A política da dose de uísque

Jaldes Reis de Meneses

Quanto mais uma sociedade realizar reformas mais ela se aproxima da revolução. A frase é de Alexis de Tocqueville, nas palavras finais de “O antigo regime e a revolução” (1856), obra clássica do pensamento moderno. Como se deduz facilmente, um dos sentidos da frase de Tocqueville é uma contradita ao pensamento convencional de que a as concessões, o atendimento das reivindicações, necessariamente conduz ao apaziguamento dos conflitos. O segundo sentido é mais sofisticado: as reformas abrem o caminho das revoluções por que o seu resultado possibilita o aparecimento de novas forças sociais com vocação de hegemonia política.

Trato neste artigo do primeiro sentido de Tocqueville. O resultado da reforma nem sempre é concertar a paz. Política é primariamente (prestem a atenção na carga simbólica deste advérbio), como o sabiam pensadores distintos como Nietzsche ou Gramsci, uma relação de forças, uma espécie de queda de braço, muitas vezes trágica, entre dois contendores.

Só pode haver a paz caso os dois lados estejam dispostos a concertá-la. Senão, o lado que oferecer o gesto de estender a mão pode ser avaliado, pelo outro lado, como uma oportunidade de desferir um mais um golpe. Neste caso, pouco interessa ao agressor a verdade da reforma. Por isso, por torcer a verdade, a política destrutiva de encarar a relação de forças como simples manifestação de uma vontade atávica de potência, é primária. Trata-se de um veneno perigoso: pode um dia voltar-se contra a quem a pratica.

Somente quem é do PSTU – este simpático partido trotskista brasileiro –, deve saber de primeira quem foi Mahuel Moreno. À grande maioria, devo apresentá-lo como um dirigente da IV Internacional, que formulou uma leitura interessante do chamado “Programa de transição”, escrito pelo velho Leon Trotsky em 1939, às vésperas da segunda guerra mundial visando realizar, em período de aguda crise do capitalismo, uma saída revolucionária. A partir da leitura do manifesto de Trotsky, Moreno criou o que denominou de “política das exigências”, ou seja, em negociações de movimentos sindicais e econômicos, deve-se exigir sempre um grau acima das possibilidades, pois assim expõem-se em praça pública os limites e as contradições da exploração capitalista. O objetivo dos trotskistas é altruísta: bem ou mal, pretendem fazer a revolução.

Mas existe a perversão da “política das exigências” – em geral aplicada de maneira intuitiva por gente que nada tem a ver com trotskismo e corre de medo de uma revolução –, que gosto de chamar de “política da dose de uísque”. À medida que o sujeito vai fazendo exigências “um grau acima”, o álcool vai subindo à cabeça, os números vão se embaralhando, as realidades vão se assombrando e virando delírio.

Alguma coisa a ver com a oposição paraibana?

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