, mas logo se dissipam quando a conjuntura de crise reduz a exportações e a moeda local se desvaloriza, muitas vezes quebrando o Estado. A última crise cambial brasileira deu-se em começos de 1999, passada a eleição de 1998: FHC e o Presidente do Branco Central, Gustavo Franco, contra a opinião do bom senso econômico, cederam a um tipo de “populismo cambial”, deixaram o real sobrevalorizado face ao dólar por três anos, quando já a crise do México (1995) aconselhava o “deslizamento” para cima das cotações do real.
A crise cambial de 1998 estava circunscrita à periferia. Agora, se avizinha uma crise global, uma autêntica “guerra”. Como o Brasil se encontra para enfrentar a guerra? A classe média pode se fartar em viagens internacionais e consumo perdulário de artigos de luxo, mas logo deverá sobrevir, como sempre, a hora a verdade às ilusões cosmopolitas de superfície. No que tange à questão cambial, o Brasil vive uma situação-limite, sequer abordada de raspão pelos candidatos à presidente nos debates de campanha.
De todo modo, não é difícil imaginar o tratamento a ser dado por Dilma, afinal as políticas de Mantega de gradativa taxação dos capitais especulativos na entrada devem ter seqüência. Certamente, um eventual governo do azarão Serra continuaria as taxações. Mas são paliativos. Precisar-se-á urgentemente de um dólar mais fraco, desvalorizado em face do real, pois a exportações brasileiras de produtos industriais, e mesmo das comotidies, começam a encontrar sérios óbices competitivos enquanto a situação de sobrevalorização perdurar. Repete-se, numa situação mais complexa, o dilema de 1998.
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