Mensalão e eleição
Jaldes Reis de Meneses
Artigo publicado em minhas colunas no Jornal da Paraíba e Portal de Notícias WSCOM, em 14/10/02
Por onde peregrine, seções eleitorais, salas de cinema ou restaurantes, o ministro Joaquim Barbosa – eleito esta semana o primeiro presidente negro do Supremo - é aplaudido de pé. Na mitologia que vem sendo criada em torno da figura do ministro incorruptível – um pouco espontânea e um pouco dirigida –, ele é comparado em uma máscara vendida no próximo carnaval à figura justiceira de Batman, ambos soturnos e trajados de uma capa negra, empenhados em uma luta contra o crime na cidade promíscua de Gotham City, alegoria que serve ao país Brasil.
Por outro lado, o ex-ministro José Dirceu, o réu mais notório do processo do mensalão, em duas recentes e rápidas aparições públicas (domingo, em sua seção eleitoral, e quarta, em reunião do Diretório Nacional do PT), colhe o dissabor da recepção popular de bandido, cercado de seguranças e vaiado por transeuntes na rua. Mas não perde a pose: no dia da condenação por corrupção ativa no STF, publicou um manifesto no qual compara o seu martírio a um gesto épico de um lutador do povo brasileiro, uma espécie de Fidel Castro afirmando que “a história me absolverá”. Para usar uma desgastada citação de Marx, entre a famosa defesa pessoal em júri de Fidel dos motivos do assalto ao Quartel de Moncada (episódio de 1953, começos do processo da Revolução Cubana), e a pseudo narrativa “heróica” de repetição do “sacrifício” por uma causa justa (o petismo), de Dirceu, Genoino e Delúbio medeia a distância entre o fato histórico autêntico e a farsa.
Voltando a Gotham City, talvez Dirceu seja mais apessoado ao Coringa. Por um motivo simples: o mensalão nada tem de épico. Comprar votos em gabinetes, no fundo, é um ato recorrente no sistema político brasileiro, pois existem mensalões e mensalinhos à mancheia em muitas câmaras de vereadores e assembléias estaduais Brasil afora. Alguém duvida? Basta trocar confidências por meia hora com qualquer político profissional brasileiro em qualquer restaurante. Falastrões, eles sempre abrem o jogo. Se há mesmo alguma novidade no mensalão, é de escala e engenho operacional.
Todo mundo sabe o segredo. Não escrevo a respeito de nenhum atavismo antropológico. Não há povo corrupto por natureza, talvez por cultura e relação social. Meu tema privilegiado é a cultura política, embora talvez motivado secundariamente pela psicologia social e a psicanálise. Reside precisamente na dimensão generalizada da corrupção no sistema político brasileiro o motivo profundo de a denúncia do mensalão na televisão pouco ter prejudicado o desempenho dos candidatos do PT, aliado ao fato provado na teoria política de que em geral os escândalos de corrupção só degeneram em crise de governo se houver combinação com uma crise econômica ou de instabilidade do sistema político. Entre nós, a economia apresentará níveis modestos de crescimento em 2012, porém distantes dos padrões da crise européia. Quanto à política, o balcão do presidencialismo de coalizão – embora aponte para crises futuras – continua funcionando relativamente bem para o que se propõe – as tarefas combinadas de distribuir ad hoc recursos do orçamento público em troca de apoio parlamentar.
Alguns intelectuais tucanos (a exemplo do historiador Marco Antonio Villa, (a exemplo do historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e freqüentador assíduo das mesas redondas de especialistas da Globo News e editora Abril) ) têm se pronunciado a respeito da condenação dos réus no processo do mensalão como uma autêntica “refundação da República”. Evidente exagero, típico da tradição bacharelesca brasileira, estranha refundação, da qual o povo sequer participa ativamente, senão contraditoriamente “bestializado” (apupa os líderes políticos do mensalão espasmodicamente nas ruas, ao mesmo tempo em que reconduz indiferente lideranças corruptas aos postos de poder, uma espécie de divisão esquizofrênica) .
Não se trata de diminuir o alcance das denúncias do mensalão, mas de repô-las ao devido lugar. As denúncias de Roberto Jefferson sem dúvida jogaram um facho de luz numa zona de sombras. Contudo, refundar a república dependeria de uma profilaxia radical, totalmente fora de cogitação da parte das principais forças políticas, econômicas e jurídicas da sociedade brasileira.
Artigo publicado em minhas colunas no Jornal da Paraíba e Portal de Notícias WSCOM, em 14/10/02
Por onde peregrine, seções eleitorais, salas de cinema ou restaurantes, o ministro Joaquim Barbosa – eleito esta semana o primeiro presidente negro do Supremo - é aplaudido de pé. Na mitologia que vem sendo criada em torno da figura do ministro incorruptível – um pouco espontânea e um pouco dirigida –, ele é comparado em uma máscara vendida no próximo carnaval à figura justiceira de Batman, ambos soturnos e trajados de uma capa negra, empenhados em uma luta contra o crime na cidade promíscua de Gotham City, alegoria que serve ao país Brasil.
Por outro lado, o ex-ministro José Dirceu, o réu mais notório do processo do mensalão, em duas recentes e rápidas aparições públicas (domingo, em sua seção eleitoral, e quarta, em reunião do Diretório Nacional do PT), colhe o dissabor da recepção popular de bandido, cercado de seguranças e vaiado por transeuntes na rua. Mas não perde a pose: no dia da condenação por corrupção ativa no STF, publicou um manifesto no qual compara o seu martírio a um gesto épico de um lutador do povo brasileiro, uma espécie de Fidel Castro afirmando que “a história me absolverá”. Para usar uma desgastada citação de Marx, entre a famosa defesa pessoal em júri de Fidel dos motivos do assalto ao Quartel de Moncada (episódio de 1953, começos do processo da Revolução Cubana), e a pseudo narrativa “heróica” de repetição do “sacrifício” por uma causa justa (o petismo), de Dirceu, Genoino e Delúbio medeia a distância entre o fato histórico autêntico e a farsa.
Voltando a Gotham City, talvez Dirceu seja mais apessoado ao Coringa. Por um motivo simples: o mensalão nada tem de épico. Comprar votos em gabinetes, no fundo, é um ato recorrente no sistema político brasileiro, pois existem mensalões e mensalinhos à mancheia em muitas câmaras de vereadores e assembléias estaduais Brasil afora. Alguém duvida? Basta trocar confidências por meia hora com qualquer político profissional brasileiro em qualquer restaurante. Falastrões, eles sempre abrem o jogo. Se há mesmo alguma novidade no mensalão, é de escala e engenho operacional.
Todo mundo sabe o segredo. Não escrevo a respeito de nenhum atavismo antropológico. Não há povo corrupto por natureza, talvez por cultura e relação social. Meu tema privilegiado é a cultura política, embora talvez motivado secundariamente pela psicologia social e a psicanálise. Reside precisamente na dimensão generalizada da corrupção no sistema político brasileiro o motivo profundo de a denúncia do mensalão na televisão pouco ter prejudicado o desempenho dos candidatos do PT, aliado ao fato provado na teoria política de que em geral os escândalos de corrupção só degeneram em crise de governo se houver combinação com uma crise econômica ou de instabilidade do sistema político. Entre nós, a economia apresentará níveis modestos de crescimento em 2012, porém distantes dos padrões da crise européia. Quanto à política, o balcão do presidencialismo de coalizão – embora aponte para crises futuras – continua funcionando relativamente bem para o que se propõe – as tarefas combinadas de distribuir ad hoc recursos do orçamento público em troca de apoio parlamentar.
Alguns intelectuais tucanos (a exemplo do historiador Marco Antonio Villa, (a exemplo do historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e freqüentador assíduo das mesas redondas de especialistas da Globo News e editora Abril) ) têm se pronunciado a respeito da condenação dos réus no processo do mensalão como uma autêntica “refundação da República”. Evidente exagero, típico da tradição bacharelesca brasileira, estranha refundação, da qual o povo sequer participa ativamente, senão contraditoriamente “bestializado” (apupa os líderes políticos do mensalão espasmodicamente nas ruas, ao mesmo tempo em que reconduz indiferente lideranças corruptas aos postos de poder, uma espécie de divisão esquizofrênica) .
Não se trata de diminuir o alcance das denúncias do mensalão, mas de repô-las ao devido lugar. As denúncias de Roberto Jefferson sem dúvida jogaram um facho de luz numa zona de sombras. Contudo, refundar a república dependeria de uma profilaxia radical, totalmente fora de cogitação da parte das principais forças políticas, econômicas e jurídicas da sociedade brasileira.
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