... (1964-1974)
Jaldes Reis de Meneses
Acabei de assistir a “Quando o carnaval chegar” de Cacá Diegues (1972) no Canal Brasil (TV a cabo), com Chico Buarque, Nara Leão e Maria Bethania, reunindo canções da era do rádio e depois canções que se tornaram clássicas (Baioque, Bom Conselho, etc.). Já havia assistido ao filme muito cedo, aos 12 anos, em meus tempos de pré-adolescência numa sessão da tarde de terça-feira no desaparecido Cine Plaza, em frente ao Ponto de Cem Réis, em João Pessoa. À noite, me lembro como se fosse hoje, seguiram-se discussões sobre o filme na casa de Silvio Osias (hoje jornalista) em Jaguaribe, não lembro bem com quais outros amigos, mas era um grupo de uns quatro ou cinco. Fui apresentado ao golpe de 1964 pela via da chanchada e da alegoria.
Não há como deixar de derramar algumas discretas lágrimas nos olhos: até hoje tenho de cor as canções do filme, mas havia esquecido a trama, que acabei de recuperar. Em termos de cinematografia, “Quando o carnaval chegar” ensaia elementos dramatúrgicos que logo em seguida estarão novamente presentes em outros filmes brasileiros, tanto em By By Brasil (obra prima de Cácá Diegues, de longe o seu mais inspirado filme) como em “Vai trabalhar Vagabundo (Carvana). Um empresário misto de trapalhão e picareta (Hugo Carvana) contratou a trupe de Chico, Nara e Bethania – no filme Paulinho, Mimi e Rosa – para cantar e animar a festa do Anjo (a ditadura). São muitas as sequências de indecisão, inclusive com um triangulo amoroso, mas os artistas enfim recusam o convite (na verdade, uma imposição) do Anjo (a ditadura militar). Sem imposição, no entanto, a festa acaba chegando espontaneamente, sem ditadura nem Anjo malvados, ao carnaval, alegria que prescinde de ordens de cima. Como a censura deixou à época passar a esta descarga de alta voltagem de Kriptonita?
Criança quase no colo, não tenho a mínima memória pessoal do golpe de 31 de março (ou primeiro de abril) de 1964. Talvez o meu pai Celso que tanto amo (já morto de tantas saudades) escutando o rádio e falando coisas incompreensíveis ao filho... Já de 1968, lembro porque o colégio Pio XII ficou um mês parado, e no retorno, em conversas no pátio do colégio apareciam palavras difusas como UNE e estudantes. A minha memória sentimental do golpe, vem dos 12 anos em plena década de 1970, pois me politizo muito cedo, vem do Jaguaribe que guardo dentro de mim e vou morrer com ele. Para mim, a experiência do golpe vem do contato com as artes, procurando decifrar o que os artistas queriam dizer. Isso passa por minhas próprias veias.
A década de 1970 foram anos desesperados e loucos. Tudo isso está inscrito nas artes; para mim, principalmente na música popular. Vai entender o que foi a saga dos anos setenta, por exemplo, para ficar em três exemplos de tantos que poderia arrolar, quem for ao Youtube e baixar “Lady Jane”, na linda voz de Olivia Byington (Barca do Sol) de Nando e Geraldo Carneiro (http://www.youtube.com/watch?v=ydeEG305AXQ), escutar com atenção à letra de “Movimento dos barcos”, de Capinan e Jards Macalé (http://www.youtube.com/watch?v=dusO5vIbOoE) e, enfim, escutar a mensagem direta de Sérgio Sampaio em “Filme de Terror” (http://www.youtube.com/watch?v=M2RjMh17CVk).
Qualquer pesquisador que quiser ir a fundo naqueles tempos, raspar o tacho, terá que remover a poeira da escrita canônica e ir atrás de muita gente, assistir mil vezes a “Quando o carnaval chegar”. Não poderá deixar de citar Geraldo Carneiro, Capinan e Sérgio Sampaio. Talvez esteja falando de assuntos herméticos, mas verdadeiros como a alma. A alegoria diz tudo tudo: a cama de Olívia Byington, princesa abrindo os olhos ressussitando, passeando deitada pelas ruas cruas e urbanizadas de uma nova São Paulo, definitivamente deprovincianizada e cosmopolita, jogam no ar da Rede Globo em pleno domingo quem sabe a memória da agonia das pessoas perplexas com a nova ordem e até a epidemia de meniginte de poucos anos antes, sequela daquele tempo; o desespero de Capinam trata-se da dor do intectual que chegou ao limite da resistência pessoal, sufocado, e flerta com o suicídio; por sua vez, direto, Sérgio Sampaio faz um pouco a síntese de tudo: filme de terror.
Gostaria de encerrar fazendo o elogio da geração que dobrou o umbral dos cinquenta e sessenta anos. Amigos e companheiros, nosso tempo é hoje, mas no dia em que recordamos o golpe de 1964, gostaria de encostar o meu braço nos ombros de todos vocês e dizer como o velho e bom Leon Trotski, a quem tanto admiro embora discorde em tantas coisas, quiça adjetivas – “A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente”. LADY JANE, EU TIVE UM SONHO DE MORTE, VAI QUEIMAR, VAI QUEIMAR!
Acabei de assistir a “Quando o carnaval chegar” de Cacá Diegues (1972) no Canal Brasil (TV a cabo), com Chico Buarque, Nara Leão e Maria Bethania, reunindo canções da era do rádio e depois canções que se tornaram clássicas (Baioque, Bom Conselho, etc.). Já havia assistido ao filme muito cedo, aos 12 anos, em meus tempos de pré-adolescência numa sessão da tarde de terça-feira no desaparecido Cine Plaza, em frente ao Ponto de Cem Réis, em João Pessoa. À noite, me lembro como se fosse hoje, seguiram-se discussões sobre o filme na casa de Silvio Osias (hoje jornalista) em Jaguaribe, não lembro bem com quais outros amigos, mas era um grupo de uns quatro ou cinco. Fui apresentado ao golpe de 1964 pela via da chanchada e da alegoria.
Não há como deixar de derramar algumas discretas lágrimas nos olhos: até hoje tenho de cor as canções do filme, mas havia esquecido a trama, que acabei de recuperar. Em termos de cinematografia, “Quando o carnaval chegar” ensaia elementos dramatúrgicos que logo em seguida estarão novamente presentes em outros filmes brasileiros, tanto em By By Brasil (obra prima de Cácá Diegues, de longe o seu mais inspirado filme) como em “Vai trabalhar Vagabundo (Carvana). Um empresário misto de trapalhão e picareta (Hugo Carvana) contratou a trupe de Chico, Nara e Bethania – no filme Paulinho, Mimi e Rosa – para cantar e animar a festa do Anjo (a ditadura). São muitas as sequências de indecisão, inclusive com um triangulo amoroso, mas os artistas enfim recusam o convite (na verdade, uma imposição) do Anjo (a ditadura militar). Sem imposição, no entanto, a festa acaba chegando espontaneamente, sem ditadura nem Anjo malvados, ao carnaval, alegria que prescinde de ordens de cima. Como a censura deixou à época passar a esta descarga de alta voltagem de Kriptonita?
Criança quase no colo, não tenho a mínima memória pessoal do golpe de 31 de março (ou primeiro de abril) de 1964. Talvez o meu pai Celso que tanto amo (já morto de tantas saudades) escutando o rádio e falando coisas incompreensíveis ao filho... Já de 1968, lembro porque o colégio Pio XII ficou um mês parado, e no retorno, em conversas no pátio do colégio apareciam palavras difusas como UNE e estudantes. A minha memória sentimental do golpe, vem dos 12 anos em plena década de 1970, pois me politizo muito cedo, vem do Jaguaribe que guardo dentro de mim e vou morrer com ele. Para mim, a experiência do golpe vem do contato com as artes, procurando decifrar o que os artistas queriam dizer. Isso passa por minhas próprias veias.
A década de 1970 foram anos desesperados e loucos. Tudo isso está inscrito nas artes; para mim, principalmente na música popular. Vai entender o que foi a saga dos anos setenta, por exemplo, para ficar em três exemplos de tantos que poderia arrolar, quem for ao Youtube e baixar “Lady Jane”, na linda voz de Olivia Byington (Barca do Sol) de Nando e Geraldo Carneiro (http://www.youtube.com/watch?v=ydeEG305AXQ), escutar com atenção à letra de “Movimento dos barcos”, de Capinan e Jards Macalé (http://www.youtube.com/watch?v=dusO5vIbOoE) e, enfim, escutar a mensagem direta de Sérgio Sampaio em “Filme de Terror” (http://www.youtube.com/watch?v=M2RjMh17CVk).
Qualquer pesquisador que quiser ir a fundo naqueles tempos, raspar o tacho, terá que remover a poeira da escrita canônica e ir atrás de muita gente, assistir mil vezes a “Quando o carnaval chegar”. Não poderá deixar de citar Geraldo Carneiro, Capinan e Sérgio Sampaio. Talvez esteja falando de assuntos herméticos, mas verdadeiros como a alma. A alegoria diz tudo tudo: a cama de Olívia Byington, princesa abrindo os olhos ressussitando, passeando deitada pelas ruas cruas e urbanizadas de uma nova São Paulo, definitivamente deprovincianizada e cosmopolita, jogam no ar da Rede Globo em pleno domingo quem sabe a memória da agonia das pessoas perplexas com a nova ordem e até a epidemia de meniginte de poucos anos antes, sequela daquele tempo; o desespero de Capinam trata-se da dor do intectual que chegou ao limite da resistência pessoal, sufocado, e flerta com o suicídio; por sua vez, direto, Sérgio Sampaio faz um pouco a síntese de tudo: filme de terror.
Gostaria de encerrar fazendo o elogio da geração que dobrou o umbral dos cinquenta e sessenta anos. Amigos e companheiros, nosso tempo é hoje, mas no dia em que recordamos o golpe de 1964, gostaria de encostar o meu braço nos ombros de todos vocês e dizer como o velho e bom Leon Trotski, a quem tanto admiro embora discorde em tantas coisas, quiça adjetivas – “A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente”. LADY JANE, EU TIVE UM SONHO DE MORTE, VAI QUEIMAR, VAI QUEIMAR!
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