Hegemonia em perigo

Jaldes Reis de Meneses

A política é uma arte ingrata: quando mais se pensa que se vive em céu de brigadeiro, de repente aparecem nuvens no ar. Jamais há descanso. Desta maneira, a derrota que o governo Dilma sofreu ontem no senado (o veto a recondução de um diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres), aparentemente uma bobagem, vem acender uma espécie de luz amarela. Menos pelo ramerame da famosa “base governista”, sempre sequiosa de pleitos ad hoc, e mais pela combinação explosiva germinada pelo desenvolvimento da conjuntura.

O PMDB realmente é profissional, ao menos no Senado: inventou de dar uma “traidinha” precisamente no momento da revelação de dois acontecimentos incômodos ao governo: a divulgação do índice de crescimento do PIB de 2011 (2,7%, abaixo de todas as expectativas divulgadas pelo ministério da fazenda ano passado, cujas previsões giravam em torno de 5%) e o crescimento vertiginoso (previsível) de José Serra nas eleições de São Paulo. Acaso adicionarmos a tudo isso acontecimentos aparentemente disparatados como as dificuldades de crescimento da indústria e o pífio resultado do afilhado de Lula, Fernando Haddad, de repente, quem diria, se prenuncia uma situação na qual a até o momento tranqüila hegemonia do governo Dilma e do projeto de poder do PT se vêem ameaçados. Ainda não é nada desesperador, mas é preciso agir.

Em primeiro lugar, talvez Lula, uma indiscutível inteligência política, tenha agido de maneira precipitada em São Paulo. Tudo parecia muito fácil: o principal adversário nacional e estadual, um PSDB dividido, apresentava candidatos novos (Bruno Covas, Andrea Matarazzo e José Aníbal), desprovidos do teste de eleições majoritárias, no mesmo compasso que o prefeito Gilberto Kassab, presidente de um partido recém criado (o PSD) – que não é de direita nem esquerda –, mas louco para participar das benesses da “base governista”, piscava o olho para uma aliança de apoio ao novo príncipe ungido por Lula. Engenharia política perfeita, porém faltou, como diria Garrincha, combinar com o adversário. O PSDB se viu premido a defender a sua última cidadela, e assim o fez: convocou o candidato de maior recall entre seus quadros, mas principalmente de mais experiência na luta ideológica contra o PT, velho desafeto da classe média paulistana. Resultado: conforme os resultados do Datafolha, Serra subiu nove pontos em uma semana, ao passo que Haddad patinava do sofrível desempenho de três por cento. Resultado ganho de véspera dificilmente costuma dar certo, por isso tudo indica que teremos uma verdadeira guerra em São Paulo.

Por outro lado, coincidentemente, enquanto ocorrem as estripulias de São Paulo, o PMDB fez uma pragmática contabilidade de custo-benefício e percebeu que pouco tem sido recompensado na vice-presidência da república, em termos de espaço no governo. Logo tratou de encostar, pelo método da chantagem, a faca no peito dos aliados: ou ampliam-se as verbas e a visibilidade dos ministros, ou se começa a vender dificuldades para aferir facilidades. Nada melhor que a vizinhança de eleições municipais para encetar este tipo de operação fisiológica.

O PT sabe muito bem que tanto as eleições em São Paulo como a “rebeldia” do PMDB são perfeitamente administráveis. Afinal, desde os tempos de FHC, no que Lula e Dilma imitaram, a governabilidade é garantida pela aliança com a calda do atraso brasileiro (respectivamente DEM e PMDB). O que não pode sair de controle é a macro economia. Aí é que reside o perigo da hegemonia.

A conjuntura é de sinais contraditórios, embora em longo prazo a figura de Lula pareça indicar que o Brasil terá nele uma espécie de novo Perón (o que nem Vargas conseguiu), ou seja, um personagem em torno do qual gira todo o espectro político, da direita à esquerda, no curto prazo (e principalmente nas eleições municipais, encabeçadas por São Paulo) tendem a aumentar as contestações ao regime político dominante. O paradoxo do lulismo (e do dilmismo, por extensão), é que precisam sempre crescer e desenvolver o país, uma fuga para frente, como diriam os franceses. Os militares brasileiros se viram em uma situação semelhante em 1974: perderam uma eleição ganha, exatamente quando os palpiteiros não esperavam, no rescaldo do “milagre econômico” e do começo da “crise do petróleo”. De repente, as promessas de Brasil Grande se esfumaram. Não creio que as conjunturas se assemelhem, mas é precisar compreender bem as lições do passado.

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