Política e Estado

Jaldes Reis de Meneses

Nota inicial: Pretendo de vez em quando (talvez de mês e mês) aproveitar esta janela no WSCOM para dissertar, de maneira simples e com o mínimo de jargão possível, sobre alguns temas, conceitos e autores fundamentais do mundo em que vivemos. Quero escrever simples, mas com fundamento nas melhores idéias e autores. Talvez depois de alguns anos saia desses artigos um livro simples, composto de ensaios livres. Continuarei, é claro, nas demais semanas, a escrever sobre a conjuntura nacional e internacional, e algumas vezes sobre cultura. Como não poderia deixar de ser em meu caso, começo pela relação entre Política e Estado.

O poeta Manuel Bandeira tem um verso que diz assim: não quero mais saber da poesia que não tenha a ver com libertação. Se alguém quiser saber qual o principal valor envolvido na atividade política, o poeta cantou o mote: a liberdade. Por isso, já sabiam os gregos – que foram os inventores do conceito de política, não da política propriamente dita, pois essa existiu desde sempre em todas as sociedades –, a política se trata da mais enriquecedora atividade humana. Pode-se afirmar sem erro que há uma "nobreza" sem título em quem faz política.

Estou falando, nos termos de Gramsci, é claro, da “grande política”, da atividade estudada na filosofia política, que decide os rumos da sociedade, não da “pequena política”, das futricas de bastidores que nada decidem, apenas reiteram. Um dos problemas da política hoje é exatamente este: há “pequena política” em demasia, ao inverso da escassez da “grande política”.

Gostaria de esclarecer polemicamente que sendo o objeto precípuo da política a liberdade, por outro lado, não poder ser mais a felicidade. Talvez, neste caso, o ideal dos jacobinos franceses, que buscaram, no século XVIII, conjugar política e liberdade com felicidade, deva ser arquivado. Saint Just, portanto, estava heroicamente equivocado quando bradou na Convenção francesa de 1792, no auge da revolução que mudou o mundo, que “a felicidade é a boa nova que percorre a Europa”. Pode haver liberdade sem haver felicidade, embora a liberdade seja uma condição da felicidade.

Continuando o jogo de negações, a política nada tem a ver com a paz, ao contrário, pode ser o aviso da guerra, como já afirmava Rousseau quando lembrava que a liberdade deve enterrar sem medo as aspirações de paz quando se trata de enfrentar a tirania.

De onde provém a política, qual o seu mistério? A mais clássica de todas as definições, a de Aristóteles, é insuperável: a política provém da capacidade de falar facultada aos homens. Apenas os homens falam, por isso fazem política, sintetizado na fórmula aristotélica do zoon politikon (animal político). Por isso, política e linguagem são umbilicalmente ligadas. Contudo, tributário da concepção de cosmos e tempo de sua época – cíclico, geocêntrico e harmônico –, Aristóteles pensou através de um esquema organicista da política, no qual as instâncias as instâncias inferiores (a família) já operam como prenúncio necessário, determinístico, das instâncias superiores (o Estado). Dessa maneira, naturaliza-se o Estado.

Nada mais distante da feição de um elemento de natureza do que o Estado. Vale à pena insistir: o Estado é uma criação humana, com data de nascimento e talvez, um dia, de desaparecimento. A eternidade do Estado é simplesmente um mito. O senso comum tanto referencia o Estado que faz questão de grifar a letra inicial da palavra em maiúscula. Por isso, na teoria política, embora distante de veleidades anarquistas, que não aprecio (em termos filosóficos, os anarquistas apenas negam o Estado sem apresentar nenhuma positividade para sucedê-lo), sou adepto dos autores críticos e negativos em relação com o Estado, de Espinosa, a Marx e a Gramsci. Busco não esquecer a lição do velho Nietzsche – outro crítico ferrenho do Estado -, de que ele é “o mais frio e cruel dos monstros”. Aliás, disso já sabia um estatólatra da capacidade de Hobbes – não é à toa que ele homenageou um monstro no título de sua obra de louvação do Estado, justamente o Leviatã.

Ter perdido de vista o horizonte da possibilidade do desaparecimento, um dia, do Estado sem dúvida vem a ser o principal problema da política que se pratica no mundo hoje, inclusive a dos movimentos sociais. Quem fita o horizonte máximo na prática está se aproximando da liberdade, ou seja, fazendo de fato a “grande política”.

De uma maneira ou de outra, por mais críticos que pareçam quase todos hoje fazem a política do Estado. Quais são as exceções? Sempre digo, até mesmo a quem faz política por dentro do aparelho de Estado (uma necessidade histórica, pois o Estado é a instituição fundamental da política na modernidade, pois só ele universaliza – eis mais uma de minhas diferenças com os anarquistas), que é preciso saber que o Estado, longe de ser natural, é uma criação histórica; portanto, pode e deve ser superado.

Para emancipar-se, antes de tudo é preciso ver-se o horizonte da emancipação que se quer. O próximo pequeno ensaio, no mês de outubro, retornará com a questão do poder, explicando a minha segunda diferença com os anarquistas.

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