O ciclo de Dilma

Jaldes Meneses

Acossado diretamente pela greve do funcionalismo público e indiretamente pelo julgamento do mensalão, o governo de Dilma Rousseff não tem do que se queixar no quesito popularidade: todas as pesquisas registram invariavelmente uma taxa de ótimo, bom e regular que ascende a mais de 60% (o Ibope registrou uma ligeira baixa em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Curitiba, mas em João Pessoa, a nossa cidade, os índices são de elevadíssimos 67%, contabilizado apenas ótimo e bom).

No entanto, seria precipitado afirmar que o governo navega em céu de brigadeiro: afora a ligeira inflexão nas grandes metrópoles brasileiras, são muitas as turbulências no ar, principalmente na área mais importante, a econômica. Comparado aos oito anos do governo Lula, quando a taxa média de crescimento foi na ordem de 4,3% - abaixo da média de 6,4% do ciclo histórico de apogeu da revolução burguesa brasileira (1930-1980, conforme a periodização subentendida de Florestan Fernandes), mas superando a estagnação de duas “décadas perdidas” (2,2) –, a média de dois anos de Dilma prenuncia uma queda pela metade, aproximando-se perigosamente dos anos perdidos.

À maneira de um pacto faustiano, iniciado por Lula reiterado por Dilma, o crescimento da economia é o principal fator de coesão da heterogênea coligação de governo, cuja queda faria a sustentação de governo ruir como um dominó. No Brasil de hoje, sem exceção, todas as forças políticas e sociais representativas (do agronegócio ao MST, dos sindicalistas ao capital financeiro e industrial) de alguma maneira participam da coligação do governo – a dança dos partidos é importante (PT, PMDB e PSB), mas secundária diante da representação direta de classe. Somente é possível conduzir esta amálgama de interesses na condição de uma economia por assim dizer voando, que permita repartir, embora de maneira desigual, o excedente econômico entre os parceiros. Lula e Dilma conseguiram dotar de estabilidade o modo de regulação (conceito da Escola da Regulação francesa), em que pese épocas históricas distintas, testado e interrompido da chamada “era Vargas”, que a oposição da UDN seguido do golpe de 1964 tratou de arruinar: operar a estabilidade política pela via de uma composição de Estado policlassista, principalmente entre as configurações do capital e do trabalho.

Existe, porém, retomando os insights em registros diferentes de Chico de Oliveira e Luiz Werneck Vianna, uma diferença fundamental entre Vargas e Lula: o primeiro foi um demiurgo, criou quase todas as modernas instituições do Estado brasileiro, do DASP à Petrobras, enquanto Lula assentou as alianças heterogêneas no Estado, mas não se atreveu a reformá-lo.

Caso não aspire permanecer na história como uma medíocre General Dutra de saias (o ex-presidente que utilizou os excedentes de guerra, deixados pelo Estado Novo, e os dissipou em importações e consumo improdutivo), Dilma precisa lançar a economia brasileira, em conjuntura de crise capitalista internacional (uma crise mais de excesso do que de escassez, de realização do valor das mercadorias, o que vem sendo pouco compreendido até por ilustres economistas de esquerda), a um segundo e novo ciclo, reformista e industrializante, investidor em infraestrutura, educação (os recém publicados dados do Ideb são desastrosos), ciência, tecnologia e inovação. Apenas repetir as receitas – inclusive as alianças políticas – testadas com êxito no governo anterior do padrinho Lula seria o melhor caminho para a lenta decadência da estagnação. Sem o necessário segundo ciclo, o circuito do lulismo sob Dilma fenecerá. Persistir em mais do mesmo, ainda que tenha dado resultados pragmáticos até o momento, numa conservadora contabilidade de custos e benefícios, é a típica da bobagem que pode se transformar em erro fatal.

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