As raízes da popularidade de Dilma
Jaldes Reis de Meneses
Cultivo há vários anos um hábito que aconselho às pessoas que pretendem acompanhar sistematicamente os movimentos de conjuntura política no Brasil: vasculhar muito mais além dos atores principais que ocupam a primeira página dos jornais, seja estes atores as principais lideranças e os principais partidos, os grandes jornalistas ou os malsinados “formadores de opinião”. Por exemplo, para acompanhar a conjuntura no Brasil é preciso saber como estão pensando os núcleos intervenientes, mas situados à margem do espectro político, ausentes das casas parlamentares e do jogo institucional palaciano, desde a ultra-esquerda (PSTU, PCB, etc.) até os generais de pijama do Clube Militar do Rio de Janeiro.
Em tempos recentes começou a circular no campo da ultra-esquerda uma expressão síntese em mal português, visando abarcar a totalidade da situação brasileira em 2012, mas que na verdade simplesmente reflete a perplexidade analítica de quem a enuncia: apassivação. Como é óbvio, apassivação significa que a sociedade brasileira, passado o período tumultuoso da chamada “década perdida” (anos oitenta), derrubada a inflação e criado o plano real, a partir de 1994 começou aos poucos a entrar num período novo de domínio burguês, no qual o Estado e as elites enfim possuem nas mãos os cordéis de apaziguamento do conflito social. O apaziguamento estreou nos anos de FCH, foi aperfeiçoado na era Lula e encontra seu momento de maturidade neste primeiro ano de governo Dilma. Trata-se de um aproveitamento livre do conceito de revolução passiva de Antonio Gramsci, porém sem a riqueza heurística das sugestões do genial filósofo político italiano.
Em Gramsci, revolução passiva não significa calmaria. Ao contrário. Na interpretação de Gramsci, os processos de revolução passiva, em vez de “apassivação” são de intensas “transformações moleculares”, ou seja, enquanto a superestrutura política aparenta imobilidade, por baixo, nas estruturas sociais, ocorre uma seqüência de alterações cujo resultado, ao cabo, será a modificação da própria superestrutura. Desta maneira, “apassivação” é somente aparência, vivemos no Brasil uma dessas seqüências de transformações moleculares na estrutura social. Parafraseando Galileu Galilei, “eppur si muove”.
A grande “transformação molecular” brasileira contemporânea é o complexo processo de afluência social de ascensão das classes mais baixas ao consumo permanente, um fenômeno social formidável de fomento do mercado interno, de alguma maneira revirando e realizando, quando menos se esperava, as velhas programáticas populistas do discurso pré-1964 de lideranças como Leonel Brizola e Miguel Arraes. Ao revés dos defensores da tese do apaziguamento, a afluência social dos de baixo está longe de interditar a luta de classes.
Neste ínterim, cabe um comentário, lateral, mas importante: em geral, o processo de afluência das classes mais baixas tem sido interpretado erroneamente como a criação de uma “nova classe média de tipo C”. Na verdade, o que estamos a assistir é a formação de uma nova classe trabalhadora, uma passagem da condição de subproletarização de milhões de brasileiros para o acesso ao trabalho formal ou até ao empreendedorismo individual, mas de todo modo vinculado ao mundo do trabalho. A quem duvidar, basta consultar os dados referentes ao desemprego do IBGE: embora a realidade ao mesmo tempo subdesenvolvida e neoliberal da informalidade perdure, a dinâmica econômica ascendente encontra-se hoje no mercado de trabalho formal.
Alguns devem ato contínuo perguntar: se a dinâmica social atual situa-se no mundo do trabalho qual o papel do bolsa-família e demais programas de transferência de renda? Para surpresa dos críticos à esquerda e à direita – que se contentam com um crítica moralizante –, a enorme importância do bolsa-família reside no seu papel estrutural de fomento das condições do trabalho popular no Brasil.
Explico-me. O bolsa-família tem um sem-número de papeis, vários deles descobertos na própria execução e nos estudos a posteriori do programa. Para mim, somente agora, com o aprofundamento dos estudos acadêmicos, estamos chegando a formular uma economia política dos programas de transferência de renda, saindo da cilada moral de que transferência de renda é esmola.
Logo que foram lançados, tais programas foram interpretados – correta e insuficientemente – na dimensão política da hegemonia (basta recordar os usos e abusos de Lula na exploração popular do programa) e na dimensão econômica – de viés neokeynesiano – de um incentivo em renda ao consumo dos pobres. São as dimensões mais evidentes, sem dúvida. Todavia, o bolsa-família é também fundamental na dimensão menos evidente da produção e reprodução da força de trabalho, ou seja, nas condicionalidades do programa, como a obrigação de escolaridade dos filhos e a atualização do cartão de saúde, configuram, minimamente, que seja, uma unificação do mercado de trabalho no Brasil. Somente os que desconhecem o Brasil, podem subestimar o impacto que contém tais condicionalidades, do Acre ao Rio de Grande do Sul, doravante, para o acesso ao mercado de trabalho requisita-se uma escolaridade mínimade mínima e um cuidado com a saúde. Nos termos de Marx, portanto, bolsa-família é também produção.
Ninguém dá nada de graça. Muito menos os pobres. Este é o equivoco da tese da apassivação. O historiador Jorge Ferreira carioca escreveu um livro bastante instrutivo sobre o apoio popular ao presidente Getúlio Vargas nos tempos do Estado Novo, “Trabalhadores do Brasil – o imaginário popular (1930-1945)", no qual ele seleciona as cartas que pessoas comuns do povo enviavam ao presidente-ditador. Distante de qualquer adesão sem permuta constata-se na leitura do livro todo um jogo espontâneo de contrapartidas, em linguagem simples, entre o ditador e seus apoiadores.
Neste sentido, as raízes da popularidade de Dilma (aprovação de 59% e 61% entre os que estudaram até o ensino fundamental, anunciado na pesquisa Datafolha de ontem, 23/01/2012) são ainda a continuidade das políticas plantadas principalmente no segundo mandato do presidente Lula. A era do Lulismo segue continuidade, agora com Dilma à frente. Enganam-se os que creditam na “faxina” (a demissão de alguns ministros) o eixo da popularidade de Dilma. Embora domine o noticiário na grande imprensa e nos portais da internet, a faxina funciona mais como um plus, um bem-vindo complemento de popularidade. Este, aliás, o erro da oposição institucional do PSDB, cujo foco exclusivo reside nas denúncias. Cai e entra ministro, enquanto, molecularmente, segue ativo o diálogo e a permuta entre a presidente e as classes sociais emergentes.
Cultivo há vários anos um hábito que aconselho às pessoas que pretendem acompanhar sistematicamente os movimentos de conjuntura política no Brasil: vasculhar muito mais além dos atores principais que ocupam a primeira página dos jornais, seja estes atores as principais lideranças e os principais partidos, os grandes jornalistas ou os malsinados “formadores de opinião”. Por exemplo, para acompanhar a conjuntura no Brasil é preciso saber como estão pensando os núcleos intervenientes, mas situados à margem do espectro político, ausentes das casas parlamentares e do jogo institucional palaciano, desde a ultra-esquerda (PSTU, PCB, etc.) até os generais de pijama do Clube Militar do Rio de Janeiro.
Em tempos recentes começou a circular no campo da ultra-esquerda uma expressão síntese em mal português, visando abarcar a totalidade da situação brasileira em 2012, mas que na verdade simplesmente reflete a perplexidade analítica de quem a enuncia: apassivação. Como é óbvio, apassivação significa que a sociedade brasileira, passado o período tumultuoso da chamada “década perdida” (anos oitenta), derrubada a inflação e criado o plano real, a partir de 1994 começou aos poucos a entrar num período novo de domínio burguês, no qual o Estado e as elites enfim possuem nas mãos os cordéis de apaziguamento do conflito social. O apaziguamento estreou nos anos de FCH, foi aperfeiçoado na era Lula e encontra seu momento de maturidade neste primeiro ano de governo Dilma. Trata-se de um aproveitamento livre do conceito de revolução passiva de Antonio Gramsci, porém sem a riqueza heurística das sugestões do genial filósofo político italiano.
Em Gramsci, revolução passiva não significa calmaria. Ao contrário. Na interpretação de Gramsci, os processos de revolução passiva, em vez de “apassivação” são de intensas “transformações moleculares”, ou seja, enquanto a superestrutura política aparenta imobilidade, por baixo, nas estruturas sociais, ocorre uma seqüência de alterações cujo resultado, ao cabo, será a modificação da própria superestrutura. Desta maneira, “apassivação” é somente aparência, vivemos no Brasil uma dessas seqüências de transformações moleculares na estrutura social. Parafraseando Galileu Galilei, “eppur si muove”.
A grande “transformação molecular” brasileira contemporânea é o complexo processo de afluência social de ascensão das classes mais baixas ao consumo permanente, um fenômeno social formidável de fomento do mercado interno, de alguma maneira revirando e realizando, quando menos se esperava, as velhas programáticas populistas do discurso pré-1964 de lideranças como Leonel Brizola e Miguel Arraes. Ao revés dos defensores da tese do apaziguamento, a afluência social dos de baixo está longe de interditar a luta de classes.
Neste ínterim, cabe um comentário, lateral, mas importante: em geral, o processo de afluência das classes mais baixas tem sido interpretado erroneamente como a criação de uma “nova classe média de tipo C”. Na verdade, o que estamos a assistir é a formação de uma nova classe trabalhadora, uma passagem da condição de subproletarização de milhões de brasileiros para o acesso ao trabalho formal ou até ao empreendedorismo individual, mas de todo modo vinculado ao mundo do trabalho. A quem duvidar, basta consultar os dados referentes ao desemprego do IBGE: embora a realidade ao mesmo tempo subdesenvolvida e neoliberal da informalidade perdure, a dinâmica econômica ascendente encontra-se hoje no mercado de trabalho formal.
Alguns devem ato contínuo perguntar: se a dinâmica social atual situa-se no mundo do trabalho qual o papel do bolsa-família e demais programas de transferência de renda? Para surpresa dos críticos à esquerda e à direita – que se contentam com um crítica moralizante –, a enorme importância do bolsa-família reside no seu papel estrutural de fomento das condições do trabalho popular no Brasil.
Explico-me. O bolsa-família tem um sem-número de papeis, vários deles descobertos na própria execução e nos estudos a posteriori do programa. Para mim, somente agora, com o aprofundamento dos estudos acadêmicos, estamos chegando a formular uma economia política dos programas de transferência de renda, saindo da cilada moral de que transferência de renda é esmola.
Logo que foram lançados, tais programas foram interpretados – correta e insuficientemente – na dimensão política da hegemonia (basta recordar os usos e abusos de Lula na exploração popular do programa) e na dimensão econômica – de viés neokeynesiano – de um incentivo em renda ao consumo dos pobres. São as dimensões mais evidentes, sem dúvida. Todavia, o bolsa-família é também fundamental na dimensão menos evidente da produção e reprodução da força de trabalho, ou seja, nas condicionalidades do programa, como a obrigação de escolaridade dos filhos e a atualização do cartão de saúde, configuram, minimamente, que seja, uma unificação do mercado de trabalho no Brasil. Somente os que desconhecem o Brasil, podem subestimar o impacto que contém tais condicionalidades, do Acre ao Rio de Grande do Sul, doravante, para o acesso ao mercado de trabalho requisita-se uma escolaridade mínimade mínima e um cuidado com a saúde. Nos termos de Marx, portanto, bolsa-família é também produção.
Ninguém dá nada de graça. Muito menos os pobres. Este é o equivoco da tese da apassivação. O historiador Jorge Ferreira carioca escreveu um livro bastante instrutivo sobre o apoio popular ao presidente Getúlio Vargas nos tempos do Estado Novo, “Trabalhadores do Brasil – o imaginário popular (1930-1945)", no qual ele seleciona as cartas que pessoas comuns do povo enviavam ao presidente-ditador. Distante de qualquer adesão sem permuta constata-se na leitura do livro todo um jogo espontâneo de contrapartidas, em linguagem simples, entre o ditador e seus apoiadores.
Neste sentido, as raízes da popularidade de Dilma (aprovação de 59% e 61% entre os que estudaram até o ensino fundamental, anunciado na pesquisa Datafolha de ontem, 23/01/2012) são ainda a continuidade das políticas plantadas principalmente no segundo mandato do presidente Lula. A era do Lulismo segue continuidade, agora com Dilma à frente. Enganam-se os que creditam na “faxina” (a demissão de alguns ministros) o eixo da popularidade de Dilma. Embora domine o noticiário na grande imprensa e nos portais da internet, a faxina funciona mais como um plus, um bem-vindo complemento de popularidade. Este, aliás, o erro da oposição institucional do PSDB, cujo foco exclusivo reside nas denúncias. Cai e entra ministro, enquanto, molecularmente, segue ativo o diálogo e a permuta entre a presidente e as classes sociais emergentes.
Comentários