Mensaläo da crise que näo veio

Jaldes Meneses


Marcos Valério falou compulsivamente às vésperas das eleições, conforme estava programado em várias mensagens cifradas, por ele mesmo enviado, meses passados na mesma imprensa que publicou o seu depoimento. Contudo não falou pessoalmente, mas através de terceiros, como se mandasse um último recado ainda em busca de proteção amiga a seus interlocutores antes secretos. Achei o depoimento pungente: lá estão descritos o drama do homem acossado e o sofrimento da família, mulher e filhos, a solidão dos que caem em desgraça social. Definitivamente, o mensalão transformou a vida de Valério em drama – por que não dizê-lo? – dostoievskiano, daqueles pelos quais somente somos libertados pela réstia translúcida da luz diáfana de uma redenção mística.

Deixemos o drama humano vivido por Valério de lado, quero falar de aspectos mais pueris do mensalão, atinentes à relação com a política e a campanha eleitoral. O mensalão ainda vai render, mas não é assunto principal da pauta das atuais eleições municipais, por diversos motivos.

O primeiro deles, intencional. A imprensa do mensalão circula fortemente na classe média alta – revista Veja e TV a cabo (a Globo News cobre a novela do julgamento todas as matinês) -, que já elaborou a sua opinião condenatória a respeito, mas ainda não explodiu na TV aberta, a não ser em ligeiros flashes noturnos do julgamento, em close para a ira mercurial de Joaquim Barbosa e a pachorra olímpica de Aires Brito. Para se ter uma ideia, a matéria da capa da Veja não foi assunto de manchete do Jornal Nacional. Seleta edição, que mantém em vez de alterar o correlação de forças, cujo resultado é aumentar a convicção dos antipetistas renitentes e dispersar a atenção das pessoas mais preocupadas com as novas estripulias da mansão do Tufão.

Afora a edição seleta da imprensa de massas, convém agregar a uma digressão clássica de teoria política: fatos danosos e inconvenientes à imagem de qualquer governo, a exemplo do mensalão, somente se tornam se alta combustão se combinados com uma crise política e institucional de poder, de uma luta política aberta entre governo e oposição.

Dou dois exemplos históricos de crise institucional e de poder, um remoto italiano e outro brasileiro contemporâneo. O assassinato do Deputado socialista Matteotti em plena Itália fascista, somente significou um endurecimento do próprio regime, porque Mussolini e a oposição já se enfrentavam abertamente – inclusive no campo militar -, bem como a tentativa contra a vida de Carlos Lacerda, na pacata Rua Toneleros em Copacabana, que resultou no suicídio de Vargas, era mais um episódio da narrativa do período de maior radicalização da história política brasileira. Neste sentido, realmente houve uma crise política do mensalão, em 2005, quando a revelação de Duda Mendonça na CPI de que havia recebido dinheiro de paraísos fiscais a guisa de pagamento, abriu o espectro de abertura de processo de Impeachment, ocasião na qual o PSDB, temendo uma hipotética reação das ruas, preferiu “sangrar o presidente Lula até as eleições de 2006”.

Resultado: no ano seguinte, o presidente foi reeleito com uma nova base eleitoral, até então alheia ao PT, a imensa massa do subproletariado brasileiro (na acepção de Paul e seu filho André Singer, duas figuras da melhor estripe) ou o marqueteiro chavão da “nova classe média C”, de Marcelo Neri (professor da FGV), slogan logo adotada por Lula. Criou-se assim o “lulismo".

As eleições de 2012 ocorrem em um momento de entressafra do lulismo e de fadiga da coligação de partidos no poder, no qual o partido do ex-presidente passa por agruras para eleger prefeitos em várias capitais importantes (a começar por São Paulo, no qual surge a novidade populista desse inesperado Russomanno). No futuro, a entressafra pode se transformar em encruzilhada, mas não é para o presente imediato eleitoral. E o mensalão? Sem dúvida, a condenação pelo Supremo do chamado “núcleo político” do esquema de corrupção (José Dirceu, Delúbio e Genoino) será um duro golpe na reputação e na estrutura do PT. Mais que efeito eleitoral imediato e avassalador, permanecerá granítico como um espectro, um demônio encapsulado a ser aberto da garrafa cedo ou tarde na próxima crise política que aparecer no cenário político brasileiro.



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