Paraíba: microcosmos do Nordeste

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No começo dos anos 1980 um deputado paraibano do chamado “grupo autêntico” do PMDB procurou uma personalidade nascida em Pombal, recém anistiado, cujo nome de cientista tinha alcance mundial, propondo a sua pré-candidatura a governador da Paraíba. O nome do deputado era Marcondes Gadelha é a personalidade, Celso Furtado, que topou depois de consultado antigos companheiros de jornada na SUDENE – alguns expatriados e outros residindo inclusive na Paraíba –, o desafio.

Cavalheiro andante em busca de mais uma (frustrada) navegação venturosa, Furtado se emprenhou pelos caminhos da Paraíba, comendo poeira estrada afora, principalmente ministrando palestras sistemáticas, brilhantes, racionais, chamativas mais ao cérebro que ao coração, onde quer que fosse convidado. Previsivelmente, a candidatura gorou. Na verdade, Celso Furtado fora joguete de uma simples manobra tática, postergatória, do setor do PMDB que o convidara, acossado pelo espectro do retorno do Antonio Mariz (que havia saído, junto com João Agripino, para fundar o efêmero PP de Tancredo Neves, mas poderia retornar como aconteceu realmente em seguida).

No entanto – desafeito às rasteiras da pequena política paraibana –, o tempo de Celso Furtado não foi inteiramente perdido. A pseudocampanha teve ao menos, em lenitivo, a serventia de um cérebro poderoso refletir a Paraíba, neste caso a partir dos parâmetros de sua reflexão sobre o nordeste, formulando um insight, publicado no livro A nova dependência (1982), que funciona como uma espécie de embocadura: a pequena Paraíba é o microcosmos do nordeste.

Uma vez criada a expectativa, embora longa, devo transcrever a citação por inteiro: “O Estado da Paraíba constitui de alguma forma uma miniatura do Nordeste, pois ali estão representadas de forma equilibrada as três áreas que definem o perfil ecológico regional. Em primeiro lugar está a faixa úmida litorânea dominada secularmente pela monocultura canavieira. Em seguida mostra-se a área agrestina intermediária, tradicionalmente caracterizada pela policultura. Por último, cobrindo metade da superfície do Estado e contendo cerca de metade da população, perfila-se a área sertaneja, onde uma pecuária extensiva se integra com atividades comerciais e de subsistência. Os dados do censo de 1980 revelam que a população urbana já é superior à rural e se distribui por todo o Estado. A capital, com 290 mil habitantes, não congrega mais de um quinto da população urbana. Uma observação mais detida da economia desse Estado talvez seja a forma mais fácil de captar o essencial da problemática nordestina.”

A definição precisa de Celso Furtado primava pela ecologia, a geografia e a economia, que evoluíram desde então. Irei doravante aproveitá-la visando abordar a política, tecendo breves considerações.

Ao inverso da descrição de dispersão populacional – conquanto o autor fotografe o fenômeno de corrida do campo rumo às cidades –, hoje, os centros urbanos são demograficamente mais adensados, havendo ao menos duas grandes regiões metropolitanas – João Pessoa e Campina Grande, cuja importância política cresceu enormemente.

Encontra-se em processo na Paraíba, na condição de microcosmos retardatário do nordeste, uma mudança no eixo de rotação política, resultado das decisões de desenvolvimento levadas a cabo desde os tempos dos militares, às quais, evidentemente, cabem críticas, mas, por demorado, me abstenho de fazê-las no momento. Apenas, a propósito, arremato com a frase de Nelson Rodrigues: subdesenvolvimento (ou dependência, processos de internacionalização do mercado interno) não se improvisa, é uma obra de profissionais.


Enfim, talvez esteja no fenômeno da concentração urbana o calção estrutural da vitória recente de uma liderança política nascida e criada em João Pessoa, Ricardo Coutinho, ascendendo à condição de governador (antes, só Tarcisio Burity, exceção ungida pela ditadura, confirme a regra antecedente de predominância política do interior).

Por outro lado, para além dos sinais ideológicos das postulações (minha visada no momento e tão somente estrutural), se existe a mudança também se manifesta a resistência, compondo uma contradição. Neste sentido, detectamos uma contradição no resultado eleitoral nas eleições de governador vis-à-vis as eleições proporcionais, que persistem distritalizadas. No caso das eleições de deputado federal salta aos olhos que dos doze representantes eleitos, oito sejam oriundos de famílias de origem oligárquica. Ou seja: encontra-se em presença, na mesma capsula, a mudança e a resistência à mudança.

Quais são as categorias interpretativas desta realidade? Por extenso, deixo a resposta para o artigo da próxima semana.

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