Rosa Godoy

Jaldes Reis de Meneses

O grande professor se conhece em sala de aula, pela dedicação ao ofício e o desprendimento na relação com os seus alunos. A palavra que resume tudo isso é paixão, a paixão, como diz Max Weber, de quem tem a ciência como vocação. É esta principal impressão subjetiva que vou levar por todo o resto de minha vida da professora Rosa Godoy, de quem fui aluno de História do Brasil na UFPB nos tempos heróicos e fervilhantes da década de 1980, e depois, já em tempos de calmaria, me tornei colega de departamento e amigo.

Passados quase quarenta anos de residência contínua em Tambaú, cidadã paraibana com todos os méritos, Rosa decidiu fazer a viagem de volta a São Paulo. Penso que mão abandona a Paraíba nem os amigos, nem vai refazer o roteiro de volta. Vai continuar a viver a vida vivida, o que é mais importante.

Rosa Godoy é uma das raras pessoas que têm o dom de personalizar objetos, desmineralizá-los, se me permitem a criação. Intuitivamente, ela concebe os objetos em relação, se é possível compreender o que escrevo. Dou o exemplo da residência na qual mora. A casa na qual residiu em Tambaú durante todos estes anos será sempre a “casa de Rosa Godoy”. Não precisa de tombamento histórico nem reconhecimento público: é. Foi do mesmo jeito sempre com o conhecimento, feito um prolongamento desmineralizador da relação com os objetos. Rosa é orgânica.

Não concebo professor que não goste de sala de aula nem pesquisador que se acomode a simplesmente cumprir burocraticamente prazos e redigir relatórios sobre um objetinho de trabalho mitigado qualquer, que não tenha sede de transmissão do conhecimento nem a ambição de atravessar por dentro os grandes temas e participar dos grandes embates.

Rosa Godoy é a antítese de todas as atitudes oportunistas acomodatícias do inculturalismo (este neologismo não foi criado por mim, mas por Osman Lins, o genial escritor pernambucano criador de Avalovara), pois se enganam os que pensam ser verdadeiro o senso comum de que a universidade é composta apenas de intelectuais. Aliás, advirto os que não sabem – os intelectuais são minoria na Universidade, nem só aqui como alhures. Por tudo isso, Rosa Godoy vai fazer falta na Paraíba e na UFPB. Mas há um lenitivo: a voz, a palavra, a paixão de Rosa continuarão ecoando, somente que de mais longe.

Comentários

Parabéns, Jaldes. De forma muito elegante, você fez um belo texto, com direito a importantes reflexões sobre o ser intelectual, num momento em que intelectuais da envergadura de Rosa Godoy fazem tanta falta. Lembro-me que fomos colegas-adversários (estávamos em trincheiras distintas no ME) na sala de História do Brasil IV, na disciplina ministrada por Rosa, que sempre soube estimular o debate de posições de maneira franca e respeitosa. Isso faz crescer e não esse conformismo burocrático tão lastimável que padecemos. Abraço. Ângelo Emílio.
Parabéns, Jaldes. Seu texto, de maneira muito elegante, homenageia a grande Professora e tece significativas reflexões sobre o lugar do intelectual, num momento em que intelectuais da envergadura de Rosa Godoy fazem tanta falta. Realmente, a casa de Rosa (e especialmente a sala na qual ela recebia as mais distintas pessoas ao longo de décadas) já é uma espécie de patrimônio de nossa memória comum. Fomos colegas-adversários na sala de História do Brasil IV (estávamos em trincheiras distintas no ME), disciplina então ministrada por Rosa, que soube incentivar o debate de posições, de maneira franca e respeitosa, o que faz certa falta em tempos de tanto conformismo burocrático. Abraço.
Ângelo, fico feliz que tenha lido e gostado do texto, e mais ainda que tenha recordado fatos comuns que vivemos nos anos oitenta. Apenas suavizaria um pouco que fomos "colegas-adversários" e que estávamos em "trincheiras distintas" do ME. Havia, sim, resíduo da linguagem militar naquelas práticas do movimento estudantil, mas nada muito rígido. No fundo, era ingenuidade e até falta de conhecimento. Eu mesmo, mudei muito as minhas opiniões sobre o Brasil, espero que para melhor. Abração.
Vânia Cristina disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Vânia Cristina disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Vânia Cristina disse…
Olá, professor Jaldes!
Estive ontem com a professora Rosa e ela comentou sobre o seu texto. Acabei de fazer a leitura e gostaria de registrar aqui, os meus parabéns. Apesar de não ter vivido os agitados anos 80 ao lado de pessoas como você, Ângelo e mais alguns poucos que admiro, fico com "água na boca" imaginando os maravilhosos debates que, certamente, aconteciam nas aulas dessa grande intelectual que é a professora Rosa.
Parabéns pelo texto, ela merece saber que o quanto é querida e admirada por todos nós.

Abraços.
Vânia Cristina.

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