Europa

Jaldes Reis de Meneses

Para entender melhor o que está acontecendo na Europa é preciso se afastar um pouco das tertúlias do dia a dia e conhecer a história. Quando, hoje, os chefes de Estado da França e da Alemanha, Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, apesar das diferenças internas, finalmente apertam as mãos e estabelecem uma única proposta (união fiscal, imposto sobre operações financeiras, auxílio em dinheiro para estancar a crise de liquidez dos bancos, etc.) aos demais parceiros da União Européia, eles repetem o mesmo incerto e surpreendente gesto que fizeram Robert Schuman e Konrad Adenauer, sob as bênçãos dos Estados Unidos e desconfianças da Inglaterra, entabularam um processo de negociacoes que culminou, no remoto ano de 1951, na criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, através dos protocolos do Tratado de Paris, base da futura União Européia.

Desde então, França e Alemanha, esqueceram a história do século XIX, o acordo de Versalhes (1918), as disputas territoriais da Alsácia-Lorena (precisamente as regiões das fontes energéticas do carvão e do aço) e acertaram um projeto hegemônico comum. Doravante, França e Alemanha – a primeira, uma nação de império decadente; a segunda, a grande derrotada da guerra recém finda – pretendiam passar a compor o núcleo duro de um pequeno continente de 5,5 milhões de km2 (excluindo a Rússia e a Turquia), menor que a área do Brasil, mas um caldeirão de raças, línguas e culturas.

É verdade que a chamada cristandade, encarnados pelo antigo Império Carolíngio (França) e o Sacro Império Germânico, poderia ser invocada como um traço unitário de longa duração da Europa, bem como do pacto franco-germânico. As longas durações costumam enganar. Neste sentido, o projeto da União Européia, ao inverso da cristandade, é absolutamente moderno. Ou seja, do ponto de vista político, o que se pretende é a criação de um complexo bloco regional laico e cosmopolita, arrefecido de qualquer simbiose entre religião e política. Mas nem tanto. Para além da religião institucional, contudo, não deve ser considerado elemento fortuito que, tanto no passado como no presente, através de Schuman/Adenauer e Sarkozy/Merkel, são os mesmos partidos, ambos situado no centro-direita, moderados e católicos, que se dão as mãos em torno do projeto europeu.

Gostaria de dissipar este mito: rigorosamente, o projeto de união da Europa no pós-guerra não tem origem na esquerda, trabalhista, social democrática ou comunista. Na verdade, ele apareceu como uma tábua de salvação pragmática de duas classes dominantes cansadas e derrotadas, em busca de saída para os respectivos capitalismos. No começo, quem operou como verdadeiros intelectuais orgânico deste novo projeto foram os partidos católicos. Com o tempo, logo a social democracia incorporou o projeto da união da Europa, trazendo a classe operária para o compromisso de classe. Ampliaram-se as bases sociais do projeto europeu.

De todo modo, a União Européia trata-se de uma uma complexa engenharia econômica, um acordo racional das elites, mas sempre teve dificuldades de passar pelo crivo da soberania popular. Nao é à toa que o cidadão europeu comum costuma falar com desprezo nos “burocratas de Bruxelas”. Reside precisamente neste aspecto, a dificuldade em dotar a União Européia de um arcabouço institucional atinente à democracia e a soberania popular, a raiz, o nervo, da crise política de mais longo prazo, que soma-se ao ritmo voraz da econômica atual. Por isso, as decisões das cúpulas européias sempre foram recebidas à forceps pelo homem comum. Há muito mal estar represado na sociedade civil dos parceiros da União Européia, que explode nas formas simplistas, mas eficazes, do populismo político e econômico, uma corrente que tem futuro próximo no mundo europeu, não se enganem. Gramsci teria uma fórmula sintética para tudo isso: há um gravíssimo déficit de hegemonia nas instituições européias.

O nosso Aristides Lobo, à guisa da proclamação da República pelo Marechal Deodoro, dizia que o povo assistiu a tudo aquilo bestializado. Coisa parecida está acontecendo na Europa. Recentemente, tivemos na Grécia e na Itália dois golpes brancos de Estado. Esta é a metodologia da crise. Na Grécia, caiu o primeiro ministro porque se atreveu a propor um referendo para os acordos com a União Européia e o FMI. Na Itália, o bufão Berlusconi cedeu a cadeira a um circunspecto professor universitário oriundo do capital financeiro e sua equipe de ministros, como eles mesmo se dizem, “apolíticos”. Mas sempre há limites à bestializaçao... Até quando resistirá a União Européia?

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