Os dois degraus das eleições na França

Jaldes Reis de Meneses

Em um artigo aqui postado no portal wscom no dia 29 de fevereiro do corrente ano reclamei da péssima cobertura da mídia brasileira às eleições francesas, que insistia em cobrir apenas os dois principais candidatos, o indefectível neogaulista Nicolas Sarkozy e o insípido socialista François Hollande, se esquecendo do que chamei de “segundo degrau”, as candidaturas ascensionais de Marine Le Pen (populista de direita) e de Jean-Luc Mélénchon (frente de esquerda verde e comunista). Agora, às vésperas das eleições de domingo, a mídia brasileira finalmente teve que se curvar à realidade. Escrevi assim, ainda em fevereiro: “Há hoje na França, portanto, uma espécie de polarização em dois degraus, e não será impossível se um dos candidatos do degrau inferior for ao segundo turno. Nada disso aparece na Globo News.”

Dito e feito: Mélénchon chega hoje nas pesquisas próximo aos 15 pontos, assediado por Le Pen (que começou na frente do segundo degrau e foi perdendo gás), enquanto os dois principais candidatos (Sarkozy e Hollande) não conseguem chegar aos 30 pontos. A eleição embolou. Certamente, haverá um segundo turno entre Hollande e Sarkozy, mas a esquerda radical se encontra em processo ascendente e não será alucinação se surpreender e chegar ao segundo turno. Para tanto, precisaria haver um deslocamento do eleitorado mais radical de Hollande – uma operação difícil de ocorrer –, com o coração posto à esquerda, mas tentado à proposta mais cômoda do voto útil.

De todo modo, o espectro político francês sai das eleições irremediavelmente dividido em dois degraus. Constitui, portanto, um diagnóstico político factível pensar, caso persista a agonia da crise, que no futuro, a polarização do segundo degrau (esquerda e direita radical) assuma o lugar do primeiro (esquerda e direita centristas). Basta, por exemplo, Hollande ser eleito e não resolver a crise. O eleitorado se voltará ao esvaziado, corrupto e marqueteiro neogaulismo como hipotética solução à crise? Muito difícil.

A história da França tem uma longa tradição de radicalismo, desde quando o abade Sieyès em 1789, às vésperas da reunião dos Estados Gerais da nação, proclamou que a verdadeira fonte do poder se encontrava no Terceiro Estado (“o Terceiro Estado é tudo, os demais estados são nada”). Nos termos de Marx, o radicalismo francês é semelhante àquela “velha toupeira”, que vai roendo a terra por dentro e por baixo. A constituição do segundo degrau fez às vezes da velha toupeira, que foi roendo silenciosamente por baixo até irromper...

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