Tempos de militância
Jaldes Reis de Meneses
Em 1980, atravessamos, eu, Dario e Aldo Rebelo, de pés descalços, um pequeno riacho em Campina Grande, divisa entre a Universidade Federal e o Alto da Bela Vista, rumo a uma pequena reunião clandestina do PCdoB, depois de uma reunião aberta de estudantes no Diretório Acadêmico 11 de Agosto. Naquele tempo, era assim, primeiro se reunia os estudantes no diretório e depois se reuniam os quadros do partido.
Gostava muito de Aldo, mais velho que eu creio uns cinco anos – que tinha uma namorada também clandestina em Campina Grande –, me impressionaram suas convicções sem pestanejar em ser contrário à fundação de um “Partido Popular”, que não era nem PT nem PMDB, debate que dividia o PCdoB, por onde o grupo de José Genoino abriu caminho para aderir ao PT. Para Aldo – recordo de um debate num convento franciscano em Salvador com ele, Genoino e Duarte Pereira –, o sumiço do PP na conjuntura não poderia simplesmente ser um erro de encaminhamento, como diziam, mas da política. O PP era um mega erro político. Com certeza, Aldo.
Poderia relatar muitos acontecimentos dessa época, fazer memorialismo. Na verdade, o que pretendo reter, em vez de arrolar histórias que depois de fabuladas se tornam pequenas aventuras, é detectar o espírito volitivo de tal abnegação ao debate de ideias que nos mobilizavam 24 horas por dia. Não repetiria esses dias, nem tenho saudades deles, porque aprendi com eles, antes das luzes baixas dos aparelhos, o valor das ideias. Retenho e sei o valor das ideias. Elas movem o mundo. Os tempos e os personagens passam; as ideias ficam. As ideias movem o mundo, não se enganem. As ideias trazem o desprendimento e a generosidade, quase como uma consequência.
Sei precisamente o motivo de ter aderido ao PCdoB e composto a direção deste partido na Paraíba de 1980 até 1994, quando saí, numa boa, para outros rumos. Considerava-me, desde os tempos de secundarista, espontaneamente comunista, mas não gostava da União Soviética, paradoxalmente. Achava aqueles burocratas do PCUS (estávamos em plena era Brejnev) uns decrépitos. Preferia, sem saber bem por que – talvez muita energia para desprender – a juventude da revolução cultural chinesa, a luta de Mao contra as velhas atitudes do partido. Por isso, entrei no PCdoB, mas poderia ter me tornado um trotskista ou até um anarquista.
No começo de uma adesão, tudo é pura intuição. Mas havia, como uma estrela da manhã, a bússola de uma ideia, a princípio tosca. Contudo, aos poucos as ideias, foram ganhando contornos, nem que sejam imaginários. Claro, meu relato não se refere simplesmente às ideias, mas à ativação do mecanismo da ideologia. Todas as grandes ideias se transformam em ideologia e movem os homens. Mais que a luta do restaurante universitário, era a ideologia que movia o movimento estudantil daquela época e somente ela responde pelas grandes viragens e realizações.
Lembro-me da eleição da Diretoria da UNE em Campina Grande em 1980. Coitados de nós, da Viração (tendência estudantil do PCdoB), exatamente a chapa cujo presidente eleito foi Aldo Rebelo. Vínhamos de um traumático racha com o grupo de Genoino e Tarso Genro, tanto que a primeira reunião de nossa chapa em Campina Grande reuniu apenas sete pessoas, eu, Carlinhos, Dario, Paulo de Sergipe, Candido, Brandão (que já faleceu e tenho saudades) e Batista. Resultado: um mês depois, ganhamos as eleições com 800 votos de diferença. Como explicar? Não há explicação racional. Afora a força nacional da chapa, que era a favorita na UNE, inventamos numa sexta-feira de fazer um outdoor que cobria TODO o principal bloco de sala de aulas do antigo Campus II (hoje UFCG). Era um bloco de altura imensa, de três andares. Dario, entre cigarros e cachaça, bolou uma tecnologia inédita, composta de cola, cordas e bambu. Na segunda-feira, os estudantes retornaram às aulas maravilhados com o nosso feito... Valeu a audácia. Mao Tsé-Tung já havia dado a senha: ousar lutar, ousar vencer.
Em 1980, atravessamos, eu, Dario e Aldo Rebelo, de pés descalços, um pequeno riacho em Campina Grande, divisa entre a Universidade Federal e o Alto da Bela Vista, rumo a uma pequena reunião clandestina do PCdoB, depois de uma reunião aberta de estudantes no Diretório Acadêmico 11 de Agosto. Naquele tempo, era assim, primeiro se reunia os estudantes no diretório e depois se reuniam os quadros do partido.
Gostava muito de Aldo, mais velho que eu creio uns cinco anos – que tinha uma namorada também clandestina em Campina Grande –, me impressionaram suas convicções sem pestanejar em ser contrário à fundação de um “Partido Popular”, que não era nem PT nem PMDB, debate que dividia o PCdoB, por onde o grupo de José Genoino abriu caminho para aderir ao PT. Para Aldo – recordo de um debate num convento franciscano em Salvador com ele, Genoino e Duarte Pereira –, o sumiço do PP na conjuntura não poderia simplesmente ser um erro de encaminhamento, como diziam, mas da política. O PP era um mega erro político. Com certeza, Aldo.
Poderia relatar muitos acontecimentos dessa época, fazer memorialismo. Na verdade, o que pretendo reter, em vez de arrolar histórias que depois de fabuladas se tornam pequenas aventuras, é detectar o espírito volitivo de tal abnegação ao debate de ideias que nos mobilizavam 24 horas por dia. Não repetiria esses dias, nem tenho saudades deles, porque aprendi com eles, antes das luzes baixas dos aparelhos, o valor das ideias. Retenho e sei o valor das ideias. Elas movem o mundo. Os tempos e os personagens passam; as ideias ficam. As ideias movem o mundo, não se enganem. As ideias trazem o desprendimento e a generosidade, quase como uma consequência.
Sei precisamente o motivo de ter aderido ao PCdoB e composto a direção deste partido na Paraíba de 1980 até 1994, quando saí, numa boa, para outros rumos. Considerava-me, desde os tempos de secundarista, espontaneamente comunista, mas não gostava da União Soviética, paradoxalmente. Achava aqueles burocratas do PCUS (estávamos em plena era Brejnev) uns decrépitos. Preferia, sem saber bem por que – talvez muita energia para desprender – a juventude da revolução cultural chinesa, a luta de Mao contra as velhas atitudes do partido. Por isso, entrei no PCdoB, mas poderia ter me tornado um trotskista ou até um anarquista.
No começo de uma adesão, tudo é pura intuição. Mas havia, como uma estrela da manhã, a bússola de uma ideia, a princípio tosca. Contudo, aos poucos as ideias, foram ganhando contornos, nem que sejam imaginários. Claro, meu relato não se refere simplesmente às ideias, mas à ativação do mecanismo da ideologia. Todas as grandes ideias se transformam em ideologia e movem os homens. Mais que a luta do restaurante universitário, era a ideologia que movia o movimento estudantil daquela época e somente ela responde pelas grandes viragens e realizações.
Lembro-me da eleição da Diretoria da UNE em Campina Grande em 1980. Coitados de nós, da Viração (tendência estudantil do PCdoB), exatamente a chapa cujo presidente eleito foi Aldo Rebelo. Vínhamos de um traumático racha com o grupo de Genoino e Tarso Genro, tanto que a primeira reunião de nossa chapa em Campina Grande reuniu apenas sete pessoas, eu, Carlinhos, Dario, Paulo de Sergipe, Candido, Brandão (que já faleceu e tenho saudades) e Batista. Resultado: um mês depois, ganhamos as eleições com 800 votos de diferença. Como explicar? Não há explicação racional. Afora a força nacional da chapa, que era a favorita na UNE, inventamos numa sexta-feira de fazer um outdoor que cobria TODO o principal bloco de sala de aulas do antigo Campus II (hoje UFCG). Era um bloco de altura imensa, de três andares. Dario, entre cigarros e cachaça, bolou uma tecnologia inédita, composta de cola, cordas e bambu. Na segunda-feira, os estudantes retornaram às aulas maravilhados com o nosso feito... Valeu a audácia. Mao Tsé-Tung já havia dado a senha: ousar lutar, ousar vencer.
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