EUA: A trégua será provisória
Jaldes Reis de Meneses
A crise norte-americana da elevação do teto da dívida, que engalfinhou durante todo o mês de junho o governo Barack Obama e a oposição do Partido Republicano, antes de simplesmente econômica, é muito mais séria. A crise é política e de hegemonia. Por isso, o acordo entabulado no apagar das luzes do domingo, votado de última hora ontem (segunda-feira, 01/08) na Câmara dos Representantes, a ser votado no Senado hoje (terça-feira, 02/08), apenas adia um duelo cujo palco principal deverá ser as eleições presidenciais de 2012.
Houve um empate técnico. O principal emblema da crise de hegemonia é que o acordo atual não satisfez os contendores – principalmente os pólos das alas à direita e à esquerda dos partidos republicano e democrático. Ninguém saiu vencedor, embora o método de chantagem dos republicanos tenha arrancado um êxito parcial (não taxar os ricos, cortes no orçamento público). Tanto que os votos contrários, insatisfeitos, ao inverso das previsões dos analistas, que contavam com um forte boicote do Tea Party, afinal não acontecido, foram localizados mais na bancada democrata (95 votos). Emblema da insatisfação, o economista prêmio Nobel Paul Krugman, afirmou alto e bom som que, acaso parlamentar, votaria NÃO. Obama teve que ceder os anéis para não perder os dedos. Animais carnívoros, sedentos de sangue e carne, os republicanos se posicionaram mais afiados para os enfretamentos de 2012.
Em momentos de crise de hegemonia, posições centristas como a de Obama tendem a ir-se esvaindo. São muitos os casos históricos. Cito um exemplo máximo de centrismo: lembremo-nos do papel de Kérensky, chefe do governo provisório na primeira Revolução Russa (fevereiro-outubro de 1917). Pressionado por todos os lados, Kérensky tentou uma solução intermediária entre os bolcheviques, mencheviques e cadetes liberais – os primeiros reivindicando o poder aos sovietes e os outros uma constituinte clássica. Resultado: tentou conciliar o inconciliável e terminou apeado do poder pelos bolcheviques.
Embora as situações sejam bastante distintas (a crise americana está longe de ser uma situação revolucionária!), Obama tem muito da pinta de Kérensky. Pode até ser um candidato bom de voto e novamente ganhar as eleições vindouras face deserto de nomes críveis do republicanos, todavia já demostrou que seu eventual segundo mandato, em vez de resolver, será de continuidade da crise.
Insistindo em crise de hegemonia, há uma outra analogia possível entre a história russa e os Estados Unidos. Exemplo de mau agouro, o outrora império soviético ruiu por dentro: a partir de certo momento da década de 1980, o partido comunista no poder não conseguia coesão social para a realizar um conjunto das reformas econômicas, sociais e políticas de que precisava para sobreviver, sintetizadas nas famosas e festejadas (falo dos anos 80) políticas da Gasnost e da Perestroika, que despertaram tanto otimismo como decepção. Há em Obama algum resíduo de Kéresky, mas também de Gorbachev.
Ninguém reina em casa didivida. O império americano permanecerá em perigosa circunstância enquanto houver empate técnico nas disputas internas. Embora no plano das relações internacionais não haja contestação à vista ao poderio americano (a boa vontade “excessiva” das agências de classificação de risco simplesmente atesta o vazio de alternativa externa à crise), nem substituto ao dólar no papel de moeda de transação de total aceitação (curiosa moeda internacional emitida exclusivamente por uma autoridade monetária nacional), os Estados Unidos encontram-se na perigosa situação de uma nação desprovida projeto nacional coeso.
Um abismo separa o chauvinismo do Tea Party das posições sociais democratas da ala liberal do Partido Democrático, na verdade emblema político de superestrutura do abismo societário de perspectivas de vida entre o tipo ideal do americano branco do interior – cendente ao canto de sereia do populismo – e os imigrantes, os negros, a juventude e a classe média cosmopolista – tendentes à esquerda e o multiculturalismo.
2012 promete. A preço de hoje, as posições políticas e ideológicas se radicalizaram sem retorno nos Estados Unidos e somente uma batalha política de largo fôlego resolverá o problema. Quanto a Obama, pobre príncipe sem força. Vazio, transformado em promessa pretérida de mudança, ele parece não ter podido.
A crise norte-americana da elevação do teto da dívida, que engalfinhou durante todo o mês de junho o governo Barack Obama e a oposição do Partido Republicano, antes de simplesmente econômica, é muito mais séria. A crise é política e de hegemonia. Por isso, o acordo entabulado no apagar das luzes do domingo, votado de última hora ontem (segunda-feira, 01/08) na Câmara dos Representantes, a ser votado no Senado hoje (terça-feira, 02/08), apenas adia um duelo cujo palco principal deverá ser as eleições presidenciais de 2012.
Houve um empate técnico. O principal emblema da crise de hegemonia é que o acordo atual não satisfez os contendores – principalmente os pólos das alas à direita e à esquerda dos partidos republicano e democrático. Ninguém saiu vencedor, embora o método de chantagem dos republicanos tenha arrancado um êxito parcial (não taxar os ricos, cortes no orçamento público). Tanto que os votos contrários, insatisfeitos, ao inverso das previsões dos analistas, que contavam com um forte boicote do Tea Party, afinal não acontecido, foram localizados mais na bancada democrata (95 votos). Emblema da insatisfação, o economista prêmio Nobel Paul Krugman, afirmou alto e bom som que, acaso parlamentar, votaria NÃO. Obama teve que ceder os anéis para não perder os dedos. Animais carnívoros, sedentos de sangue e carne, os republicanos se posicionaram mais afiados para os enfretamentos de 2012.
Em momentos de crise de hegemonia, posições centristas como a de Obama tendem a ir-se esvaindo. São muitos os casos históricos. Cito um exemplo máximo de centrismo: lembremo-nos do papel de Kérensky, chefe do governo provisório na primeira Revolução Russa (fevereiro-outubro de 1917). Pressionado por todos os lados, Kérensky tentou uma solução intermediária entre os bolcheviques, mencheviques e cadetes liberais – os primeiros reivindicando o poder aos sovietes e os outros uma constituinte clássica. Resultado: tentou conciliar o inconciliável e terminou apeado do poder pelos bolcheviques.
Embora as situações sejam bastante distintas (a crise americana está longe de ser uma situação revolucionária!), Obama tem muito da pinta de Kérensky. Pode até ser um candidato bom de voto e novamente ganhar as eleições vindouras face deserto de nomes críveis do republicanos, todavia já demostrou que seu eventual segundo mandato, em vez de resolver, será de continuidade da crise.
Insistindo em crise de hegemonia, há uma outra analogia possível entre a história russa e os Estados Unidos. Exemplo de mau agouro, o outrora império soviético ruiu por dentro: a partir de certo momento da década de 1980, o partido comunista no poder não conseguia coesão social para a realizar um conjunto das reformas econômicas, sociais e políticas de que precisava para sobreviver, sintetizadas nas famosas e festejadas (falo dos anos 80) políticas da Gasnost e da Perestroika, que despertaram tanto otimismo como decepção. Há em Obama algum resíduo de Kéresky, mas também de Gorbachev.
Ninguém reina em casa didivida. O império americano permanecerá em perigosa circunstância enquanto houver empate técnico nas disputas internas. Embora no plano das relações internacionais não haja contestação à vista ao poderio americano (a boa vontade “excessiva” das agências de classificação de risco simplesmente atesta o vazio de alternativa externa à crise), nem substituto ao dólar no papel de moeda de transação de total aceitação (curiosa moeda internacional emitida exclusivamente por uma autoridade monetária nacional), os Estados Unidos encontram-se na perigosa situação de uma nação desprovida projeto nacional coeso.
Um abismo separa o chauvinismo do Tea Party das posições sociais democratas da ala liberal do Partido Democrático, na verdade emblema político de superestrutura do abismo societário de perspectivas de vida entre o tipo ideal do americano branco do interior – cendente ao canto de sereia do populismo – e os imigrantes, os negros, a juventude e a classe média cosmopolista – tendentes à esquerda e o multiculturalismo.
2012 promete. A preço de hoje, as posições políticas e ideológicas se radicalizaram sem retorno nos Estados Unidos e somente uma batalha política de largo fôlego resolverá o problema. Quanto a Obama, pobre príncipe sem força. Vazio, transformado em promessa pretérida de mudança, ele parece não ter podido.
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