Francisco de Oliveira, Doutor Honoris Causa da UFPB

Jaldes Reis de Meneses

Artigo postado no portal www.wscom.com.br

Na próxima segunda-feira (22/11), às 19:00 horas, no Auditório do CCSA, em Sessão presidida pelo Reitor Rômulo Polari, o professor Francisco de Oliveira, 76 anos, vem de São Paulo, onde reside desde os anos setenta, receber o merecido título de Doutor Honoris Causa da UFPB.

Chico, como é carinhosamente chamado em sala de aula e seminários universitários, talvez seja o último sobrevivente de uma geração, mais que de intelectuais, de heróis: com pouco mais de vinte anos, recém-graduado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco e funcionário do quadro técnico do Banco do Nordeste, foi chamado por Celso Furtado, sem apadrinhamento político de qualquer espécie, a assumir a Vice-Presidência da SUDENE. Na verdade, mais que Vice-Presidente, Chico de Oliveira compartilhou com Celso uma espécie de direção política do período mais importante da história do nordeste brasileiro. Fez história muito cedo, estava com Miguel Arraes no Palácio das Princesas no exato momento em que o ex-governador enfrentou os generais da nova ditadura. Teve que partir do seu Recife que tanto ama e foi rodar o mundo na condição de funcionário da CEPAL, México, Guatemala e, enfim, de volta ao Brasil, São Paulo.

Chico de Oliveira conheceu bem a velha João Pessoa, principalmente o bairro da Torre, de sua primeira mulher, morta ainda nos anos setenta, e a Sapé que fervilhava a agitação revolucionária das ligas camponesas. Nada disso é somente passado, pois habita na memória. De passado, transforma-se em argamassa da personalidade do homem que viveu e aparece nos mínimos e desinteressados gestos. A experiência vivida torna-se traço de personalidade. Por isso, Chico de Oliveira é um intelectual crítico, avesso aos cantos do poder e do cooptação, fiel, senão à letra, ao sentido ético e moral do burburinho das ruas do nordeste efervescente que queria acabar com o latifúndio e realizar a reforma agrária.

Da revolução gorada no nordeste – a noiva faltou ao encontro marcado, tanto que foi adiado – aos ares do mundo. Hoje, trata-se de um truísmo afirmar que o professor Francisco de Oliveira, Professor Emérito da Universidade de São Paulo (USP) é hoje um dos principais intelectuais brasileiros. Autor de uma respeitável obra de estudos sociológicos, hoje clássicos, tais como Elegia para uma re(li)gião (1977), A economia da dependência imperfeita (1989), Os direitos do antivalor (1998) e o recente e polêmico artigo O ornitorrinco, incluído no volume Crítica à razão dualista/o ornitorrinco (2003), o professor mantém-se ativo, repleto de compromissos e com uma produção intelectual intensa de quem não fica parado e pensa as questões atinentes ao Brasil e à evolução recente do capitalismo em tempo integral.
Impressiona a capacidade renovação do pensamento de Chico de Oliveira. Sempre munido da razão crítica contra o cinismo dos sem-razão, estamos diante de um pensamento em movimento, irônico e curioso, que se vale com rigor e sem preconceitos de vários matizes intelectuais, talvez para surpresa dos dogmáticos – acostumados à macaqueação como meio de sobrevivência –, num escopo que vai, por exemplo, Antonio Gramsci, Walter Benjamin e Jurgen Habermas a Michel Foucault.

Sobretudo, Chico de Oliveira vai beber nas lições metodológicas da crítica da economia política de Marx, a qual renovou na formulação da teoria do antivalor, injetando política onde muitos conseguiam divisar somente uma espécie de movimento automatizado do capital. Lênin estava correto ao afirmar que o imperialismo significava a fusão do capital comercial e industrial (o mercantilismo e a revolução industrial, amalgamados), gerador de um novo tipo de capital financeiro e uma cúpula de poder, a oligarquia financeira. Ainda assim, distraído, relevou, nesta escalada de poder, o ápice de tudo, o banco central e o Estado, conforme acabamos de assistir no episódio de tentativa de salvação, da parte do FED e do governo Obama, que despejou 600 bilhões de dólares (a propósito de recompra de títulos do tesouro) no mercado financeiro internacional, mico que deve ser, em última instância, pago por países emergentes, como o Brasil.

A recompra de títulos pelo FED nada mais é que o antivalor em ação.

Alguma pessoa em sã consciência pode negar a existência de duas grandes poéticas em Marx? Uma primeira contida na crítica da economia política; e a segunda, nos estudos históricos sobre a França revolucionária oitocentista. Antevimos, assim, a uma alegoria: o Shakespeare de O mercador de Veneza no Marx de O capital (economia política); bem como no Marx o de 18 brumário de Luis Bonaparte (estudos históricos e políticos) elementos da escritura do poder desvelada em um Macbeth – mas podia ser Hamlet ou qualquer das fábulas políticas shakespearianas. A sinfonia de sonhos, máscaras e espectros do teatro elizabetano do século XVI, foi reeditado em Marx como metáfora do jogo político na luta de classes. Os personagens vão se reinterpretando. Por seu turno, Chico de Oliveira faz uso magistral de ambas as poéticas marxianas, denso e elíptico como João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos.

Nas pegadas do método histórico de Marx, Chico de Oliveira é um fino analista da conjuntura, empenhado em análises dos principais acontecimentos da hora presente. Nas respostas às nossas perguntas, sentimos algo como uma ressonância da atitude desmistificadora de o 18 brumário, no tocante à análise das forças políticas em presença. Marx foi escritor de obras primas e formulador de uma teoria política realista, numa autêntica analítica das relações de força, fundamentada no preceito de que as lutas políticas são os resultados da evolução das lutas de classes, mesmo quando estas parecem se eclipsar, como acontece atualmente. Acostumado aos ventos e trovadas na aventura de compreender um país de história complexa e original como o Brasil, igualmente ao mouro alemão, Chico de Oliveira é ciente da dura materialidade dos enfrentamentos sociais, e que por trás da conciliação – lição de Walter Benjamin –, na verdade, se esconde a derrota, contudo, na mesma cápsula, pode-se divisar - cintilante lusco-fusco que pode avolumar -, a memória dos oprimidos.

Enfim, um clássico do pensamento brasileiro.

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