Diário da corte
Jaldes Reis de Meneses
Planejava escrever um artigo a respeito do livro de seleção de artigos de Paulo Francis na Folha de S. Paulo recém-reunidos pelo jornalista paulista Nelson de Sá (Diário da corte, Editora Três Estrelas, 2012), que me causaram uma péssima impressão, quando por acaso (nem tanto ao acaso, pois criei o hábito de ler impreterivelmente a sua coluna semanal às quartas-feiras no jornal O Globo), o grande Francisco Bosco (aos que não têm referência, filho do compositor e músico João Bosco, tão grande quanto o pai), revela também a sua decepção recente com o Francis (Bosco, pelo que sei, não chegou ainda aos 40 anos), principalmente o conteúdo provinciano e superficial (muitas referências e poucos cortes verticais, visando impressionar os incautos) de seus artigos. Caetano Veloso, uma espécie de contraponto polêmico às diatribes de Francis à época, embora desafeto, já havia escrito – também em uma coluna, dominical, em O Globo – que, apesar de tudo, Paulo Francis era uma referência de sua geração. Creditou o seu estranhamento às opiniões de Bosco ao fato de ser um “homem velho”. Discordo.
Embora não seja da geração de Caetano, também não sou da geração de Bosco, mais velho uns 10 anos. Li dois livros esquecidos de Paulo Francis muito jovem – Nu e Cru (seleta de crônicas publicadas em O Pasquim) e o seu primeiro romance Cabeça de Papel. Sem dúvida, Paulo Francis sabia escrever a jato, de maneira apropriada ao ritmo de um jornal. Escreveu o romance da mesma maneira que escrevia as crônicas – é tudo a mesma coisa. Mas nitidamente nunca foi um pesquisador. Como viveu uma experiência familiar adolescente em Nova Iorque, antes de se profissionalizar jornalista, usou e abusou da “vantagem comparativa” e abasteceu os leitores brasileiros ávidos em informação da metrópole americana de referências de um mundo político e cultural distante, em um tempo que o cosmopolitismo era estranho aos hábitos de um jovem brasileiro de classe média. Hoje, tenho alunos que passam as férias em Londres. Quando não viajo (e viajo menos), eles que me abastecem das informações da vida na corte. Os diários do Francis são matéria vencida.
Os diários de Paulo Francis envelheceram sem conseguir alcançar adquirir a condição de um vinho fino, defasaram. Na esquerda ou na direita – o livro cobre os dois espectros ideológicos, caracterizando a mutação do autor –, não passa de um preconceituoso. Fofoqueiro e boçal, quando ainda na esquerda, por exemplo, escreve que um de seus ídolos posteriores, Roberto Campos, embaixador em Londres, causava espécie nos bons modos da diplomacia porque circulava nas rodas da cidade de calças jeans e colar, certamente desprovido da gravata e palitó do diplomata (seria Bob Bobby Fields um Vinicius enrustido?), para em seguida insinuar que se abstinha de prover o general-presidente Figueiredo de outras informações, mais íntimas (página 77). Os textos de Francis são repletos desse tipo de tirada. Embora, aparentemente, transpareça um golpe de coragem contra a censura, o que ficou? Muito pouco, senão lições de mau-caratismo explícito.
Planejava escrever um artigo a respeito do livro de seleção de artigos de Paulo Francis na Folha de S. Paulo recém-reunidos pelo jornalista paulista Nelson de Sá (Diário da corte, Editora Três Estrelas, 2012), que me causaram uma péssima impressão, quando por acaso (nem tanto ao acaso, pois criei o hábito de ler impreterivelmente a sua coluna semanal às quartas-feiras no jornal O Globo), o grande Francisco Bosco (aos que não têm referência, filho do compositor e músico João Bosco, tão grande quanto o pai), revela também a sua decepção recente com o Francis (Bosco, pelo que sei, não chegou ainda aos 40 anos), principalmente o conteúdo provinciano e superficial (muitas referências e poucos cortes verticais, visando impressionar os incautos) de seus artigos. Caetano Veloso, uma espécie de contraponto polêmico às diatribes de Francis à época, embora desafeto, já havia escrito – também em uma coluna, dominical, em O Globo – que, apesar de tudo, Paulo Francis era uma referência de sua geração. Creditou o seu estranhamento às opiniões de Bosco ao fato de ser um “homem velho”. Discordo.
Embora não seja da geração de Caetano, também não sou da geração de Bosco, mais velho uns 10 anos. Li dois livros esquecidos de Paulo Francis muito jovem – Nu e Cru (seleta de crônicas publicadas em O Pasquim) e o seu primeiro romance Cabeça de Papel. Sem dúvida, Paulo Francis sabia escrever a jato, de maneira apropriada ao ritmo de um jornal. Escreveu o romance da mesma maneira que escrevia as crônicas – é tudo a mesma coisa. Mas nitidamente nunca foi um pesquisador. Como viveu uma experiência familiar adolescente em Nova Iorque, antes de se profissionalizar jornalista, usou e abusou da “vantagem comparativa” e abasteceu os leitores brasileiros ávidos em informação da metrópole americana de referências de um mundo político e cultural distante, em um tempo que o cosmopolitismo era estranho aos hábitos de um jovem brasileiro de classe média. Hoje, tenho alunos que passam as férias em Londres. Quando não viajo (e viajo menos), eles que me abastecem das informações da vida na corte. Os diários do Francis são matéria vencida.
Os diários de Paulo Francis envelheceram sem conseguir alcançar adquirir a condição de um vinho fino, defasaram. Na esquerda ou na direita – o livro cobre os dois espectros ideológicos, caracterizando a mutação do autor –, não passa de um preconceituoso. Fofoqueiro e boçal, quando ainda na esquerda, por exemplo, escreve que um de seus ídolos posteriores, Roberto Campos, embaixador em Londres, causava espécie nos bons modos da diplomacia porque circulava nas rodas da cidade de calças jeans e colar, certamente desprovido da gravata e palitó do diplomata (seria Bob Bobby Fields um Vinicius enrustido?), para em seguida insinuar que se abstinha de prover o general-presidente Figueiredo de outras informações, mais íntimas (página 77). Os textos de Francis são repletos desse tipo de tirada. Embora, aparentemente, transpareça um golpe de coragem contra a censura, o que ficou? Muito pouco, senão lições de mau-caratismo explícito.
Embora o papel amarelado de Paulo Francis nunca tenha sido literariamente denso (é o tipo de escrito que ficou congelado no tempo), a escrita rápida (já fiz menção ao atributo) e alguns insights (há que se reconhecer), de alguma maneira, antecipam os tempos de internet. Paulo Francis, mesmo anacrônico, antecipa o narciso predominante de nosso tempo, a impostação, a velocidade e os exibicionismos das redes sociais. Habita ali, nele, um personagenzinho mequetrefe, composto abundante vazio de ideias, caras e bocas, encenação e falso conteúdo, assim como nas redes sociais, território fértil de germinação dos falsos profetas e de falsa política. Olhá lá, conforme Noel Rosa e Florestan Fernandes, o busilis da questão...
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