Saudades de São Paulo

Jaldes Reis de Meneses

Há pelo menos vinte anos, passo muito pouco tempo em São Paulo, talvez o tempo entre o pouso e a decolagem do avião em Congonhas ou Guarulhos. Me (ao contrário de Dilma, erro nas regras gramaticais de propósito) recordo de vivências demoradas na São Paulo dos anos oitenta (estou ficando velho), do cinema a meia noite no cine SESC, onde vi pela primeira vez “Memórias do cárcere” de Nelson Pereira do Santos e “Asas do desejo” de Wim Wenders, dos shows de rock em Pinheiros, das amizades do movimento estudantil e das conversas em que misturávamos desde o realismo satírico-fantástico de Gógol até o pseudo equívoco das estratégias erradas da “reforma” (o PCB). Sonhos de uma noite de verão, especialmente quando foram conversas fugazes antes de um feriadão, verdadeiros hinos ao vento travados na rodoviária do Glicério, recanto dos nordestinos em São Paulo, no tempo em que não frequentavam aeroportos. O cosmopolitismo – às vezes de fachada – brilha em São Paulo. Nunca mais voltei a visitar essas realidades, que, aliás, desapareceram, ademais por que sou mais ligado ao Rio, cidade onde realmente morei e fiz meu doutorado. Como cantava Nara Leão, eu gosto mais do Rio (http://www.youtube.com/watch?v=6-XQLaA5w_E).


Volto a essas recordações do arco da velha através das notícias das eleições municipais de São Paulo. Não quero escrever um artigo circunspecto, ao menos no momento. Antes de ligar Celso Russomanno ao fascismo e ao medo (este terrível sentimento de impotência em lidar com a realidade) – como li em alguns artigos alarmistas que vi por aí – talvez seja o caso de indagar as raízes mais profundas de ascensão deste autêntico outsider. Narro uma tênue experiência pessoal. Num sábado desses do passado estava junto com três amigos (entre os quais o falecido deputado Paulo Fontelles, do PCdoB, assassinado barbaramente no Pará, há muito tempo) assistindo a uma dessas sessões da meia noite no CineSesc. Cochilo um pouco e logo um mão toca de leve em minhas pernas, dizendo em tom um pouco mais elevado – se continuar a assediar minha mulher, vou pedir ao lanterninha do cinema por o senhor para fora da sessão. As pessoas ao lado escutaram e voltam os olhos para mim. Estremeço morto de vergonha. Nunca fiz análise, mas esta é sem dúvida a minha experiência traumática de São Paulo. Na verdade, cochilando, não sei bem, bati com meus pés na cadeira da frente. Já ao final da sessão, andando a pé pela Avenida Paulista, racionalizávamos os amigos: somente numa sociedade em estado de alerta permanente, paranóica, aconteceria um fato assim, fortuito, sei bem, mas exatamente por isso emblemático. Em síntese, traumas e dissabores podem acontecer em qualquer lugar, mas em São Paulo as experiências da discriminação e da humilhação têm chance de aparecer mais rapidamente.

O humilhado pode se vingar de muitas maneiras. Talvez a verdadeira cidade partida brasileira não seja o Rio de Janeiro, mas São Paulo, por isso ela também seja de conquista tão fascinante, o que não tive tempo nem disposição para fazê-lo. Caetano Veloso teve a oportunidade de conquistar a cidade (Sampa é uma canção de conquista), fazendo o hino oficial da cidade. Paradoxalmente, Luiza Erundina não conquistou ainda São Paulo. A sua eleição em 1988 - uma das poucos oportunidades em que as eleições municipais foram nacionalizadas e ainda não havia segundo turno -, foi um desses milagres da história. Creio que nem Nelson Rodrigues nem Vinicius de Moraes conquistaram São Paulo – as frases conhecidas da solidão como companhia de um paulista (Nelson) e de São Paulo como túmulo do Samba (Vinicius, uma inverdade), antes de aversão, que não existe, significam estranhamento. Para mim, a cidade continua estranha ao mesmo tempo em que brilha a fascinação. Mesmo Buenos Aires, com seus cafés maravilhosos e imensos parques abertos e luzentes no verão, é de mais fácil conquista. Como compreender São Paulo?

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