Em defesa de Chico Cesar
Jaldes Reis de Meneses
A Paraíba tem a vocação das ruínas: se compraz no exercício sado-masoquista de tentar demolir as pessoas que tiveram a ousadia de fazer o caminho da aventura, os que tiveram a coragem de enfiar as roupas na mala, os que pegaram o ita do norte rumo ao êxito, vencendo preconceitos e se afirmando na linguagem universal da arte. Alguns morreram sem ter o reconhecimento em vida, como na letra do samba de Nelson Cavaquinho, a exemplo de Augusto dos Anjos. É triste afirmar, mas praticamente todos os nossos grandes artistas foram ou o são discriminados em vida: foi assim como José Lins do Rego, ainda é assim com Ariano Suassuna – só muito recentemente reconciliado com a Paraíba – e Elba Ramalho. Aparentemente, parece que preferimos vê-los de longe, no pedestal, mas os queremos afastados do convívio cotidiano.
Sequer se trata de acatar, integralmente, na polêmica, as eventuais posições estéticas de Chico Cesar. Contudo, é golpe baixo mentiroso afirmar (li artigos que o comparavam a Torquemada) que ele propôs censura a qualquer forma de manifestação artística: simplesmente, ele chamou à reflexão de que o dinheiro público não deveria financiar as chamadas bandas de “forró de plástico”, pois essas já são financiadas pelo mercado e o público adepto lota praças públicas e auditórios privados. No mundo da vida, o mercado não é o único valor, sequer o principal. Trata-se de fazer escolhas, um exercício permanente em qualquer atividade pública, inclusive em cultura: nas festas juninas, o Estado deve privilegiar financiar essas bandas ou os escassos recursos públicos devem financiar artistas e manifestações culturais reconhecidas – inclusive para o sucesso popular da festa –, mas sem valor de mercado.
Para mim, que gosto sem preconceitos beletristas, embora medindo as diferenças, tanto de Bach, Beethoven e Mozart como da pegada rítmica das bandas de axé e das de forró de plástico, faço uma ponderação: rigorosamente, essas bandas são uma contrapartida rústica, regional, de um fenômeno da evolução da música no qual os meios técnicos superam o artesanato individual do artista moderno. Tal fato, despercebido pelos que se acomodam à pura recepção, foi anotado, por exemplo, pelo compositor Gilberto Gil na letra de uma recente canção tão pouco conhecida como o genial samba – “Máquina de ritmo”, na qual a memória eletrônica possui a capacidade de armazenar todos os compassos, todas as células sonoras, rítmicas e melódicas do passado e do presente, inteiramente à disposição dos engenheiros de som e dos empresários. Trata-se, portanto, mais de selecionar do que propriamente criar, ou talvez, de criar através da seleção. Tudo muito bom e barato, a história da criação musical toda ao dispor do mercado, que pode reciclá-la infinitamente, como quiser e quando quiser.
No caso das bandas de forró de plástico, a seleção das unidades rítmicas do passado da música nordestina, acoplado a informações do brega e da música caribenha (duas influências evidentes), junto acompanha também a polêmica dos valores, em virtude das letras em geral serem discriminatórias às mulheres e cultuarem sem dúvida uma concepção machista de mundo. Sem jamais censurar, por outro lado não vejo motivos plausíveis de o Estado se empenhar a difundir valores que mais servem ao aprisionamento do que à liberdade das consciências.
Caso o debate fosse travado de maneira serena, talvez essas questões viessem à luz. Mas em vez do diálogo, procura-se antes enxovalhar reputações: alguns, na Paraíba, têm a vocação das ruínas.
A Paraíba tem a vocação das ruínas: se compraz no exercício sado-masoquista de tentar demolir as pessoas que tiveram a ousadia de fazer o caminho da aventura, os que tiveram a coragem de enfiar as roupas na mala, os que pegaram o ita do norte rumo ao êxito, vencendo preconceitos e se afirmando na linguagem universal da arte. Alguns morreram sem ter o reconhecimento em vida, como na letra do samba de Nelson Cavaquinho, a exemplo de Augusto dos Anjos. É triste afirmar, mas praticamente todos os nossos grandes artistas foram ou o são discriminados em vida: foi assim como José Lins do Rego, ainda é assim com Ariano Suassuna – só muito recentemente reconciliado com a Paraíba – e Elba Ramalho. Aparentemente, parece que preferimos vê-los de longe, no pedestal, mas os queremos afastados do convívio cotidiano.
Sequer se trata de acatar, integralmente, na polêmica, as eventuais posições estéticas de Chico Cesar. Contudo, é golpe baixo mentiroso afirmar (li artigos que o comparavam a Torquemada) que ele propôs censura a qualquer forma de manifestação artística: simplesmente, ele chamou à reflexão de que o dinheiro público não deveria financiar as chamadas bandas de “forró de plástico”, pois essas já são financiadas pelo mercado e o público adepto lota praças públicas e auditórios privados. No mundo da vida, o mercado não é o único valor, sequer o principal. Trata-se de fazer escolhas, um exercício permanente em qualquer atividade pública, inclusive em cultura: nas festas juninas, o Estado deve privilegiar financiar essas bandas ou os escassos recursos públicos devem financiar artistas e manifestações culturais reconhecidas – inclusive para o sucesso popular da festa –, mas sem valor de mercado.
Para mim, que gosto sem preconceitos beletristas, embora medindo as diferenças, tanto de Bach, Beethoven e Mozart como da pegada rítmica das bandas de axé e das de forró de plástico, faço uma ponderação: rigorosamente, essas bandas são uma contrapartida rústica, regional, de um fenômeno da evolução da música no qual os meios técnicos superam o artesanato individual do artista moderno. Tal fato, despercebido pelos que se acomodam à pura recepção, foi anotado, por exemplo, pelo compositor Gilberto Gil na letra de uma recente canção tão pouco conhecida como o genial samba – “Máquina de ritmo”, na qual a memória eletrônica possui a capacidade de armazenar todos os compassos, todas as células sonoras, rítmicas e melódicas do passado e do presente, inteiramente à disposição dos engenheiros de som e dos empresários. Trata-se, portanto, mais de selecionar do que propriamente criar, ou talvez, de criar através da seleção. Tudo muito bom e barato, a história da criação musical toda ao dispor do mercado, que pode reciclá-la infinitamente, como quiser e quando quiser.
No caso das bandas de forró de plástico, a seleção das unidades rítmicas do passado da música nordestina, acoplado a informações do brega e da música caribenha (duas influências evidentes), junto acompanha também a polêmica dos valores, em virtude das letras em geral serem discriminatórias às mulheres e cultuarem sem dúvida uma concepção machista de mundo. Sem jamais censurar, por outro lado não vejo motivos plausíveis de o Estado se empenhar a difundir valores que mais servem ao aprisionamento do que à liberdade das consciências.
Caso o debate fosse travado de maneira serena, talvez essas questões viessem à luz. Mas em vez do diálogo, procura-se antes enxovalhar reputações: alguns, na Paraíba, têm a vocação das ruínas.
Comentários
Chico Cesar cravou com muita justeza os pingos nos "IS" e denuncia qual o nível de debate que se trava nessas ramagens, ou seja, nenhum.
No entanto essa coisa do Estado bancar a cultura do mercado não se restringe ao campo da música, é prática comum, consolidada e, não questionada.
Faço uma ilação com às vésperas da implantação do hipotético MAP -Museu de arte da Paraíba-, as discussões que se travaram, pelo menos publicamente, apontam para um vício comum do Estado cultural neoliberal brasileiro surgido nos anos 90: O alimento do mito da superioridade hirárquica, estética,política e filosófica da arte contemporanea; e essa hipotética e ideológica superioridade tem lhe outorgado o direito de exclusão de outras linguagens, como por ex: a arte moderna, essa prática tem sido comum e corriqueira Brasil a fora, e com dinheiro público.
Jozildo Dias
Uma vez me recomendaram ler "A Tirania da Malícia", que fala justamente sobre esse tipo de fenômeno.Está na minha lista de leitura pq eu entender essa mentalidade. Parabéns. Abçs.
Abaixo a Ditadura!
abs Fátima Pessoa
*abs prof. Jaldes e grata pelo espaço onde pude me colocar como porta-voz daqueles que não cncordam com a maneira truculenta usada por aqueles que estão no "PODER".
FatinhaPessoa
Abs, Danilo