EUA: do que é feito uma crise?
Jaldes Reis de Meneses
Este artigo se propõe a defender em rápidas linhas um argumento polêmico, com um enfoque diferente da maioria dos artigos publicados na imprensa escrita ou na internet quando o tema é a crise internacional.
Qual a diferença? Os artigos em geral explicam a crise com base nos dados estatísticos e econômicos, daí chegam, por dedução, à fácil conclusão, até ocular, de que o ciclo econômico capitalista, desde finais de 2008, com o evento da quebra dos títulos imobiliários americanos, entrou em uma perigosa fase de sobras cujo desfecho, qualquer que seja, reorganizará em profundidade o modo de operação do sistema no mundo.
Embora seja verdadeiro, no entanto, o pecado dessa argumentação é o unidimencionalismo: ao mesmo tempo em que se põe a indispensável visada nos aglomerados macroeconômicos, é preciso tentar compreender as mutações no universo da política e o que se passa na cabeça da população americana, desta vez, em vez da periferia, junto com a Europa, o epicentro da crise do capitalismo.
Sem dúvida, a eleição de Barack Obama, um negro de nome e descendência paterna muçulmana mudou a face de política americana. Contudo, as mudanças mais profundas só começaram de fato a ficar claras agora, no litígio entre o presidente democrata e os republicanos sobre a elevação do teto da dívida pública americana.
Em princípio, a elevação do teto da dívida deveria ser um fato corriqueiro, pois, na prática, a dívida americana deixou de ter teto plausível desde 1971, quando, em medida unilateral, o tesouro americano abandonou a conversibilidade do dólar com o ouro, derruindo o principal alicerce das instituições de Bretton Woods (1944). O céu é o limite. Aliás, desde então, o poder do dólar passou a ser precisamente a capacidade de emissão de uma moeda de livre circulação internacional sem lastro. Do corriqueiro à grave crise. Brincam com fogo, sequer entendem os fundamentos da hegemonia americana desde década de 1970, por isso, os parlamentares republicanos que advogam o tal teto, realmente sideral, de 14,200 trilhões de dólares de endividamento.
Nesta votação, os Estados Unidos vivem a sua encruzilhada histórica, a travessia de seu Rubicão político (o rio em cujas margens César resolveu desobedecer ao senado romano) e não simplesmente econômico. Caso prevaleça a posição dos “duros” do Partido Republicano, nada será como antes, pois a política deu um giro absoluto, ou seja, este partido passou de conservador à populista, tendência já prenunciada desde a fundação do movimento do Tea Party, em 2009.
Quando se fala em populismo, de imediato as nossas lembranças, na América Latina, são Vargas e Perón, que comandaram processos de industrialização e distribuição de renda, ou seja, foram populistas em momentos de afluência. Atualmente, as semelhanças são formais, mas o conteúdo é distinto. No caso americano, sucede um populismo de baixa, da crise e do medo, por conseqüência, reativo e violento.
Jamais, em tempos recentes, a sociedade americana viveu uma encruzilhada política de natureza tão decisiva: a emersão de um populismo de massas de caráter protofascista. Novamente, não se pode confundir o populismo do começo do século XX nos Estados Unidos com o atual, quando se clamava contra o movimento do monopólio dos preços pelos trustes, como se dizia à época. Afora o aspecto que o velho populismo ligou-se mais ao Partido Democrata e foi importante na criação de alguns movimentos sociais que marcaram época pela proximidade com idéias de esquerda.
Qualquer populismo, principalmente o reativo, sempre é uma forma primária de mistificação ideológica. Para existir, ele precisa criar um “inimigo”, externo ou interno, e com base neste antagonismo, cindir a sociedade entre o “bem” e o “mal”, os “puros” e os “pecaminosos”. No caso concreto, a contradição criada é entre a “América profunda” versus os “cosmopolitas de Wall Street” e os “latinos migrantes”, o andar de cima e o debaixo, o sótão e o porão da sociedade. Trata-se de clivagens típicas do discurso populista: embora tenham algo de verdadeiro, no fundo tais contradições são falsas, ainda mais, se distanciam do nervo da crise.
Não cabe na cabeça de um, digamos, americano médio seduzido pelo discurso populista do Tea Party e outros agrupamentos, que eles e Wall Street hoje compõem partes de um mesmo barco à deriva, ambos se beneficiaram de longos 40 anos de emissões sem lastros. Sem quisessem romper com Wall Street, em vez de clamar contra as políticas sociais, deveriam exatamente aliar-se a quem garroteia: a surda América subcidadã dos pobres, dos negros e dos imigrantes. Mas, neste caso, estaríamos dando um passo além do populismo.
Este artigo se propõe a defender em rápidas linhas um argumento polêmico, com um enfoque diferente da maioria dos artigos publicados na imprensa escrita ou na internet quando o tema é a crise internacional.
Qual a diferença? Os artigos em geral explicam a crise com base nos dados estatísticos e econômicos, daí chegam, por dedução, à fácil conclusão, até ocular, de que o ciclo econômico capitalista, desde finais de 2008, com o evento da quebra dos títulos imobiliários americanos, entrou em uma perigosa fase de sobras cujo desfecho, qualquer que seja, reorganizará em profundidade o modo de operação do sistema no mundo.
Embora seja verdadeiro, no entanto, o pecado dessa argumentação é o unidimencionalismo: ao mesmo tempo em que se põe a indispensável visada nos aglomerados macroeconômicos, é preciso tentar compreender as mutações no universo da política e o que se passa na cabeça da população americana, desta vez, em vez da periferia, junto com a Europa, o epicentro da crise do capitalismo.
Sem dúvida, a eleição de Barack Obama, um negro de nome e descendência paterna muçulmana mudou a face de política americana. Contudo, as mudanças mais profundas só começaram de fato a ficar claras agora, no litígio entre o presidente democrata e os republicanos sobre a elevação do teto da dívida pública americana.
Em princípio, a elevação do teto da dívida deveria ser um fato corriqueiro, pois, na prática, a dívida americana deixou de ter teto plausível desde 1971, quando, em medida unilateral, o tesouro americano abandonou a conversibilidade do dólar com o ouro, derruindo o principal alicerce das instituições de Bretton Woods (1944). O céu é o limite. Aliás, desde então, o poder do dólar passou a ser precisamente a capacidade de emissão de uma moeda de livre circulação internacional sem lastro. Do corriqueiro à grave crise. Brincam com fogo, sequer entendem os fundamentos da hegemonia americana desde década de 1970, por isso, os parlamentares republicanos que advogam o tal teto, realmente sideral, de 14,200 trilhões de dólares de endividamento.
Nesta votação, os Estados Unidos vivem a sua encruzilhada histórica, a travessia de seu Rubicão político (o rio em cujas margens César resolveu desobedecer ao senado romano) e não simplesmente econômico. Caso prevaleça a posição dos “duros” do Partido Republicano, nada será como antes, pois a política deu um giro absoluto, ou seja, este partido passou de conservador à populista, tendência já prenunciada desde a fundação do movimento do Tea Party, em 2009.
Quando se fala em populismo, de imediato as nossas lembranças, na América Latina, são Vargas e Perón, que comandaram processos de industrialização e distribuição de renda, ou seja, foram populistas em momentos de afluência. Atualmente, as semelhanças são formais, mas o conteúdo é distinto. No caso americano, sucede um populismo de baixa, da crise e do medo, por conseqüência, reativo e violento.
Jamais, em tempos recentes, a sociedade americana viveu uma encruzilhada política de natureza tão decisiva: a emersão de um populismo de massas de caráter protofascista. Novamente, não se pode confundir o populismo do começo do século XX nos Estados Unidos com o atual, quando se clamava contra o movimento do monopólio dos preços pelos trustes, como se dizia à época. Afora o aspecto que o velho populismo ligou-se mais ao Partido Democrata e foi importante na criação de alguns movimentos sociais que marcaram época pela proximidade com idéias de esquerda.
Qualquer populismo, principalmente o reativo, sempre é uma forma primária de mistificação ideológica. Para existir, ele precisa criar um “inimigo”, externo ou interno, e com base neste antagonismo, cindir a sociedade entre o “bem” e o “mal”, os “puros” e os “pecaminosos”. No caso concreto, a contradição criada é entre a “América profunda” versus os “cosmopolitas de Wall Street” e os “latinos migrantes”, o andar de cima e o debaixo, o sótão e o porão da sociedade. Trata-se de clivagens típicas do discurso populista: embora tenham algo de verdadeiro, no fundo tais contradições são falsas, ainda mais, se distanciam do nervo da crise.
Não cabe na cabeça de um, digamos, americano médio seduzido pelo discurso populista do Tea Party e outros agrupamentos, que eles e Wall Street hoje compõem partes de um mesmo barco à deriva, ambos se beneficiaram de longos 40 anos de emissões sem lastros. Sem quisessem romper com Wall Street, em vez de clamar contra as políticas sociais, deveriam exatamente aliar-se a quem garroteia: a surda América subcidadã dos pobres, dos negros e dos imigrantes. Mas, neste caso, estaríamos dando um passo além do populismo.
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