1922 e o bloco histórico
Comecei neste domingo a colaborar com uma coluna quinzenal no JORNAL DA PARAÍBA. O artigo de estréia, em 28 linhas, necessariamente sintético, segue abaixo, acrescentado de algumas palavras:
1922 e o bloco histórico
Jaldes Reis de Meneses
Comemoramos em fevereiro os 90 anos da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, e vamos comemorar no dia 25 de março também os 90 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em Niterói. São dois acontecimentos capitais para entender o Brasil no século XX. Poucos sabem quando estão fazendo o alcance histórico de suas atitudes, mas compunha o discurso tanto dos jovens artistas burgueses de São Paulo – Mário e Oswald de Andrade –, como dos intelectuais trabalhadores reunidos em Niterói – Astrogildo Pereira e Cristiano Cordeiro –, a percepção de que alguma nova estava acontecendo.
Naqueles acontecimentos, sem dúvida, estavam sendo plantadas as sementes do Brasil moderno. São acontecimentos aparentemente sem relação direta. Contudo, logo os processos, à maneira de uma combustão química, entrariam em confluência e resultaria no movimento de 1930 (mais uma data), liderado por um senhor de meia idade gaucho, Getúlio Vargas, de origem progressista positivista e alinhado à oligarquia regional.
Consegui reunir em poucas linhas o fio principal da história do Brasil contemporâneo. Sei que omiti muita coisa, mas disse o mais importante: 1922 foi o ensaio geral e 1930 o primeiro ato. Ao longo dos anos, formei uma interpretação sistemática de nossa história com base nestas duas datas – 1930 e 1985. Estas duas datas formam aquilo que o filósofo italiano Antonio Gramsci chamava de “bloco histórico”, ou seja, uma temporalidade única cujos componentes articulados são cultura, economia e política.
A crise da ditadura e a ascensão da nova república em 1985 significaram bem mais que o fim do regime autoritário. Foi-se junto também o Estado desenvolvimentista e o projeto de modernidade brasileira (de direita e de esquerda). Recordo tudo isso ao finalizar a leitura do livro do jornalista da Folha de S. Paulo Marcos Augusto Gonçalves, “1922 – a semana que não terminou” (Cia das Letras, 2012). O livro é bom, o título leve, literário e mercadológico (uma colagem de “1822” de Laurentino Gomes com “1968 – o ano que não terminou”, de Zuenir Ventura), mas equivocado: 1922 e 1930 morreram para sempre. Parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade, maior poeta modernista brasileiro, 1922 é um retrato na parede. Mas como dói.
Nas artes, as vanguardas artísticas se esgotaram esteticamente. Na política, Afonso Arinos de Melo Franco saudou o PCB como o primeiro prenúncio de existência no Brasil de um partido moderno de classes dotado de programa, caso não fosse logo em seguida posto na ilegalidade. Quimeras do tempo que não mais existem no Brasil. Só nos resta encerrar este pequeno artigo com um tom misto de melancólico e irônico – viva Michel Teló, o mais fino biscoito de nossa cultura de massas e genuína mercadoria de exportação.
1922 e o bloco histórico
Jaldes Reis de Meneses
Comemoramos em fevereiro os 90 anos da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, e vamos comemorar no dia 25 de março também os 90 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em Niterói. São dois acontecimentos capitais para entender o Brasil no século XX. Poucos sabem quando estão fazendo o alcance histórico de suas atitudes, mas compunha o discurso tanto dos jovens artistas burgueses de São Paulo – Mário e Oswald de Andrade –, como dos intelectuais trabalhadores reunidos em Niterói – Astrogildo Pereira e Cristiano Cordeiro –, a percepção de que alguma nova estava acontecendo.
Naqueles acontecimentos, sem dúvida, estavam sendo plantadas as sementes do Brasil moderno. São acontecimentos aparentemente sem relação direta. Contudo, logo os processos, à maneira de uma combustão química, entrariam em confluência e resultaria no movimento de 1930 (mais uma data), liderado por um senhor de meia idade gaucho, Getúlio Vargas, de origem progressista positivista e alinhado à oligarquia regional.
Consegui reunir em poucas linhas o fio principal da história do Brasil contemporâneo. Sei que omiti muita coisa, mas disse o mais importante: 1922 foi o ensaio geral e 1930 o primeiro ato. Ao longo dos anos, formei uma interpretação sistemática de nossa história com base nestas duas datas – 1930 e 1985. Estas duas datas formam aquilo que o filósofo italiano Antonio Gramsci chamava de “bloco histórico”, ou seja, uma temporalidade única cujos componentes articulados são cultura, economia e política.
A crise da ditadura e a ascensão da nova república em 1985 significaram bem mais que o fim do regime autoritário. Foi-se junto também o Estado desenvolvimentista e o projeto de modernidade brasileira (de direita e de esquerda). Recordo tudo isso ao finalizar a leitura do livro do jornalista da Folha de S. Paulo Marcos Augusto Gonçalves, “1922 – a semana que não terminou” (Cia das Letras, 2012). O livro é bom, o título leve, literário e mercadológico (uma colagem de “1822” de Laurentino Gomes com “1968 – o ano que não terminou”, de Zuenir Ventura), mas equivocado: 1922 e 1930 morreram para sempre. Parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade, maior poeta modernista brasileiro, 1922 é um retrato na parede. Mas como dói.
Nas artes, as vanguardas artísticas se esgotaram esteticamente. Na política, Afonso Arinos de Melo Franco saudou o PCB como o primeiro prenúncio de existência no Brasil de um partido moderno de classes dotado de programa, caso não fosse logo em seguida posto na ilegalidade. Quimeras do tempo que não mais existem no Brasil. Só nos resta encerrar este pequeno artigo com um tom misto de melancólico e irônico – viva Michel Teló, o mais fino biscoito de nossa cultura de massas e genuína mercadoria de exportação.
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