A crise do presidencialismo de coalizão

O seguinte artigo foi publicado em minha coluna quinzenal no Jornal da Paraíba, em 10/06/02.

Jaldes Meneses[1]

            O tempo funciona como uma espécie de apaziguador dos conflitos. Existe hoje a propósito da Constituição de 1988 toda uma louvação da conquista dos direitos sociais, mas se esquece de que a nossa carta foi escrita em meio a uma conjuntura econômica de inflação alta, resultado do fracasso do Plano Cruzado, e de uma crise do poder político do presidente Sarney, que manobrou em defesa dos cinco anos de mandato e do presidencialismo. Ambos foram consignados na letra da nova constituição. O presidencialismo em especial instituiu no Brasil um estranho regime político híbrido, no qual convivem institutos do parlamentarismo, a exemplo da Medida Provisória.
            O presidencialismo de coalizão, a mistura brasileira presidencialismo e parlamentarismo, portanto, trata-se do fruto circunstancial de uma crise de poder. Veio ao mundo torto. Criou-se um regime no qual os partidos, embora fortalecidos no poder de legislar, são impedidos de formar gabinetes e programas, dependem da figura providencial do Presidente, do governador e do Prefeito para terem acesso ao aparelho de Estado. Os partidos são corpos de degolados, e os executivos, cabeças destituídas de corpo.
            Pode-se comparar o modelo de coabitação francês com o brasileiro. Lá como aqui, o modelo também foi resultado de uma crise política (que instituiu a V república em 1958). Na França, o regime é presidencialista, mas criou-se a figura do Primeiro Ministro. Acaso o Presidente eleito seja de uma coligação diferente do parlamento, obrigatoriamente institui-se um governo de coabitação entre executivo e parlamento. No Brasil, falta coabitação, mas sobra cooptação e corrupção.
            Desde 1988 até hoje, o presidencialismo de coalizão foi-se deteriorando e chega ao ápice nas eleições municipais vindouras. Com efeito, o presidencialismo de coalizão esmaeceu qualquer diferenciação ideológica entre os partidos, quando se trata de disputar eleições. Vale tudo, todo mundo se coliga com todo mundo. Rigorosamente, no momento só há um interdito: a decisão do PT em não se coligar com o DEM, PPS e PSDB (a recíproca não é verdadeira), mesmo assim a critério da direção nacional. Construímos um regime sem antagonistas, nas quais as diferenciações existentes na sociedade civil têm dificuldade de expressão no âmbito da política institucional. Até quando perdurará este monstrengo?    



[1] Professor Associado do Departamento de História da UFPB. e-mail: jaldesm@uol.com.br.

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