Brasil e Estados Unidos (notas à margem provocadas pela visita de Obama ao Brasil)

Jaldes Reis de Meneses

Pode-se afirmar que a longe relação dos Brasil com os Estados Unidos começa mesmo antes de nossa independência política, na simpatia que os inconfidentes mineiros demostraram em relação ao processo de independência norte-americano, visto com um exemplo a ser seguido. Do lado dos Estados Unidos, a recíproca era verdadeira: a insurreição de Minas Gerais repercutiu no congresso americano.

Ainda mais: do ponto de vista do pensamento intelectual brasileiro, vale ressaltar que há uma linhagem, que tem seu ponto de começo mais elaborado em Joaquim Nabuco, mas extrapola, depois, por exemplo, para Sérgio Buarque. Embora pensadores distintos, os dois preconizaram em algum momento da carreira o chamado americanismo como uma via de atualização da modernidade no Brasil, como ultrapassagem do rito patrimonialista e ibérico. Mesmo no caso de Gilberto Freyre, cuja obra se exime da crítica frontal ao patrimonialismo, há muita simpatia para com os Estados Unidos, especialmente o ethos liberal e individualista. Recordo estas questões para chamar a atenção de que embora haja tanto no mundo político como intelectual brasileiro uma tendência antiamericana, também existe a outra face da moeda, e este lado, antes de entrar em considerações sobre alianças interestatais (que poderia ou não ser concertadas, ao sabor das conjunturas), sugeriu uma aproximação da cultura brasileira vis-à-vis o exemplo norte-americano.

Não se pode afirmar que o projeto do “americanismo” brasileiro tenha fracassado. Antes ao contrário, ele foi interveniente e realizou-se em nosso processo de revolução burguesa (1930-1980, mais ou menos) por uma via original, de amalgama de “americanismo”e “iberismo”, se podemos dizer assim. Ou seja: o amalgama brasileiro de americanismo e iberismo operou, no mesmo processo histórico, fazendo emergir o novo e atualizado o antigo, por exemplo, adotando no mundo fabril as relações contratuais privadas e os métodos de trabalho americanos (o fordismo), contudo preservando no terreno das relações público-estatais elementos do mundo agrário mandonista.

Na verdade, é fundamental perceber a seguinte questão: a expansão do americanismo e do fordismo foram processos universais, uma maré montante de hegemonia mundial dos Estados Unidos, nação vencedora de duas guerras mundiais e com um projeto de sociedade de consumo para apresentar ao mundo. Hoje, começam a obscurecerem-se as virtualidades hegemônicas do projeto norte-americano, inclusive no plano da cultura. O mandato de Barack Obama é representativo dessas circunstâncias de encruzilhada do poder norte-americano, no qual os Estados Unidos não podem mais conduzir um ou vários degraus acima dos parceiros a governança mundial. Acabou-se a época de ditar por alto, por assim dizer, o poder de hegemonia redistribui-se, principalmente com a China.

Neste sentido, se a recente visita de Barack Obama não trouxe exatamente grandes novidades, entretanto o discurso da liderança obamista é bastante claro no sentido de reconhecer que o Brasil subiu degraus de importância no concerto das relações internacionais. Embora não tenha defendido com fervor a presença no Brasil no Conselho de Segurança da ONU, Obama afirmou que os Estados Unidos têm “apreço” (percebam o conteúdo anódino da palavra), o fato é de que pela primeira vez um chefe de Estado americano reconheceu – e em território brasileiro – a legitimidade da postulação do Brasil.

Quais serão os desdobramentos de futuro da relação Brasil-Estados Unidos? Sedutor, Obama “flertou”. A bola agora está com o governo brasileiro, e certamente a vindoura visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos sirva para esclarecer aspectos da posição do Brasil. Vamos querer exercer em partilha uma posição de liderança no hemisfério sul? Os Estados Unidos terão ou não participação ativa no usufruto das riquezas do pré-sal? As decisões brasileiras não são fáceis, pois qualquer alinhamento maior com os Estados Unidos significa “desalinhar” outras alianças.

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